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28 de janeiro de 2020 - 8h03
Por Marcelo Arbex (*)
Definitivamente somos um povo que tem uma relação bipolar com a tecnologia. Nós, brasileiros, estamos na linha de frente quando se trata do entusiasmo com que mergulhamos, consumimos, usamos e adoramos as novas tecnologias.
Ocupamos sempre os primeiros lugares entre os maiores usuários de internet, Google e redes sociais. Adoramos um carro super tecnológico, uma TV de tela plana com o maior número possível de pixels, babamos num smartphone de última geração. E no entanto, nós não temos a menor idéia de como tudo isso funciona. Nem pensamos nisso. Pior, estamos completamente distantes das cadeias globais de desenvolvimento e produção destes bens de alta tecnologia.
Num certo sentido, para nós, o celular é o novo “espelhinho”. Como aqueles que tanto fascinavam os indios da Terra Brasilis séculos atrás, e que eram oferecidos a eles pelos colonizadores como um gesto de aproximação amigável. Com a diferença que os indios ganhavam os tais espelhinhos, enquanto nós, hoje, pagamos para ter os nossos smartphones…
Isto dito é preciso dizer mais uma coisa: toda essa tecnologia de ponta, a vida moderna como a conhecemos e as telecomunicações eficientes que desfrutamos hoje, simplesmente não existiriam se não fosse pelo espaço.
Sim. Porque praticamente tudo o que temos e vivemos hoje é fruto e resultado das pesquisas levadas a cabo por conta da exploração espacial.
Pense no seu dia a dia. Computadores, chips, smartphones, internet, transmissões ao vivo pela TV, GPSs, novas fibras sintéticas, novos materiais mais fortes e mais leves empregados por toda a indústria, carros inteligentes, aviões mais seguros, o forno de microondas, as lentes do seu óculos, tudo isso e muito mais veio diretamente da exploração e ocupação do espaço. Foram tecnologias criadas e desenvolvidas primeiro para o uso no espaço, que depois foram sendo incorporadas aos produtos e serviços que hoje são parte do nosso cotidiano.
Então o espaço é importante? Não, é muito mais que isso, é fundamental. É obrigatório! E por isso mesmo, a terra que já deu à luz um Santos Dumont deveria sentir-se, no minimo, envergonhada.
E não é que nós estejamos perdendo a corrida ao espaço. Nós sequer entramos nela! Atualmente, mais de 70 nações da Terra tem atividades espaciais em andamento. Alguns, como os EUA, Russia, China, Japão, França, India e Israel, para ficar apenas em alguns exemplos, há décadas tem avançado nesta área. Já colocaram seres humanos na órbita do planeta e além, caminharam na Lua, supriram nosso mundo com satélites para um sem número de finalidades, construiram laboratórios no espaço e uma estação espacial permanente na órbita da Terra, enviaram sondas para pesquisar outros planetas e os confins do nosso sistema solar, enviaram robots para pousar no solo de Marte, Vênus e Mercúrio, lançaram um telescópio espacial que abriu nossos olhos para o conhecimento do universo e pousaram mais de uma vez em diferentes cometas e asteróides. Entre outras façanhas.
E repare, tudo isso ocorreu antes ainda da recente entrada de gigantes da iniciativa privada no segmento da exploração espacial. Se o espaço não é assim tão importante, o que Jeff Bezos da Amazon, Elon Musk da Tesla e Richard Branson da Virgin por exemplo, estão vislumbrando ao colocar bilhões de dólares na pesquisa e desenvolvimento de programas espaciais próprios?
Enquanto tudo isso acontece, o Brasil permanece, como de costume, com o freio de mão puxado. Alheio a perceber em qual direção o mundo e a humanidade realmente estão caminhando.
Nosso programa para desenvolver e fabricar um veículo capaz de colocar satélites em órbita da Terra colapsou quando, em 2003, nosso foguete VLS-1 V3 explodiu, ainda na plataforma de lançamento, matando 21 engenheiros, técnicos e cientistas. Em outros países estes brasileiros seriam considerados heróis. Aqui, estão condenados ao esquecimento. O mínimo que deveria ter sido feito é ter seguido adiante com o tal programa e, no prazo mais rápido possível, lançarmos finalmente, e com sucesso, um foguete resultado desse esforço. Nem que essa conquista fosse apenas uma póstuma homenagem àqueles que morreram. Mas, estamos no Brasil…
Mesmo países como China e India, onde até pouquíssimo tempo atrás suas populações viviam de forma precária, muitas vezes dependentes de uma agricultura familiar de subsistência, hoje tem programas espaciais robustos e avançados. A India já está mirando a Lua e também Marte. A China, além de pousar uma sonda na Lua, já enviou chineses à nossa órbita e está construindo a sua própria estação espacial.
Enfim, o mundo, as nações, a humanidade estão fazendo a sua parte, e seguem avançando a passos largos.
Voltando ao Brasil, faça um teste: tente conversar com um brasileiro comum sobre temas como o planeta Terra, os outros planetas do nosso sistema solar, as estrelas, galaxias, o espaço e o universo. Você verá que com a esmagadora maioria de nossos compatriotas não terá mais do que alguns segundos de atenção, antes que seu interlocutor desvie o olhar e a conversa para um outro assunto.
Os brasileiros preferem falar sobre o comprimento do rabo do capeta do que conversar sobre o nosso verdadeiro lugar, dimensão e significado no cosmos. Via de regra a reação a tais temas é algo como: não quero nem pensar sobre essas coisas! E quando surge então Deus na conversa, aí ela se encerra por aí mesmo, porque Ele é a resposta para tudo e não há mais nada que precise ser conhecido ou descoberto.
Nesse momento, uma espécie de “treva mental” se estabelece, e nem um milhão de mulas seriam capazes de fazer o pensamento voltar a se mover. Empaca e pronto.
E não estranhe se, ato continuo, o cidadão colocar seus óculos com proteção Ultra Violeta, pegar o seu celular e acionar o GPS para se localizar e dali seguir o seu caminho, na mais santa ignorância, fingindo que a sua vida não tem absolutamente nada a ver com o espaço.
O fato é que, por alguma razão, aquele vazio escuro e misterioso situado acima e além da nossa atmosfera incomoda profundamente os brasileiros. Nos assusta. Nos amedronta mais do que lobisomem e saci pererê. Mesmo que continuemos fanáticos usuários da tecnologia que vem, justamente, do espaço! Vai entender…
(*) Marcelo Arbex é Diretor de Criação na Easy Writers de Criação e entusiasta do conhecimento científico espacial.