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O desafio de formar talentos para o digital

Lideranças chamam a atenção para a falta de preparo dos recém-formados e sinalizam a necessidade de investimento


25 de fevereiro de 2014 - 12h41

Por Fernanda Bottoni, do ProXXIma

Tanto o mercado quanto a academia têm uma percepção preocupante: os mais jovens profissionais do mercado digital brasileiro são superficiais e um tanto despreparados para a vida real. Existem exceções, obviamente, mas a maior parte dá muita importância a modismos, não se atém a conceitos e raramente tenta se aprofundar em qualquer tema. O resultado é que essa geração desconhece as principais referências de sua área e não tem repertório suficiente para sustentar qualquer argumentação, seja internamente ou, o que é mais perigoso, na frente do cliente. No entanto, por trás do discurso, surge sempre uma questão. De que geração, afinal, nós estamos falando?

Vamos lá, mesmo que você tenha mais de trinta e poucos anos – ou quarenta ou mais, o que já não faz tanta diferença -, com algum esforço poderá se lembrar do que seus primeiros chefes – ou até seus professores – falavam sobre você. Agora, por favor, diga com toda sinceridade se essas características do início do texto são mazelas apenas dos jovens que chegam agora ao mercado de trabalho.

"É fácil dizer que os jovens de hoje não querem se aprofundar, mas acho que, quando eu era estagiário, diziam a mesma coisa, a diferença é que não havia tanto para aprender o tempo todo", confessa Paulo Loeb, sócio da F. biz e autor do artigo Não sabem o básico do básico, publicado no site ProXXIma e viralizado nas redes sociais. "Esse mesmo despreparo deve ter sido sentido como quando surgiu a TV como um avanço do rádio, ou quando as fábricas começaram a adotar máquinas de automação em comparação a tradicional manufatura artesanal", acredita Paulo Schiavon, diretor de mídia e business intelligence da iProspect.

"Textos já anunciavam que a juventude estava perdida dois mil anos antes de Cristo", lembra Luiz Fernando Dabul Garcia, diretor-geral da graduação da ESPM-SP, para quem tachar toda a nova geração de superficial, para não dizer coisa pior, seria uma grande ingenuidade. "É ir ‘fundo no raso’, exatamente o erro que apontamos nesses jovens."

Geração wi-fi
Claro que essa geração antenada em tudo (muitas vezes sem um fio de profundidade) tem características bem específicas. Como define Elizabeth Saad Corrêa, professora titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, estamos falando de jovens contemporâneos que nasceram no ambiente digital, têm perfil multitarefa, multiplataforma e multitemático. "Eles realmente chegam ao mercado com um conhecimento que apenas ‘paira’ sobre os grandes temas e os ditos ‘memes’ e modismos" diz. Para eles, detalhes e aprofundamentos não são o foco. "É um comportamento muito típico desta geração, que se apoia muito na informação disponível na própria rede, sem filtrar muito. Na dúvida, dê um Google…", explica.

Tentando não generalizar, mas pegando alguns traços mais comuns, Garcia, da ESPM-SP, explica que os jovens que têm hoje entre 20 e 30 anos receberam uma educação em que a autonomia não foi reforçada. "Eles encontraram sistemas de educação seriados e programados, em que não era preciso se preocupar porque sempre havia alguém que se preocupasse por eles", diz. "É a geração a quem tudo foi explicado."

Claro também que essas características são ainda mais intensificadas quando tratamos dos jovens do mercado digital, que se transforma a todo mundo momento e também tem seus atributos específicos. "O digital é tão veloz que, em alguns momentos, é possível ter a sensação de que não adianta aprofundar muita coisa porque logo tudo muda novamente", diz Garcia. "Não estou tentando justificar a superficialidade, mas são tantas as ondas que vêm e vão que é preciso pular algumas, pelo menos aquelas que passam sem alterar o patamar em que estamos."

"Nossa indústria é muito nova", concorda Loeb, que compara os jovens que entram no mercado digital aos que vão para o mercado financeiro. "Os conceitos do mercado financeiro são relativamente bem estabelecidos", afirma. "Se esse jovem fizer uma boa faculdade, tiver bons professores, tem condições de entender o contexto pelas informações que recebeu." Já no mercado digital a situação é bem diferente… "Aqui, tudo é mais fluido, o que é legal não é necessariamente importante, tudo é muito novo e as pessoas confundem plataformas com conceitos", explica.

