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É o fim da inocência do mercado de game
Evento internacional de games mostra evolução do setor rumo a uma profissionalização inédita.
Evento internacional de games mostra evolução do setor rumo a uma profissionalização inédita.
ProXXIma
19 de abril de 2018 - 8h38
Por Felipe Barreto (*)
Nem só de Electronic Entertainment Expo, mais conhecida como E3, feira internacional dedicada a jogos eletrônicos, vive o gamer nos Estados Unidos. O calendário do segmento está bem ativo e traz opções variadas para todos os propósitos. São muitas feiras e campeonatos ao longo do ano e em várias cidades. Estive presente no PAX East, considerado o maior evento gamer da Costa Leste dos EUA (a E3 acontece em Los Angeles, na Costa Oeste) e tenho várias considerações levando em conta os quatro dias intensos de programação (5 a 8 de abril).
Pude conferir no PAX East que além de muito espaço para os estúdios mostrarem seus games e deixarem quem quiser jogar fazer uma degustação em PCs, consoles e portáteis, o evento oferece uma programação de palestras e apresentações simultâneas em diversas salas espalhados pelo Boston Convention & Exhibition Center.
O PAX na verdade é uma série de eventos em Boston, Seattle, Melbourne, Philadelphia e San Antonio dedicados ao universo dos games, não apenas eletrônicos, mas também jogos de cartas, RPG e tabuleiros. Estes eventos acontecem desde 2004 atraindo cada vez mais expositores e visitantes. São dezenas de milhares de gamers das mais diversas tribos que procuram novidades, reconhecimento e interação com seus pares.
Uma diferença entre a E3 e o PAX, com muitos pontos positivos para o PAX, é o público alvo do evento. Na E3 o objetivo é falar com o trade – destaque para veículos especializados, influenciadores e streamers. Já no PAX o foco está no usuário final. Os participantes retribuem caprichando no Cosplay e contribuindo muito para o clima nos salões de exposição.
Já o mix de expositores no PAX East deixou claro o alto nível de maturação do mercado nos Estados Unidos. Os salões são compartilhados por estúdios de grande, médio e pequeno porte, mas todos com um mínimo de estrutura de marketing. Parei para conversar em dezenas deles e encontrei representantes dos times de vendas e/ou marketing em todos eles. Pode parecer uma participação obrigatória, mas nas feiras brasileiras não é raro ouvir que apenas o time de eventos está no estande.
Junto dos estúdios estão as plataformas de conteúdo: Amazon, Facebook, Twitch, Discord e outras empresas. Ainda gravitam em órbitas, mais ou menos rápidas ao redor dos gamers, os varejistas de acessórios e itens de moda, de Cosplay e de memorabília. Além de, claro, os fabricantes de hardware.
O gamer americano está muito bem servido de opções em todas estas frentes. Contudo não é essa realidade que me fez pensar no amadurecimento do mercado. Tive a certeza que chegamos ao fim da era da inocência quando vi a Geico, uma seguradora, entre os stands de estúdios e publishers. A Geico tem um marketing com muita personalidade, vive frequentando festivais de criatividade e publicidade na Europa, e sabe se diferenciar. No PAX East estava com um espaço bem produzido, utilizando games famosos (por exemplo, Hearthstone) em campeonatos com premiação de alto valor percebido e distribuição de brindes como camisetas e lagartixas de pelúcia bem simpáticas (o mascote da Geico é um gecko/lagartixa).
Eles estão fazendo isso para se aproximar do público gamer de forma relevante. Além de terem buscado validação de peso por meio de parcerias com marcas do segmento, a seguradora encontrou formas inteligentes de fazer seu data mining. Quer a camiseta? Eles fazem a leitura do seu crachá e acessam seus dados de inscrição. Quer um gecko de pelúcia? A empresa fica com seu número de telefone para enviar sua foto com o animal. Quer a cadeira gamer? Faça login nos PCs de última geração para competir e compartilhe mais alguns dados. Um belo exemplo de como uma marca não-endêmica pode se aproximar do segmento gamer.
Ver uma seguradora fazendo data-mining indicou uma diferença significativa, mas foi nos painéis com especialistas que constatei o real estado do segmento. Na quinta-feira, 5, participei de uma sessão para discutir copyright: três advogados e uma streamer discutindo leis, direitos e questões legais em pleno evento de cultura gamer! O painel debateu os riscos enfrentados por desenvolvedores, artistas e usuários ao não atentarem de fato para as letras miúdas que nos dá preguiça de ler cada vez que chegamos nas páginas de termos de uso de um site ou game.
