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10 de março de 2020 - 8h00
Por Felipe Leonard (*)
No século 21, a tecnologia promove mudanças profundas nos ciclos de produção. Assim, a grande questão é se nossas profissões vão continuar existindo ao longo dos próximos anos ou se, ao contrário, seremos substituídos por máquinas.
Esse dilema, típico da nossa era, motiva diferentes especulações, desencadeia, muitas previsões a respeito, e gera ansiedade, medos e resistência em muitas pessoas, sociedades e países. Muitos acreditam que o futuro é pior e que, por isso, temos que resistir à sua chegada! Será mesmo?
O McKinsey Global Institute estima que metade das tarefas inerentes ao mundo do trabalho já pode ser realizada por robôs. Já a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vai além e aponta que, na grande maioria dos países participantes da organização, 47% das atividades laborais tendem a ser afetadas pela automação, sendo que robôs e computadores podem promover mudanças, ou mesmo, eliminar cinco em cada dez empregos.
Mas antes de se conformar com os desdobramentos dessa ameaça tecnológica, é preciso que nos lembremos de nosso maior trunfo. Ele vai muito além do poder que nos conferem as cem trilhões de conexões que turbinam nosso cérebro: reside no potencial de criar, imaginar, sonhar e no que talvez seja a conquista mais elevada do ser humano: a capacidade de empatia, de se colocar no lugar do outro.
Não vamos contrariar o fato de que Inteligência Artificial é, provavelmente, o maior evento da história contemporânea. Por outro lado, os robôs, até o momento, estão longe de substituir a nossa capacidade criativa e, principalmente, as habilidades humanas. Robôs são excelentes em “simular”, mas apenas nós, seres humanos, conseguimos “ser”.
Homo sapiens
Pode não parecer, mas Albert Einstein e Pablo Picasso têm muito em comum. O primeiro publicou, em 1905, artigos que deram origem à famosa teoria da relatividade. Dois anos mais tarde, o segundo concluiu o quadro Les Demoiselles d’Avignon, considerado o grande marco do cubismo.
Algo, porém, uniu ciência e arte: sim, a criatividade. Quem afirma é o filósofo e historiador inglês Arthur I. Miller. Segundo ele, tanto Einstein quanto Picasso teriam devotado a vida a esse potencial humano. Isto é, à possibilidade de produzir algo novo, mesmo que a partir de conhecimentos anteriores.
Segundo o psicólogo americano Dean Keith Simonton, a criatividade reside em diferentes níveis, que envolvem originalidade e utilidade. Assim, além dos gênios, esses seres humanos com potenciais raríssimos, que trazem à tona produções incrivelmente impactantes, temos também pessoas capazes de propor soluções úteis para os impasses do cotidiano. Todos podem, à sua maneira, transformar o mundo.
O poder da observação
Da queda da maçã, que levou Isaac Newton a desenvolver a Lei da Gravitação Universal, aos insights que culminaram em aplicativos que dão cabo de realizar quase tudo em nossos celulares, as maiores descobertas humanas têm como gênese a observação.
E ela pode ser esmiuçada em outras características humanas também impossíveis de programar: perceber, sentir e gerar satisfação. É por meio dessas habilidades que compreendemos o cenário que nos cerca, entendemos o que nos falta e tratamos de solucionar demandas variadas, nossas e dos outros. A própria história nos prova isso, em seus diferentes capítulos.
Inventamos a roda há milhares de anos para extravasar nossa criatividade com a cerâmica. Depois, por volta de 3,4 mil a.C., ela se transformou em peça essencial ao transporte. No século dezoito, fomos dos produtos artesanais para as fabricações em larga escala, que tiveram origem junto às primeiras aglomerações urbanas. Em 1969, levamos o homem à Lua. E, hoje vencemos patologias com nanotecnologia e nos debruçamos em estudos sobre células embrionárias.
Difícil prever o que vem pela frente. Nesse ponto, o leitor poderia dizer: “É fácil perceber o que nos trouxe até aqui”.
