México: conteúdo ainda supera publicidade
General manager da OMD no México, a brasileira Paula Marsilli fala sobre os desafios, curiosidades e a criatividade na terra de Frida Kahlo e Alfonso Cuarón
General manager da OMD no México, a brasileira Paula Marsilli fala sobre os desafios, curiosidades e a criatividade na terra de Frida Kahlo e Alfonso Cuarón
Renato Rogenski
11 de julho de 2019 - 12h31
O mercado de comunicação do México é tão intenso quanto a culinária ou a arte do país, na visão da brasileira Paula Marsilli, general manager da OMD México. As diferenças culturais na comparação com o Brasil, tanto quanto o ponto de vista do segmento, com mídia fora da agência, americanização de costumes e times com profissionais de vários países do mundo fazem do México uma região desafiadora. Em sua segunda passagem pelo país, Paula sentiu essas dificuldades na pele e conseguiu se adaptar.
Começou a carreira no Brasil em 1998, tendo passado no Brasil por agências como Ogilvy, Fbiz (na época ainda Fulano) e WMcCann. Na entrevista abaixo, a 9ª da segunda temporada da série Publicidade Brasileira Tipo Exportação, ela não apenas fala sobre os desafios em seu caminho profissional, como compartilha suas experiências e visão sobre o mercado mexicano, com todos os seus percalços e oportunidades, principalmente para publicitários brasileiros que querem desbravar um novo território.
Meio & Mensagem – Como você foi parar no mercado mexicano?
Paula Marsilli – O meu primeiro contato com o México foi em 2008. Eu vim passar 45 dias e terminei ficando dez meses. Neste primeiro momento odiei a experiência. É um país lindo, mas para trabalhar é bem complicado. Recebi uma proposta para ficar e quis voltar para São Paulo. Até que, em junho de 2013, me buscaram para atuar na Mindshare no México, uma das agências de mídia do Grupo WPP. Primeiro me convidaram para vir e conhecer a equipe, os diretores do grupo e entender se havia química. Em dois meses eu já estava morando aqui, mas desta vez com toda a disposição de fazer a coisa funcionar. Entre 2017 e o início de 2019 tive a minha primeira experiência como cliente, na posição de head de mídia para Latam no Uber. Mas, no início deste ano, decidi regressar para as agências, aceitando a proposta da OMD, uma das agências de mídia do grupo Omnicom.
Como é o mercado publicitário por aí?
É um mercado muito competitivo, mas acho que neste caso não e tão diferente de qualquer outro mercado. Muitas agências, tanto grandes como as “boutiques”, brigando pelo mesmo budget, cada uma com uma proposta de valor diferente, mas agressivas em custos, o que faz com que seja cada dia mais complicado manter uma operação rentável. Um mercado estressante eu diria, com muita adrenalina e muitos desafios.
Quais são as maiores diferenças na comparação com o mercado publicitário brasileiro?
É bem diferente do mercado brasileiro. Aqui, como em quase todo o mundo, as agências de publicidade e as agências de mídia são separadas. A agência de publicidade é responsável pela área de planejamento estratégico de comunicação e da parte criativa e as agências de mídia negociam, planejam, compram e otimizam a mídia dos clientes. No Brasil, tudo se decide em um único lugar e os clientes grandes precisam separar sua conta (por produtos) em várias agencias diferentes, para não haver conflitos. Aqui, o ideal é que os clientes concentrem toda a compra de mídia em uma única agência. Com isso, ele pode ter um ganho de escala e uma melhor otimização do budget. Já as agências de publicidade não necessariamente trabalham do mesmo modo. Às vezes os clientes concentram em uma única agência, em outras trabalham com várias do mesmo grupo ou mesmo com grupos diferentes, já que esta decisão muitas vezes é menos centralizada. E acho que vale a pena citar que alguns clientes já olham para 360° como formatos que podem entregar vantagens competitivas, justamente por unir os dois mundos, criatividade e mídia.
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Quais são as maiores curiosidades?
O México é um país muito curioso, em diversos prismas. Existe uma enorme quantidade de estrangeiros em praticamente todos os setores e principalmente nas áreas diretivas, o que faz com que existam mil sotaques diferentes em uma mesma reunião. Tem muitos espanhóis, franceses, de todos os países da América Latina e há algum tempo cada dia mais brasileiros se aventurando por aqui (acho que só não tem mais pela barreira do idioma). O mexicano é um povo muito amável, eles te recebem de uma maneira muito calorosa, mas ao mesmo tempo são um pouco (para não dizer muito) machistas, o que nem sempre é fácil para uma mulher. Mas isso vem mudando nos últimos anos. Algo interessante também é a proximidade com os Estados Unidos, o que faz com que os mexicanos consumam produtos e tenham um estilo de vida bastante americanizado.
De que maneira a cultura do país se reflete na propaganda?