E, mais uma obviedade, se estamos falando do mercado mais mutante entre os mutantes, é claro também que não existe uma formação adequada para seus profissionais. "O mundo digital anda muito mais rápido – muito mais mesmo – que a estrutura curricular dos cursos de graduação, que depende do MEC, burocracias, autorizações etc", diz Beth, da ECA-USP. "Além disso, mesmo encontrando brechas nesse sistema engessado, é preciso ter um corpo docente muito atualizado, antenado e, especialmente, que entenda que ensino no contexto digital exige uma ponte contínua, fluida e aberta entre academia e mercado."

Consequentemente, como destaca Adriana Gomes, coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios em Desenvolvimento de Pessoas da ESPM-SP, o que o jovem do mercado digital sabe muitas vezes ele aprendeu na raça, sem ter visão global e sistêmica do negócio. Já pensou o que seria deles se não soubessem "dar um Google"?

Pois é… E há ainda que se considerar a super expectativa que todo o mercado joga sobre esses "juniores". Por acaso você – que já tem aqueles trinta e poucos anos – tinha voz ativa nas reuniões com clientes quando era só um estagiário? Segundo Garcia, parte da população mais adulta está confiando que o jovem vai chegar para ensinar a trabalhar no universo digital. "Afinal de contas, ele nasceu lá", diz, brincando.

E, para completar, existe a enorme carência de profissionais nesse mercado, o que acelera suas carreiras, estejam eles preparados ou não para isso. Se até pouco tempo um jovem profissional tinha 10 anos para amadurecer, hoje, quantos anos ele tem? Dois? No máximo, né? "Não podemos simplesmente ‘crucificar’ os jovens porque certas funções do segmento exigem maturidade pelo nível de complexidade que só é alcançado quando temos certo tempo de atuação", reforça Schiavon, da iProspect.

Antes que seja tarde
Pois bem, a boa nova é que, mesmo todos esses fatores entrelaçados – os atributos típicos da geração wi-fi, a característica mutante do mercado digital, a falta de formação adequada desses profissionais e a necessidade de aceleração das suas carreiras (ufa!) – tanto o mercado quanto a academia conseguem apontar caminhos para reverter o lado ruim da situação.

Do lado das empresas, Garcia, da ESPM, acredita que seja preciso realizar processos de recursos humanos e possivelmente escalonar mais o crescimento desses jovens. "As empresas e agências não podem achar que os recém-formados estão prontos para enfrentar o mercado sem nenhuma orientação", concorda Fernanda Brunsizian, gerente sênior de comunicação corporativa do LinkedIn Brasil. "É preciso um programa de desenvolvimento profissional, um bom gestor capaz de maximizar essa energia produtiva e colocá-la no contexto adequado, mostrando ao jovem à razão final de cada projeto."

Para as escolas, a recomendação de Schiavon, da iProspect, é de incentivar o empreendedorismo, o livre pensamento e a pesquisa. "Há o despreparo, mas há também a oportunidade de autodesenvolvimento, que precisa ser muito mais incentivada nos bancos escolares", diz.

Já para os jovens, Loeb alerta: "Há muita gente ligada no que acontece, que sabe de campanhas que estão no ar e que são legais, mas que, na hora de discutir conceitos e viabilidade de ações, desconhece coisas que aconteceram, referências, métricas, tudo o que deveria fazer parte do seu repertório". Ele diz que espertas são as poucas pessoas que se informam adequadamente enquanto a grande maioria não está nem aí. "É mais um toque do que uma crítica", garante. "É preciso saber o que as pessoas que são referências no nosso mercado dizem e fazem, é preciso conhecer os maiores cases, é preciso dominar as siglas de investimento de mídia que sempre são discutidas. Quem é curioso e esperto vai atrás disso e se dá bem."

Para completar, a recomendação de Beth, da ECA-USP, também é clara. "Os que realmente querem entrar no mercado profissional de maneira séria precisam entender que hoje o autodesenvolvimento é ponto fundamental para suas carreiras”.
 

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