O primeiro alerta foi sobre a diferença entre a compra de um produto, como um mouse ou um teclado para computador, e o pagamento da licença de uso que fazemos em relação aos games. Pois é, o game não é meu quando faço o pagamento na PSN ou na Steam. Na verdade, estou apenas pagando pela licença do direito de uso. Essa realidade estava intimamente associada com o alerta seguinte: streamers podem ficar sem suas fontes de receitas se não observarem as regras dos estúdios e publishers sobre ética e uso das propriedades, que parece que compramos, mas na verdade estamos apenas usando sob licença dos reais detentores dos direitos.
Se, por exemplo, um streamer fizer comentários racistas ou de apologia ao ódio utilizando conteúdo de um game, o estúdio que criou o jogo, que detém o copyright sobre aquela propriedade, pode entrar na justiça contra o artista e cobrar multas pesadas. Além de legalmente forçar que o canal saia do ar.
É claro que não são medidas rápidas e envolvem diversas entidades, inclusive as plataformas de conteúdo – que por sua vez também tem regras bem definidas do que pode ser publicado – mas é preciso entender que os produtores de conteúdo gamer podem de uma hora para outra ficar sem suas fontes de receita em casos extremos ou de reincidência de violação de regras.
Uma segunda palestra, sobre custos dos games, mostrou a força por trás dos grandes lançamentos. Os maiores estúdios agora chegam em orçamentos de centenas de milhões de dólares. Não apenas incluindo custos de marketing, mas principalmente por causa deles. Números compartilhados na apresentação mostram que quase metade (40%) do orçamento total de um game “AAA” está vinculado ao marketing. No mesmo gráfico apenas 12% do custo total está associado com a programação em si: Marketing 40%; Arte & Criação 23%; Design 14%; QA 3%; Engenharia 2%; e Outros 8%.
Pensando em grandes números, segundo os especialistas no painel, o custo mensal com funcionário é de aproximadamente US$ 10 mil por pessoa. Não, não troque sua carreira ainda, pois só metade deste valor é o salário do profissional. A outra metade a empresa gasta com licenças de software, impostos, material de escritório, locação de espaço, equipamento, treinamento, etc (o famoso overhead). Isso em projetos grandiosos que geram games AAA.
No universo Indie o custo mensal aproximado por pessoa é de US$ 5 mil, sendo que o salário segue sendo 50% do total. Um salário de US$ 2.500 é bom? Claro que depende dos custos básicos de cada um, mas fica o alerta: a indústria dos games paga entre 20% e 30% menos que outras indústrias para funções similares. Um programador provavelmente vai ganhar mais em uma empresa de pagamento móvel do que criando videogames. O mesmo vale para engenheiros, designers, marketeiros, etc.
A martelada final no mesmo prego veio com um painel no domingo, 8, cujo tema era “Então você quer vender um Game Indie?” (Tradução “So You Want To Market an Indie Game?”). Os especialistas foram taxativos: “Se seu game é bom suas chances são nulas ou praticamente inexistentes. Se seu game é excelente você tem uma chance, mas o sucesso é improvável porque você precisa que tudo dê certo”.
Essa frase foi de um executivo da indústria com mais uma década de experiência. Ele explicou estratégia, táticas e outras disciplinas absolutamente necessárias para quem trabalha com produtos e vendas. O executivo terminou alertando que tudo que está acontecendo hoje vai mudar, e muito rápido. Todos no segmento precisam estar prontos para lidar com mudanças significativas em ritmo acelerado.
Na verdade, essa situação não deve surpreender ninguém. Há tempos falamos das cifras milionárias no segmento gamer. Vimos a entrada de marcas e empresas multinacionais tanto no uso publicitário dos games quanto no patrocínio de eventos e na transmissão de campeonatos. As corporações que se envolveram com os games trouxeram profissionalização e muito dinheiro. Claro que contratos e advogados teriam proeminência. Já era sabido que o espaço para os pequenos e para os independentes iria diminuir pois com multinacionais, contratos e advogados não há qualquer espaço para inocência.
E você, já sabe jogar esse game?
(*) Felipe Barreto é CEO da Cyber Manta e sócio da CasaDigital
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