O método descartiano poderia ser revisado hoje e reescrito como: ‘pensamos, logo criamos’. E isso vale para máquinas e robôs baseados em Inteligência Artificial, além de microchips e tantos outros aparatos.
Que as máquinas irão tomar nossos lugares é uma crença comum. Mas será mesmo que a faculdade de “pensar” é que nos levou a “criar”? Não terá sido a capacidade de “perceber” e “sentir” — sobretudo as necessidades e sentimentos nossas e dos outros?
A partir desse ponto, “criar” se torna um sinônimo de agir a serviço de melhorar a existência, própria e alheia.
Longe de apenas “pensar” — algo que, claramente, as máquinas e a Inteligência Artificial vão, de fato, conseguir fazer melhor do que nós –, não há dúvidas de que o toque humano é o mais elevado atributo da nossa humanidade e o verdadeiro motor do progresso.
E é por isso que estamos ingressando numa época onde, diferente do que muitos acreditam, a obsessão pela tecnologia por si só não é o suficiente. Por exemplo, o foco em B2C ou em B2B está se provando que não é mais um valor absoluto, pois não garante o sucesso e a sobrevivência.
Provavelmente, o futuro seja mais favorável às pessoas e às empresas que coloquem o “toque humano” como prioridade nas suas agendas; essa sim, a maior garantia de um diferencial competitivo.
É que entendemos que, no fundo, por mais que a tecnologia participe no processo todo, ao final do dia, tudo se resume a H2H, ou human to human. Esse conceito, criado nos anos 2.000, traduz muito bem a ideia de que não existe condição necessária e mais importante do que a relação de humano para humano, sem a qual as metas de produtividade não seriam jamais alcançadas.
E sim, no plano “técnico”, por trás da máxima “penso, logo crio”, existe um fato inegável: robôs já ocupam muitos espaços. E podemos questionar se estamos no caminho certo.
A verdade é que existem indicadores que comprovam que as economias mais automatizadas e com grandes investimentos em tecnologia têm conquistado um maior PIB per capta. Dados demonstram que o investimento em robôs contribuiu para alavancar em cerca de 10% o PIB dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), na última década. E mais: pesquisa da London School of Economics em 17 países demonstra que as máquinas não roubam empregos e, em muitos casos, elas são até mesmo responsáveis por aumentar salários.
A inteligência artificial vai, certamente, eliminar várias profissões. Mas também será responsável por criar outras tantas. A consultoria McKinsey estima que 60 milhões de empregos industriais deverão ser substituídos por robôs até 2025, no mundo todo.
E é verdade que boa parte da humanidade trabalha hoje em tarefas simples, mecânicas ou cognitivas, que uma máquina poderá substituir.
O desafio das sociedades, então, estará em capacitar as pessoas com a velocidade suficiente para que possam se adaptar e evoluir dos empregos atuais para os novos que vão surgir e onde o “toque humano” seja o diferencial.
Mais uma vez voltamos ao pilar central de uma sociedade não só próspera, porém, também feliz. A resposta está na educação, eficaz e na direção certa, com foco nas ciências, porém, em particular, no reforço dos aspectos que tornam o humano realmente humano, nem animal, nem máquina.
Então, qual é boa notícia? Máquinas poderão nos substituir como forças “pensantes” em nível técnico, de processamento e de interpretação de dados, sim. Porém, não serão capazes de tomar nossos lugares como forças empáticas, sonhadoras, que a partir da percepção da carência e da dor — própria e alheia — poderão imaginar novas realidades. Afinal, elas trabalham e sempre vão trabalhar a nosso serviço.
A criatividade, a empatia, a capacidade de sonhar, de estender o nosso ser e abarcar o outro, o “toque humano” que nos move, caro leitor, é o que também nos mantém seguros. Por trás dos algoritmos e softwares complexos, estarão os seres humanos – ou seres super-humanos!
(*) Felipe Leonard, presidente e CEO da S.I.N. Implant System