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ABA solicita desligamento do Cenp

Associação Brasileira de Anunciantes justifica a decisão por estar em um momento de reflexão sobre as novas tendências de comunicação e mídia


22 de janeiro de 2021 - 15h43

Sandra Martinelli, presidente-executiva da ABA: “Nossas recomendações, ponderações e desejos sobre o mercado sempre foram expostos de maneira clara”

Atualizada às 19h54

A Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) solicitou nesta sexta-feira, 22, seu desligamento do quadro associativo do Conselho Executivo de Normas-Padrão (Cenp). A decisão foi tomada em reunião da diretoria nacional da ABA, por unanimidade. Em comunicado, a entidade relembra que foi uma das fundadoras do Cenp há mais de duas décadas, “quando o mercado e os atores do ecossistema publicitário se encontravam em estágio de desenvolvimento muito diverso do atual, com desafios e perspectivas completamente diferentes”.

O texto diz, ainda que “o mundo mudou” e que “o mercado evoluiu muito”, acrescentando que “novos e grandes desafios batem à porta”, o que empurra a entidade para uma “reflexão profunda e livre sobre as novas tendências de comunicação e mídia que envolvem interesses dos anunciantes, veículos, agências e tantos outros atores deste segmento econômico”. O texto ainda diz é obrigação da ABA discutir e compreender com franqueza de propósito e técnica como contribuir para tornar o mercado publicitário cada vez mais livre, pujante e dinâmico.

A motivação para o pedido de desligamento, segundo profissionais ouvidos por Meio & Mensagem, é que a ABA não se sente mais representada dentro do Cenp. As discordâncias entre as entidades são anteriores ao cenário atual. Em 2015, a ABA acionou o Cade, que reabriu um processo administrativo para investigar “supostas condutas anticompetitivas” praticadas pelo Cenp (leia mais abaixo).

O comunicado da ABA enfatiza, contudo, que “não se trata de ruptura, mas necessária evolução”, e complementa que a entidade continua comprometida com a auto-regulamentação e relevância do diálogo institucional e que permanece engajada em toda e qualquer discussão que envolva os interesses dos anunciantes.

Questionada por Meio & Mensagem sobre a decisão da entidade, Sandra Martinelli, presidente-executiva da ABA, disse que as tendências do mercado que mais pesaram para a saída do Cenp foram o avanço do ambiente digital como espaço de comunicação publicitária, transparência nas relações do mercado e a livre concorrência. Ela também diz que as discussões entre os associados da ABA a respeito de uma possível saída do Cenp têm acontecido há seis anos.

A reportagem também questionou Sandra se houve conversas com o Cenp para definir a permanência ou saída da ABA. “Fazemos parte da diretoria executiva, do conselho superior do Cenp e de vários outros fóruns da entidade, onde temos vários representantes da ABA. Nossas recomendações, ponderações e desejos sobre o mercado sempre foram expostos de maneira clara nestes fóruns”, respondeu. A executiva também disse que a ABA continuará dialogando com todo o mercado, entidades ligadas ao setor e parceiros, em defesa da ética e transparência.

No comunicado divulgado à imprensa sobre a decisão, Nelcina Tropardi, presidente da ABA e cofundadora da Arca+, comentou o processo de saída. “A decisão da ABA de deixar o Cenp foi extremamente tranquila e transparente, com alto nível de debate e governança. Trabalhamos o assunto com altíssima diligência em concordância com a responsabilidade da ABA de salvaguardar o exercício ético e responsável do Marketing & Comunicação acompanhando os avanços rápidos e constantes do mercado”, declarou.

Questionado pela reportagem, o Cenp enviou um comunicado confirmando que recebeu o pedido de desligamento por parte da ABA nesta sexta-feira, 22. “A entidade que se desliga participou de todos os atos de constituição da entidade e nela teve participação efetiva em seus organismos de atuação e gestão. A comunicação recebida já foi encaminhada aos presidentes das demais entidades mantenedoras do Cenp, a quem competirá avaliar e deliberar os próximos passos da entidade de autorregulação ético-comercial e ao modelo brasileiro de publicidade.”

A ABA é uma das entidades fundadoras do Cenp, ao lado de Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner), Central do Outdoor e Federação Nacional das Agências de Publicidade (Fenapro).

Cenário
O pedido de desligamento ocorre em um momento tenso para as relações comerciais entre veículos, agências e anunciantes, em que há expectativas em relação aos desdobramentos jurídicos e políticos do processo movido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra a bonificação de volume (BV) paga pela Globo às agências de publicidade. Embora o inquérito que tramita no Cade não trate o BV como ilegal, e esteja focado no uso que a Globo faz dessa prática, são inevitáveis os questionamentos à sobrevivência desse pilar de remuneração das agências, especialmente das grandes, e, por conseguinte, do modelo vigente de relação comercial da publicidade brasileira, que tem seu pilar principal no Cenp.

Ouvida no atual processo do Cade contra a Globo, a ABA reafirmou que “apoia e endossa a total liberdade de contratação, transparência comercial e mais lídima concorrência entre agentes econômicos, notadamente no segmento da publicidade, marcado em especial ao longo das duas últimas décadas por grande dinamismo e consolidação de agentes econômicos”.

Após o anúncio do desligamento da ABA do Cenp, Fabio Wajngarten, secretário-executivo do Ministério das Comunicações, usou seu perfil pessoal no Twitter para demonstrar aprovação à atitude da entidade e disse que a Secom irá se filiar à ABA. “Como anunciante público, recebi a informação da saída da Associação Brasileira de Anunciantes do Cenp em momento de reflexão sobre as novas tendências de mídia para mercado publicitário livre e dinâmico. Apoiamos esse movimento! Secom contribuirá para o debate e se filiará à ABA!”, escreveu.

 

https://twitter.com/fabiowoficial/status/1352701200471371777

Caso anterior
Em 2015, provocado pela ABA, o Cade desengavetou processo administrativo para investigar “supostas condutas anticompetitivas” praticadas pelo Cenp. Entre as condutas investigadas estiveram a fixação de porcentagem uniforme da comissão de veiculação (o desconto-padrão pago pelo veículo à agência); a fixação de limites para o repasse de parte do desconto-padrão aos anunciantes; e a tentativa de impedir a expansão dos birôs de mídia. Documento enviado pela ABA ao Cade na ocasião dizia que o desconto-padrão e outras regras das normas-padrão do Cenp eram “instrumento fora de qualquer contexto político e econômico e sem função positiva para o setor”. O posicionamento da entidade era o de que agências, veículos e anunciantes “deveriam ter total liberdade para discutir e negociar seus interesses, de natureza, muitas vezes, globais”.

O caso de desenrolou até 2017, quando o Cade decidiu arquivar o processo que analisava supostas condutas anticompetitivas do Cenp. No entendimento dos conselheiros do Cade, na ocasião, as condutas do Cenp possuíam potencial anticompetitivo à luz da Lei de Defesa da Concorrência, mas eram práticas respaldadas e incentivadas por normas estatais que regem o mercado de publicidade. A decisão encerrou um período de muitas discordâncias entre a Abap e a ABA, que, apesar de ser fundadora do Cenp, fomentou no Cade a ideia de que a revisão das normas do Cenp era necessária para adequá-las aos “princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência”.

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