Olivetto: “Como criar o novo dentro do já existente”
Publicitário, que faleceu neste domingo, influenciou gerações com suas ideias sobre temas como originalidade, otimismo, confiança, credibilidade, música e mídias digitais
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Alexandre Zaghi Lemos
14 de outubro de 2024 - 13h15
A origem como redator nunca abandonou o publicitário, criativo e empresário Washington Olivetto, que morreu neste domingo, dia 13 de outubro, aos 73 anos, no Rio de Janeiro. Seu velório e cerimônia de cremação acontecem na tarde desta segunda, 14, na região metropolitana de São Paulo, aberta apenas a familiares e amigos.
Sempre procurando frases marcantes, Olivetto conquistou uma exposição midiática nunca antes alcançada por nenhum representante da atividade publicitária, até então mais reconhecida no âmbito do mundo empresarial e nos bastidores do universo da comunicação e do entretenimento.
Durante sua carreira, concedeu diversas entrevistas a Meio & Mensagem, sendo uma delas em abril de 2016, quando participou da seção Entrevista Coletiva, respondendo perguntas de líderes do mercado e outras personalidades. As respostas de Olivetto receberam nova edição nos trechos abaixo, mas é possível constatar que algumas de suas opiniões continuam muito atuais.
“Desotimismo”
Durante muito tempo eu não tive dúvida de que os dois melhores países para ser publicitário eram Brasil e Inglaterra. Países onde o público é receptivo, de diferentes maneiras, à comunicação comercial. Eu credito muito da receptividade do brasileiro à miscigenação. A mistura de raças gerou um povo musical, bem-humorado, sensual, emotivo. E isso nos faz receptivos a mensagens talentosas, inteligentes, brilhantes. Nos últimos anos, as crises políticas, econômicas e éticas têm tirado um patrimônio do brasileiro que é a alegria. Nesse momento, a gente vive no Brasil uma coisa que é terrível para quem trabalha com comunicação, que eu batizei de um momento de “desotimismo”. O Brasil teve momentos de exuberância criativa e de contato com a cultura popular sensacionais, que não estão se reproduzindo com a mesma intensidade. Eu tenho esperança de que o Brasil resolva seus problemas, principalmente o educacional, e que retome sua alegria. Isso não está acontecendo só na publicidade. Ao olhar a seleção brasileira, qual é a expectativa de alegria, de talento, de beleza, de vitória? Fora isso, o mundo está vivendo um momento de pouca inventividade. Não é de graça que a maior banda de rock do mundo ainda sejam os Rolling Stones. E isso não é saudosismo, é constatação. Agora, se tem um lugar onde pode se retomar a relação da publicidade com a cultura popular é no Brasil. Essa é minha grande obsessão: fazer a publicidade que cumpra suas obrigações de vender produtos e construir marcas, mas tenha a vontade de entrar para a cultura popular do País. E hoje, teoricamente, isso seria até mais fácil, pois a disseminação das mensagens é mais fácil. Eu sempre procurei transformar o consumidor em mídia, porque sempre tive consciência de que as redes sociais sempre existiram, o que não havia era a tecnologia.
Originalidade
Dizem que na dramaturgia existem sete situações básicas — o próprio Shakespeare defendia isso — e no humor, sete piadas básicas. Na publicidade, existem algumas situações básicas. Ninguém quer ser repetitivo, mas você não pode olhar com preconceito para o que já foi feito. É preciso olhar e pensar: “como seria o inverso disso?”, “como seria a contramão dessa história?” Aí você cria o novo dentro do já existente. Tentar ser original o tempo inteiro é praticamente impossível. Até porque, muitas vezes, a gente imagina que algo é novo única e exclusivamente por desconhecimento. Às vezes, a novidade não é tão grande, você é que é muito inculto. Agora, a nossa obrigação é sempre tentar fazer o novo de novo, mesmo sendo filho do já existente.