A cultura do país está por todos os lados aqui. A maioria dos mexicanos são muito orgulhosos de serem mexicanos. O conceito de “¡Viva Mexico Cabrones!” está com tudo, ainda mais depois do Cuarón, Iñarritu e Gullermo del Toro e todos os prêmio que o país ganhou no Oscar. A Netflix também tem produzido bastante coisa com talento mexicano, o que está fazendo com que estas produções locais sejam exportadas e um pouco mais da cultura e estilo de vida sejam mais conhecidos. Mas, obviamente, não podemos esquecer de dizer que as novelas aqui também continuam sendo um costume e a televisão aberta tem um papel bastante importante no dia a dia do público.
Como é a mídia no México?
A mídia é dominada por alguns players. Neste caso, acho que é bastante parecido com o Brasil. Open TV, Televisa e TV Azteca são os principais players, mas como em todos os lugares onde a televisão aberta ainda é líder, eles vêm sofrendo com a queda de audiências, e consequentemente com a queda no investimento. Sabemos que Google e Facebook e demais plataformas digitais vem roubando um pedaço importante da verba de mídia dos clientes há alguns anos e aqui não é diferente.
E a economia e o comportamento de consumo?
Desde o início de 2019 estamos vendo uma queda no consumo de vários setores da economia, isso por conta da mudança do governo (aqui também tivemos eleição de um novo presidente no ano passado) e dos rumores/estudos de que o dólar seguiria subindo. E tanto a política, quanto o dólar, são fatores muito importantes na tomada de decisão de consumo para uma família mexicana. Alguns setores da economia que estão sendo afetados pela incerteza entre política e economia são os bens de consumo frequente, como refrigerantes, água, pão, tortilhas, frango, entre outros produtos.
E como são as agências e os publicitários?
Aqui não vejo quase nenhuma diferença com o Brasil. Os publicitários mexicanos são normais, uma mistura de Wannabe, hipster e executivo cool. Mas tem para todos os gostos, e também tem a diferença entre os menos godinez e os mais godinez (godinez no México é uma expressão para identificar as pessoas que trabalham em escritórios, usam crachá e etc). Os mais godinez são os mídias, os nerds que gostam de um PC. E os menos godinez são os da agência criativa, que gostam de um Mac e são mais descolados. As agências aqui são a mesma loucura, trabalhamos até altas horas, nos matamos com os pitches, respondemos e-mails de madrugada e alguns amam o que fazem, como eu, e outros odeiam, mas continuam fazendo.
Quais são os grandes cases e agências do país?
Por aqui temos todos os grandes grupos, WPP, Omnicom Group, Interpublic, Havas, Dentsu Aegis e agências locais. O que me deixa entusiasmada é ver as agências locais cada vez se desenvolvendo e crescendo, principalmente no que diz respeito ao digital. Mas, na verdade, o México não é “o País”, no que diz respeito aos cases. Tenho que ser muito sincera, a parte do trabalho maravilhoso dos mexicanos no cinema internacional, não vejo o mesmo desenvolvimento no que diz respeito a criatividade.
Há algo que se pareça por aí com o mercado brasileiro?
Brigamos feio pelos clientes, acho que esta é uma das poucas semelhanças que posso encontrar entre os dois mercados. Não são tão criativos, mas trabalham intensamente. Aqui também trabalhamos muito e ganhamos menos, mas no final nos divertimos bastante também. Ah… E os mexicanos são fanáticos por futebol também.
Como os mexicanos enxergam a propaganda brasileira e os publicitários brasileiros?
Como “do outro mundo”. Sabem que os brasileiros são muito criativos e respeitam muito os profissionais e a capacidade criativa, mas… Acham que o brasileiro é um “bicho raro”. Falamos diferente, pensamos diferente, agimos diferente, somos muito mais liberais em quase tudo e para ajudar (ou piorar) temos uma forma única de trabalhar, o que faz com que sempre que citem o Brasil digam que é tudo sempre muito diferente.
Como é trabalhar por aí e o que você tem feito de melhor?
Trabalhar por aqui é divertido, mas primeiro tem que entender o mood do mexicano. Por exemplo, o “ahorita”, que deveria ser o nosso “já, já”, aqui geralmente é nunca mais. “No te preocupes” significa, “não vou fazer isso nem que você me mate”. “No pica” quer dizer que você vai morrer engasgado de tanta pimenta, entre muitas outras coisas… Mas, no final, é um lugar que me ensinou a ser mais paciente e resiliente. Sem paciência aqui você não chega em nenhum lugar, porque por mais que a maioria das pessoas busque integração e comprometimento, eles têm outro tempo para as coisas. Não é que são mais calmos, mas simplesmente tem outro nível de prioridade para quase tudo. Também tive que ser resiliente para me adaptar e mudar muitos aspectos simples do meu dia a dia, como a hora do almoço, que aqui é por volta das 14h ou 15h. Por fim, é necessário superar as diferenças culturais e até mesmo o tratamento machista que uma mulher pode sofrer no ambiente de trabalho, principalmente em posições muitas vezes dominadas por homens.
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