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O lado bom de perder audiência

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Ponto de vista

O lado bom de perder audiência


6 de novembro de 2013 - 11h55

O dia 21 de fevereiro de 1986 é um marco histórico da televisão brasileira. Nessa data, absolutamente todos os aparelhos de TV ligados no país estavam sintonizados no último capítulo da novela global Roque Santeiro. Isso mesmo: 100% de share!

De lá para cá, a audiência do principal canal de TV do país vem seguindo um contínuo caminho descendente. Sinal de que a Globo perdeu a mão? Não creio. Acho que estamos mesmo é nos desenvolvendo.

A perda de share, não só da Globo, mas de outros veículos de comunicação, reflete um fenômeno pouco conhecido sobre a ascensão social dos brasileiros: a segmentação da nova classe média. Cada vez mais, os brasileiros que deixaram a pobreza nas últimas décadas estão se diferenciando uns dos outros – e essa é uma boa notícia para todo mundo, inclusive quem perde audiência.

A relação entre melhora de vida e diferenciação é fácil de entender. Está relacionada com a oportunidade de fazer escolhas, de experimentar. Os muito pobres não têm essa chance. Não escolhem casa, trabalho, comida, escola, lazer. Agarram o que aparece.

Educação e renda mudam tudo. A pessoa passa a fazer inúmeras escolhas na vida. Compra o que antes não podia, vira alvo de propaganda, testa coisas maravilhosas, cai em promessas falsas, aprende, cria novos valores. Ao longo desse processo, cada pessoa acaba trilhando seu próprio caminho, vai se distinguindo das outras. Agradar a todas com um mesmo produto torna-se impossível.

Isso aconteceu no segmento de revistas populares. No fim dos anos 90, a Editora Abril lançou a primeira revista voltada exclusivamente para a classe C. Em pouco tempo, a publicação, vendida apenas em bancas, atingiu 500 mil exemplares de circulação semanal. Com o passar do tempo, porém, as vendas começaram a cair. As pesquisas mostraram que o público tinha mudado. As mulheres haviam se dividido em cinco segmentos muito distintos uns dos outros. Não dava mais para atender a todas com o mesmo conteúdo.

Na TV, é assim também. Na última década, o Fantástico!, por exemplo, perdeu praticamente metade da audiência. É que hoje parte do seu antigo público se identifica mais com o humor escrachado do Pânico, com o tom mais sensacionalista do Domingo Espetacular ou com programas da TV a cabo. Sem contar a parcela que pode escolher terminar a noite de domingo navegando na internet ou jantando com a família no Habib´s.

A segmentação da classe C teve impacto até no campo da religião, principalmente entre as igrejas evangélicas: a Universal do bispo Edir Macedo, por exemplo, passou a dar mais ênfase ao tema da prosperidade, de maior apelo à nova classe média. Deixou de lado os milagres, abrindo espaço para o crescimento da Igreja Mundial do bispo Valdomiro Santiago, focada nesse tema.

Deixando a religião de lado e voltando à mídia, o lado bom desse movimento de segmentação é que o público com poder de escolha consome muito mais do que a massa excluída. Portanto, desperta muito mais o interesse dos anunciantes. Nas revistas populares, a publicidade cresceu quatro vezes em uma década. Na TV aberta, aconteceu o mesmo. Em 2003, o investimento publicitário no meio somou R$ 6,4 bilhões. No ano passado, ultrapassou R$ 30 bilhões! E, como se sabe, a maioria do dinheiro foi para a Globo. Atribuir todo esse resultado à BV é subestimar a inteligência dos anunciantes.

A verdade é que redistribuição de audiência é um importante sintoma do desenvolvimento social.

Estamos virando gente grande.

*Demetrius Paparounis é jornalista e consultor em comunicação para a nova classe média
 

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