Autorreferência
No mundo inteiro, publicitário tem um problema muito sério, a maior parte deles anda com publicitários, conversa com publicitários, namora com publicitários, se casa com publicitários e aí acaba fazendo a publicidade que já foi feita. Concordo que estão faltando generalistas, aquelas pessoas que entendem no mínimo 15 minutos profundamente de todo e qualquer assunto. São esses que geram a melhor publicidade. Tem muito publicitário que só pensa em publicidade, e vira um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Quando eu comecei a trabalhar em publicidade, a geração anterior já tinha profissionalizado o negócio. Devemos tudo a eles, mas quem deu a aceitação social para a publicidade foi a minha geração. E eu, particularmente, sou muito culpado disso. Essa aceitação social foi boa num determinado momento, depois ficou um pouquinho exagerada. Hoje, quem tem a aceitação social dos publicitários no mundo inteiro, quem tem a fama de ganhar bem, de aparecer na imprensa não são os publicitários, são os chefes de cozinha — a profissão que assumiu aquele espaço que foi dos publicitários.
Confiança
A publicidade, como toda atividade ligada à venda, é um fenômeno de conquista de confiança. E confiança é um negócio que você tem de conquistar cotidianamente. Demora para ser conquistada e você pode perder em segundos. No meu caso, os fatos de estar há muito tempo na atividade, desde os 18 anos de idade, e ter mantido algumas posturas — que eu prefiro chamar de coerência, pode ter gente que vai chamar de teimosia —, foram me dando um patrimônio e um crédito que, particularmente em momentos de dificuldade, são muito úteis. A W/ teve uma postura histórica de jamais fazer campanhas políticas nem de empresas estatais. Isso o tempo provou ser uma decisão acertada. Esse foi um dinheiro muito bom de não ganhar. Eu sou um sujeito que, pessoal e profissionalmente, cresce nos momentos de dificuldade. Claro que eu não gosto de trabalhar em crises, mas percebo que a credibilidade conquistada nos períodos anteriores às crises me ajuda muito.
Credibilidade
Não é de hoje que a mensagem verdadeira na publicidade é mais eficiente — e será cada vez mais efetiva. Falar a verdade na publicidade não é um gesto de bondade, é um gesto de esperteza. Funciona mais. E isso não significa que você não possa contar essa verdade de uma maneira inventiva e fascinante. Contar uma verdade é muito legal, mas contar uma verdade de uma maneira inesquecível significa boa comunicação. O ser humano vive em busca de uma carochinha desde que nasceu, por isso é que chega a ser engraçado quando falam hoje em dia em storytelling. Tudo o que a publicidade boa sempre foi é contadora de histórias. Assim como tudo o que a publicidade boa sempre foi é uma grande produtora de conteúdos. O que é fato é que quanto pior a predisposição do receptor da mensagem, mais difícil atingi-lo. Não está tão prazeroso ler os jornais e conviver com o noticiário, e, certamente, isso mexe com a cabeça das pessoas. Tem um comercial norte-americano criado pelo Jerry Della Femina para Isuzu Motors, protagonizado por um vendedor de automóveis, que se chamava “O mentiroso”. Ele mentia sobre o carro, como todo malhador vendedor de carro, e foi um sucesso na época (1986). Mas são muito raros os comerciais que ressaltam os eventuais defeitos ou não qualidades de um produto. Sinceramente, acho que nos próximos anos vai existir mais espaço para esse tipo de coisa. Por uma questão muito simples: a partir do momento que a propaganda foi ficando cada vez mais redundante, repetitiva, e a partir do momento que é cada vez mais contestada, até ressaltar eventuais defeitos poderá ser uma estratégia de comunicação. Tem uma frase que não é minha e que eu amo: “A aventura pode ser louca se o aventureiro for lúcido”. Ou seja, você pode fazer algo muito atrevido, desde que tenha controle da situação.
