ProXXIma
8 de maio de 2020 - 7h44
Por Alexandre Ravagnani (*)
Quem diria que viveríamos isso, podados de conviver com as pessoas, da liberdade de sempre, do direito de ir e vir. Parece que quanto mais evoluímos, mais complexo vai ficando o mundo e eu já parei de tentar entender.
No fim de cada dia da semana percebo como aquele dia foi produtivo e mesmo com toda a complexidade da casa, das vídeo-aulas dos meninos, das lições de casa e claro, dos afazeres domésticos, percebo que o dia rende, e muito. Depois que começamos a entrar nesta nova rotina de vida e que fomos deixando de lado o estranhamento, ou melhor, depois que abraçamos o estranhamento, noto com somos seres que nos adaptamos e nos moldamos a qualquer ecossistema, mesmo os mais esdrúxulos como este de pandemia. E não quero reclamar não. Somos privilegiados em ter um teto, família, comida e não podemos lamentar da nossa situação.
Mas voltando à nossa capacidade de adaptabilidade, e ao modus operandi da vida, o ruim passa a ser o novo OK, que passa a ser a nova rotina. E como sempre, tento tirar alguma coisa da situação ao invés de achar que existe alguma teoria da conspiração e olhando para o trabalho e a principal atividade que preenche o dia (e parte da noite também), vejo que podemos ser muito mais focados e trabalhar com menos dispersão e distrações. De repente, da noite para o dia, estar conectado virou uma estratégia de sobrevivência, e trabalhar a distância, acabou não parecendo tão distante assim, e até mesmo se acaba interagindo mais, e produzindo com um resultado ainda melhor.
Minha equipe de criação na Repense é razoavelmente grande, e entre os escritórios de São Paulo e do Rio de Janeiro, somamos umas 25 pessoas trabalhando em formato de squads. Um nome bonito, e que trouxe mais do que tudo, organização, e quando praticamente paramos de ir para a agência da noite para o dia, a organização já estava feita e simplesmente continuamos trabalhando nos grupos já formados e para os mesmos clientes determinados. Ou seja, não houve uma transição brusca e já estávamos suficientemente organizados tecnologicamente para este momento. Mas o que mais me impressionou foi que a equipe passou a funcionar como um relógio. Os prazos sendo cumpridos e não deixando de ser ainda mais pró-ativos. Aliás, isso se intensificou e antes mesmo de haverem demandas vindas dos nossos clientes para o novo momento, as próprias equipes passaram a abraçar a causa e enxergarem a oportunidade de trazer mais relevância e propósito para suas entregas e ideias. Se podemos fazer a diferença, a hora é agora. E sem oportunismo ou ideias descabidas que focam somente em premiações. O objetivo agora é ajudar, pensar no próximo e ter um trabalho com propósito, e isso não tem preço para um criativo.
Muitas vezes nos questionamos sobre o legado do nosso trabalho e agora ele está muito claro e definido. Quando percebemos que todos estão no mesmo barco, é muito mais fácil nos colocar e entender a situação e aí que cai a ficha que o mundo gira para o mesmo lado, que uma ação ruim aqui, impacta o outro lado também, que uma comunidade vizinha ao seu bairro sem acesso à educação, também vai afetar você e todos ao redor, e vice versa, alguns poucos com muito acesso às coisas, também vai afetar aqueles que não tem acesso a quase nada.
E o resultado disso tudo? Além do desejo de sairmos dessa bem e saudáveis, acredito de coração que teremos um mundo unido e mais voltado ao todo do que ao individual, e nosso trabalho como criativos e publicitários, também será o de continuar provocando nossos clientes e suas marcas a pensarem de maneira um pouco mais igualitária e a olharem mais para o próximo. Menos competição das marcas pelo cliente e mais competição das marcas pelas causas que irão adotar.
(*) Alexandre Ravagnani é Diretor-executivo de Criação da Repense