Consumo programático: a batalha final
Fontes de vantagem competitiva serão a habilidade em explorar de forma eficiente os bancos de dados, a capacidade logística e as maneiras de gerar alterações na “previsibilidade” do consumo
Fontes de vantagem competitiva serão a habilidade em explorar de forma eficiente os bancos de dados, a capacidade logística e as maneiras de gerar alterações na “previsibilidade” do consumo
Ao subsidiar uma boa parte do ecossistema de informação da sociedade ocidental, a publicidade e o marketing passaram a despertar a atenção crescente entre governos, empresas de tecnologia e grandes grupos empresariais. Combinada com a globalização e o predomínio do capital financeiro sobre a atividade produtiva, essa foi a origem da consolidação de centenas de empresas ao redor de holdings, uma estrutura que agora está em xeque diante dos avanços da tecnologia e o rearranjo do sistema financeiro após a crise de 2008.
Esse é o pano de fundo do excelente Frenemies: The Epic Disruption of the Ad Business (and Everything Else), de Ken Aulleta, o veterano colunista de Mídia do New York Times (amzn.to/2LOwld3). Lançado no início do mês passado, a obra é um amplo painel das transformações do setor, tendo como fio condutor a história da MediaLink, empresa que atua como um “power-broker” nas relações entre agências, anunciantes e veículos nos EUA e na Europa.
Não vou resenhar o livro, mas partir de alguns dos seus pontos para fazer a seguinte pergunta: o que vai acontecer com o negócio de publicidade quando os avanços da Inteligência Artificial, combinados com os enormes bancos de dados de Google, Facebook, Apple e Amazon (que, em conversas com Auletta, os dirigentes das principais holdings dão a entender que é grande ameaça para o setor) criarem o “consumo programático”? Isto é: a capacidade de prever a maior parte das necessidades e compras dos consumidores antes mesmo que elas sejam conscientemente percebidas?
De certa forma, uma antevisão deste cenário já acontece no consumo de vídeo, conforme analisa Irwin Gotlieb, presidente do Group M, um dos entrevistados de Aulleta: os veículos e as agências estão “estimulando” suas audiências a consumirem conteúdo de forma não linear ao mesmo tempo que apresentam um “cardápio” cada vez mais afinado com o gosto individual. Isso vai enfraquecer a capacidade das emissoras em promoverem sua grade e ao mesmo tempo que a audiência se move para um modelo de assinaturas, diminui o “estoque” de comerciais para que os anunciantes possam atrair a atenção das pessoas pelos formatos convencionais. De forma análoga, é possível que passemos cada vez mais a assinar “produtos”, em vez de nos darmos ao trabalho de ir ao supermercado ou lojas para fazer escolhas (como já é o caso em algumas iniciativas da Amazon e outras startups que estão aparecendo no varejo).
Do outro lado, os anunciantes citados ou entrevistados no livro (todos parte da lista dos dez maiores do setor), deixam claro que os principais elementos na escolha de uma agência serão cada vez mais pautados pela redução de custos, a remuneração baseada em resultados de vendas e a transparência nas operações de relacionamento (com a mídia e com os consumidores finais, como notou o Pyr no seu excelente artigo “Três homens e um destino: a nova ordem mundial da propaganda” — bit.ly/mm2407a). Isso se deve as enormes pressões que os diretores de marketing sofrem dos acionistas, e que são a origem do poder da “mesa de compras”, focada mais na redução de custo do que na construção da marca. O resultado final, de acordo com Wenda Millard, vice-presidente da MediaLink, é que “as agências estão pagando menos para seus empregados. E por conta disso, elas se tornam menos atrativas para o talento. Por que eu iria trabalhar em uma agência que parece um ‘dinossauro’ em vez de ir para o Google, Facebook ou LinkedIn?”.
O dilema das empresas do setor está entre ficar em uma posição vulnerável ao abraçar seus “inimigos” em uma relação de “amizade interessada” ou partir para uma radicalização: focar nas suas competências principais, notadamente criatividade
Diante deste cenário, o dilema das empresas do setor está entre ficar em uma posição vulnerável ao abraçar seus “inimigos” em uma relação de “amizade interessada” ou partir para uma radicalização: focar nas suas competências principais, notadamente criatividade. Ambas as opções carregam riscos. Novamente nas palavras de Auletta: “a indústria da publicidade se preocupa com a possibilidade de que a sua arte — grandes ideias criativas — seja substituída por máquinas armadas com dados, algoritmos e inteligência artificial”.
Particularmente, acho que aqui é que está o espaço para a sobrevivência das organizações de comunicação. Em um mundo no qual a intenção de compra se torna cada vez mais previsível, as fontes de vantagem competitiva serão a habilidade em explorar de forma eficiente enormes bancos de dados e capacidade logística, que obviamente vão ficar na mão das empresas de tecnologia e dos clientes, ou então a capacidade de gerar alterações na “previsibilidade” do consumo, por meio do entendimento das mudanças nos valores dos consumidores e na tradução dessas mudanças em novos conceitos de comunicação — neste caso, agências e veículos podem ter um pouco mais de chances. Serão tempos interessantes.
*Crédito da foto no topo: Little Visuals/Pexels
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