Haters
A internet já democratizou o gesto de escrever, mas ainda não democratizou o gesto de escrever bem. Assim como ela tem os méritos da instantaneidade, da pesquisa, tem o demérito do anonimato, que na maior parte dos casos é primo-irmão da covardia. Aí cabe a nós termos maturidade para julgar quando isso tem pertinência ou não. Num universo de uma comunicação que atingiu milhões de pessoas, 35 idiotas dizendo que não gostaram não significa nada. Mas se você der corda, eles continuam. Se você não der corda, eles serão substituídos pelos próximos. Até porque os níveis de perecibilidade deste tipo de coisa são muito altos. Eles não têm credibilidade. Aconteceu com a comunicação uma coisa gozada. A internet fez com que todo mundo acordasse comunicador, mas não necessariamente bom comunicador. E, sem dúvida, isso tem assustado os anunciantes. Às vezes, as pessoas confundem uma situação mais difícil de controlar com algo incontrolável, e aí jogam fora coisas muito boas.
Transformações
Tudo mudou e nada mudou. Mudou a tecnologia, mudaram os níveis de pressão, a velocidade. E nada mudou porque sem uma grande ideia, não acontece nada. E, claro, aqueles que têm a capacidade de ter a grande ideia são sempre mais beneficiados. E aqueles que conseguem de maneira mais leve, mais fácil, não sentem tanto a pressão, apesar da pressão ter aumentado. Não têm de trabalhar de noite, porque são competentes para fazer de dia.
Música
Minha relação com a música popular, em geral e a brasileira em particular, sempre foi acentuada. É o meu radar social, é a minha maneira de tentar entender a vida. Tive privilégios inacreditáveis, de ver momentos muito espetaculares, notáveis das produções dos discos dos tropicalistas, por exemplo. Mas, das minhas emoções com música, que foram muitas, aquela que é mais marcante, porque me envolve muito fortemente, é o episódio com o Jorge Ben Jor. Ele fez um show de fim de ano em 1990 para o pessoal da W/Brasil. Com aquela sonoridade única no planeta, ele resolveu, entre uma música e outra, fazer um refrão para a galera, porque a plateia era formada só pela turma da agência. Foi aí que surgiu o “alô, alô, W/Brasil”. Depois do show, fomos jantar e começamos a conversar sobre o Brasil e o governo Collor. Brincamos que o Brasil estava um país tão louco que se fosse um prédio o síndico seria o Tim Maia. Portanto, minha maior emoção não foi dentro de um estúdio, mas um tempo depois desse show do Jorge para a W/, quando eu encontrei o produtor Pena Schmidt e ele me contou que o Jorge havia cantado a música W/Brasil em um show e tinha sido uma loucura. O Pena me mandou a fita e em 1991 a música entrou no disco Ao Vivo no Rio, do Jorge. Para mim, ter uma música em homenagem, foi fantástico. Mas o Jorge, com a riqueza melódica dele, que é tão grande, tinha muito mais melodia que podia usar e percebeu que não era para uma música só. Aí lançou, em 1993, a música Engenho de Dentro, que é prima-irmã de W/Brasil, e me cita como pessoa física (“A cabeça do Olivetto/É igual a uma cabeça de negro/Muito QI e TNT/Do lado esquerdo”). Então, esse é um momento muito emocionante. Sejamos verdadeiros, a mais mediana das canções é superior ao mais espetacular dos anúncios. E eu não estou me queixando não, eu amo o que eu faço. A criação musical tem níveis de concessão infinitamente menores e níveis de liberdade infinitamente maiores. E tem de ser assim. Por outro lado, existe uma disciplina para o criador musical que lembra, em alguns momentos, a disciplina do grande criador publicitário.
Bilhetes
Desde menino, eu exercitei essa coisa dos bilhetes, de escrever com a tentativa de surpreender, de deixar uma recordação boa nas pessoas. No início da minha carreira, eu já dizia que o importante é o cartão, não as flores. Antes de ser publicitário, ainda adolescente, eu mandei umas flores para uma moça, com o seguinte cartão: “as próximas, a gente rouba junto”.
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