Opinião
Não faz mais que a obrigação
A ressonância emocional é diária, ela não serve só como forma de reagir a problemas ou a situações difíceis
A ressonância emocional é diária, ela não serve só como forma de reagir a problemas ou a situações difíceis
18 de janeiro de 2021 - 8h00
Na nona temporada do reality show RuPaul’s Drag Race, a drag queen Peppermint se destacou das outras competidoras por sua personalidade, definida no programa e em entrevistas como calorosa e com energia positiva. Mas a palavra que mais me marcou desde quando a ouvi direcionada à Peppermint foi likeable que, em português, significa “fácil de gostar” ou uma pessoa da qual a gente gosta de estar perto.
Não vou dar spoilers se você ainda não assistiu, então pode seguir.
Durante a temporada, Peppermint apresentou uma personalidade consistente, um “espírito inabalável”, como disse Michelle Visage, jurada do reality. Em outra entrevista, declarou que “para algumas pessoas, soa chato se você não for desagradável com os outros”. Em um dos episódios, Peppermint mencionou que passou anos com medo de não pertencer à comunidade drag, vivendo duas personalidades diferentes, a drag e a mulher. Isso porque uma colega que admirava e respeitava lhe disse que, apesar de apoiá-la em sua transição de gênero, ela jamais poderia voltar a trabalhar como uma drag queen na cena gay — Peppermint foi a primeira mulher declaradamente trans a participar do reality show desde o início da temporada.
Isso me fez lembrar de uma frase que devo ter ouvido algumas vezes: liderados são, muitas vezes, o espelho dos seus líderes. Peppermint, ainda bem, não foi. Algumas empresas e times ainda reconhecem características como “ser bom com o outro” ou “tratar o outro como gostaria de ser tratado” como algo excepcional ou fora da caixa, premiando comportamentos básicos de forma desproporcional. Outras e outros nem se dão conta que eles devem existir.
Questiono como transformamos a obrigação de sermos legais em algo incrível, quando isso deveria ser a base, o mínimo. E, provavelmente, não terei essa resposta até terminar de escrever este artigo, que continuo com a seguinte definição do dicionário Michaelis:
valores
sm pl
1 Crenças em relação ao que é certo ou errado e ao que é importante na vida, em termos morais, culturais e sociais.
É claro que valores mudam de empresa para empresa e são mais ou menos fortes em diferentes times, principalmente quando se misturam ou evoluem para soft skills. As empresas desenvolveram métodos de regulamentação, racionalizando critérios e procedimentos, o que Max Weber chama de burocracia. E meu irmão, sociólogo desde criancinha, me disse que ela pode engessar a ação das pessoas, tendo como consequência a dificuldade de humanizar as relações sociais, por meio de normas de conduta que guiam seu comportamento.
É para uma relação mais humanizada que entram os valores, que vão além da objetividade das regulamentações. No entanto, essa humanização não existe só para a biscoitagem no LinkedIn. Se já sabemos que times se engajam mais quando acreditam na cultura organizacional, sintonizando os seus valores e princípios em grande parte aos das marcas/empresas, não deveríamos ser nós, líderes, os primeiros a reforçar de forma proporcional a bondade e a generosidade e desenvolvê-las partindo do “o que” para o “como”?
No livro O Poder da Inteligência Emocional, Daniel Goleman diz que “a missão primordial da liderança é emocional”, porque o líder deve inspirar bons sentimentos em seus times a partir da ressonância, definida por ele como “um estoque de positividade que libera o que há de melhor nas pessoas” — que fique claro que não é a positividade tóxica, achei válido destacar. A ressonância emocional é diária, ela não serve só como forma de reagir a problemas ou a situações difíceis. Serve para criar um lugar acolhedor à inovação e criatividade.
É o que você deixa para as pessoas lembrarem de você. Não são só os projetos, campanhas, aquele dashboard maravilhoso ou a sala de performance que brandformance sempre sonhou. É como você fez aquilo junto com os outros.
Reconhecer é bom, valorizar e apontar acertos de todas as proporções é bom. E sim, também erramos um monte.
É óbvio que vivemos de maneira diferente, crescemos de formas diferentes e isso influencia a nossa vida pessoal e profissional. Mas até quando vamos só premiar o básico, quando, como líderes, podemos incentivar habilidades ainda mais ressonantes em nossos times, que podem evoluir para comportamentos mais genuínos e menos biscoiteiros?
Por fim, seja bom, 2021. E que nós, líderes, façamos mais que a nossa obrigação.
P.S.: Eu não sei se Peppermint é uma líder ressonante, mas ela já tinha 70% do caminho andado.
*Ellen Rocha é gerente de conteúdo da 99
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