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“O mundo é muito maior do que as denúncias da Lava Jato”

Daniela Pinheiro, diretora de redação da Época, defende a retomada da cobertura jornalística local e maior espaço para conteúdo narrativo


26 de fevereiro de 2018 - 10h00

A informação factual virou commodity, e, para as revistas semanais e mensais, oferecer uma abordagem única de conteúdo é tão importante quanto manter a engrenagem das notícias quentes rodando. Com esse desafio em mente, a revista Época, da Editora Globo, anunciou na semana passada a renovação de seu projeto editorial. A mudança inclui formatos de reportagens com linguagem mais literária, podcasts e séries de matérias narrativas sobre o cotidiano brasileiro.

Quem está à frente desta estratégia é Daniela Pinheiro, jornalista conhecida pelos perfis de impacto na revista Piauí, onde trabalhava como editora até o ano passado. Vencedora do Troféu Mulher Imprensa quatro vezes e com passagens por veículos como Folha de S. Paulo e Veja, ela vislumbra para o jornalismo atual a tarefa de entender os fenômenos locais e a vida real dos braisileiros. Apesar de defender novos formatos, ela não deixa de lado o bom e velho hard news e diz não acreditar em tendências, mas em notícias. Confira abaixo a entrevista com a diretora, concedida via email.

Por que a Época decidiu dar mais enfoque para assuntos fora do eixo Rio-Brasília-São Paulo no novo projeto editorial?

Nos últimos anos, com a crise no modelo de negócios do jornalismo, as sucursais foram fechadas, os correspondentes desligados dos veículos, o espaço para notícias sobre a vida brasileira minguou. Mas o País continua o mesmo: os problemas, as questões, os desafios, as surpresas, nada mudou. O enfraquecimento da imprensa local foi uma facada no entendimento que os leitores tinham do Brasil, do todo que significa esse País. É um erro, um perigo e uma fraqueza deixar isso de lado. Esse contexto faz com que a gente demore a entender fenômenos locais: um político promissor, um desastre iminente, um canalha em formação. Devemos ter isso em mente e estar de olho. O mundo é muito maior do que as denúncias da Lava Jato ou o assédio no mercado de trabalho — sem desmerecer nenhum desses fatos.

O enfraquecimento da imprensa local foi uma facada no entendimento que os leitores tinham do Brasil, fazendo com que a gente demore a entender fenômenos locais: um político promissor, um desastre iminente, um canalha em formação.

Como você avalia o espaço para conteúdo narrativo e mais analítico atualmente, considerando as mudanças nos hábitos do leitor nos últimos anos?

A rapidez das notícias e do noticiário não nos permite mais contar com o vagar de uma publicação semanal. A revista semanal tem de ser surpreendente, trazer furos, enfoques distintos, tem de esclarecer e explicar temas que a cobertura diária não consegue. O nosso site tem de cuidar das breaking news, da reportagem urgente, da conversa por telefone que tivemos com uma fonte, de um papel que nos chegou no meio da tarde. Não dá mais para esperar o fim de semana e o momento certo. A notícia fica velha rapidamente e uma nova realidade se impõe. Nunca estivemos tão bem informados. E, por isso, não precisamos mais gastar papel e bytes com notícias que se espalham feito gripe no inverno pelas redes.

Não existe tendência, existe notícia. Não adianta fazer um carnaval num vídeo se ele é oco e não quer dizer nada. Não adianta investir em podcast e a conversa parecer um papo na casa da tua tia de Uberaba.

Qual é o peso do hard news neste contexto?

O hard news é sempre hard news e eu o adoro. Os furos nunca saíram de moda e nunca sairão. É o nosso pão de cada dia. Mas estamos pouco contextualizados, pouco mergulhados nas questões por trás do lide. Acho que temos de sair do ecossistema geral da imprensa, sem abrir mão do factual, sem achar que vivemos num mundo próprio que ignora a realidade. Por que manter uma publicação semanal nesse contexto? Porque a diferença entre o jornalismo profissional e o não profissional nunca foi tão relevante e definitiva. Jornalismo não é para qualquer um. Estudamos, praticamos, entendemos e pregamos o rigor, a ética, a independência e a notícia acima de tudo.

Você enxerga alguma tendência de formatos para o jornalismo, online ou impresso?

Não existe tendência, existe notícia. Não adianta fazer um carnaval num vídeo se ele é oco e não quer dizer nada. Não adianta investir em podcast e a conversa parecer um papo na casa da tua tia de Uberaba de onde é minha família. No fundo, o que importa é jornalismo repórter, editor, rigor e checagem. Podem inventar a fórmula que for, você só vai parar para ver ou ler algo, e pagar para isso, se for algo benfeito, que te diga e que te mostre um caminho diferente para refletir sobre um assunto, quebre seus paradigmas, te tire da sua zona de conforto e mude uma realidade.

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