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Comunicação

Caravaggio? Não, Azemiro de Souza Filho

Oito horas da manhã. Paro o carro na padaria para tomar um café antes de chegar na agência e, quando abro o jornal, levo um susto: as telas de Caravaggio, agora em exibição no Masp, são exatamente iguais às fotos que Miro me mostrou há 20 anos


20 de agosto de 2012 - 8h40

Por Ruy Lindenberg*

Miro, que já foi Azemiro de Souza Filho, natural de Bebedouro, é considerado por muitos o mais talentoso fotógrafo de moda do País. Para mim, é pouco. É como se quisessem catalogar um artista justamente por não saber definir com precisão as fronteiras do seu talento. Aliás, limite é o que não se deve esperar de Miro. Anos atrás, ele se aproximou, silencioso, da minha mesa na W/Brasil, abriu vagarosamente uma caixa amarela de filmes Kodak e me mostrou uma foto. Seus olhos brilhavam enquanto os meus se esbugalhavam. Ali estava São Jerônimo como se tivesse saído da tela de Caravaggio e posado para a câmera de Miro.

A imagem do santo foi capturada num clique que custou mais de um ano de trabalho, milhares de polaroides, centenas de rolos de filme. E tudo começou com uma síndrome de pânico. Miro achava que estava se aproximando da morte mas, ao invés de fugir dela, foi ao seu encontro para fotografá-la. Essa busca o levou até os grandes mestres da pintura italiana e espanhola e o fez produzir alguns dos trabalhos mais bonitos da sua carreira, a série Vanités. Crânios, ossos, velhos esqueléticos, ratos, lesmas, tudo ganha beleza e dignidade sob a luz, a produção, o cenário, o figurino e o talento de Miro. É o único artista que conheço capaz de pintar um quadro apertando um botão.

Miro cresceu na joalheria do pai que mais tarde se transformou em relojoaria e, com a chegada dos swatches e champions, virou loja de presentes. Desde pequeno desenvolveu o espírito de artesão, de fazedor de joias, de consertador de relógios, de embrulhador de presentes. E foi lá que ele aprendeu a usar o tempo a seu favor e não contra si. As lesmas de uma das fotos desta série foram alimentadas por semanas a fio até que atingissem o tamanho ideal para compor o quadro. O velho que representa São Jerônimo tinha posado para ele como Papai Noel muito tempo antes. A exagerada modéstia do artista fez que estas fotografias ficassem guardadas por anos a fio sem ser publicadas ou exibidas.

Embora tenha passado a vida profissional no mundo alucinante da propaganda, da moda e do editorial, Miro parece ter conseguido com sua introspecção blindar-se contra algumas das pragas da nossa profissão que tanto comprometem a qualidade de um trabalho. Uma delas é o imediatismo, esse subproduto de uma tecnologia cada vez mais acessível e poderosa e que nos dá a falsa impressão de que enganamos o tempo. Bobagem. Isto só nos priva do que ele tem de melhor, como a introspecção, o benefício da dúvida, a refação. É este imediatismo que permite entregar trabalhos antes impossíveis, engordando lesmas em photoshops, envelhecendo jovens em sistemas, transformando pessoas comuns em beldades para, no fim, produzir trabalhos medíocres. Trabalhos que não tiveram o tempo de amadurecer, de vencer a barreira do dia seguinte para ser vistos com outros olhos e talvez apontar novos caminhos.

Por isso tantos projetos já nascem datados, a maioria com a data de ontem. E produzem resultados superficiais, construção de marcas frágeis, sucessos passageiros e profissionais descartáveis.

Hoje se fala muito nos analfabetos digitais, mas o que mais deveria chamar a atenção é a multiplicação de outros analfabetos. Analfabetos tipográficos, analfabetos ortográficos, analfabetos fotográficos, analfabetos cinematográficos, analfabetos culturais, embalados por um ensino deficiente, uma rotina frenética e um glamour duvidoso. A tudo isso se junte o analfabetismo midiático de todos nós, que estamos tentando encontrar caminhos e linguagens neste novo mundo de possibilidades que a tecnologia nos apresenta.

Por isso, a exposição de Caravaggio é obrigatória para qualquer cliente ou profissional de comunicação. E recomendo a quem for ao Masp que atravesse a rua e veja também o Sesi-Sp Arte (FILE Installation, Anima +, Maquinema, Games, Midia Arte, Hipersônica) com as novas tecnologias abrindo oportunidades de entretenimento, de educação, de conexão e de negócios. Um ótimo espaço para a reflexão e a busca de inovação.

As fotos de Miro que ficaram adormecidas no meu subconsciente por tanto tempo, ao despertar, me deram a certeza de que Azemiro de Souza Filho é um dos artistas e publicitários mais modernos e brilhantes que temos neste país.

*Ruy Lindenberg é vice-presidente de criação da Leo Burnett Tailor Made. Ele escreveu este texto, que saiu publicado na edição 1523 de Meio & Mensagem, de 20 de agosto, como colaborador. 

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