Pyr Marcondes
8 de abril de 2019 - 7h30
Estariam os ingleses sendo mais realistas que o Rei? Bem, no caso deles, que a Rainha, ao fazer passar no Parlamento, neste final de semana, uma nova lei que controla, restringe e pune, prioritariamente, a circulação aberta na internet de pornografia infantil e incitamento ao terrorismo?
O impacto da decisão é uma porrada direta no Google (num primeiro momento, You Tube) e Facebook, além de inúmeros outros portais e blogs que contém, distribuem (ainda que indiretamente) ou permitem circular conteúdos que gravitam em torno dos dois temas.
Mas a lei também fala na extensão dessa fiscalização e punição para um rol de outros temas que seriam, no entender dos legisladores britânicos, nocivos ao bem comum e ao bem social.
Quando deixamos na mão do legislador a decisão do que é bom para os costumes da sociedade, invariavelmente, dá merda. É histórico.
Quando abrimos, como é o caso, a porteira para que a internet, até hoje essencialmente livre, seja regulada, estamos ao mesmo tempo – e é vital que tenhamos isso em mente – abrindo também, sim, a porteira para restrições nada democráticas e legítimas, escondidas sob o genérico e pouco definido manto da moral social (como se ela fosse consenso, quando está longe disso, sabemos).
Por outro lado – e é igualmente vital que tenhamos isso também em mente – os grandes players de distribuição de conteúdo na web não conseguiram, ao longo de anos, criar regras de auto-regulamentação (como temos, por exemplo, aqui no Brasil, o CONAR, que auto-regulamenta nossa indústria) para inibir a circulação franca e irrestrita de coisa alguma. Aqui de fora, fica a impressão que ninguém no Vale do Silício perdeu nenhuma noite de sono por conta desse assunto, a não ser quando ele começou a explodir na mídia mundial e as grandes companhias do setor começaram a ser intimadas por representantes legais para que olhassem e cuidassem melhor do seu quintal. Um quintal, muitas vezes, venal, convenhamos.
Pornografia infantil e incitamento a terrorismo, na minha esgarçada ordem de valores, são conteúdos, sim, nocivos a sociedade. Eu não gosto nada da ideia de que circulem livres pela internet. Mas, sem dúvida, prefiro um setor auto-regulamentado que cuide de suas próprias mazelas, por mais imperfeito que seja o sistema, do que legisladores que volta e meia usam do poder que lhes foi investido para avançar o sinal das liberdades democráticas e da livre manifestação de pensamentos. De novo, minha opinião.
E assim, temos um impasse de dois extremos: o risco de uma legislação que pode ser, ela mesma, abusiva, em nome do cerceamento de conteúdos que são, indiscutivelmente, abusivos também.
A nova lei reza que, caso não cumpridos seus ditames, que exigem a retirada do ar de todo e qualquer conteúdo definido como “inapropriado”, seja cerceada a operação dos players autuados e, ainda, sejam jurdicamente responsabilizados seus dirigentes e empresários. Cadeia? Hummm… dão a entender que até sim.
Trata-se de um beco sem saída crítico em que nossa sociedade se meteu.
A internet empoderou a sociedade civil, todos nós, cada cidadão do Planeta, com a possibilidade de tornar público e pervasivo o que bem entendesse e desejasse.
Só que tem gente pra cacete no mundo, nem todos cidadãos legalzinhos. A escória social sempre existiu, mas circulava na miúda, nos becos de uma realidade marginal, que apenas pontualmente nos preocupava como grupo humano global.
A internet deu-lhes um espaço virtual sem limites. Uma penetrabilidade inimaginável. Um poder de disseminação incalculável. E eles estão lançando mão disso de forma competente e tecnologicamente avançada.
Minha opinião é que, mesmo cerceando essa difusão via players de mercado, que restará sempre um jeito dessa disseminação seguir viva on online. Punir os dirigentes das empresas que estão mais na luz dos holofotes não vai extinguir a banda podre da sociedade.
Por outro lado, uma legislação dura, que corre o risco de praticar exageros e injustiças, pode ter o poder, quem sabe, de fazer com que players pelos quais conteúdos escrotos circulam na boa, possam sofrer algum tipo de limitação de difusão.
Se me dessem o poder da lei em minhas mãos, eu tomaria um tipo de decisão. Se dessem nas suas, leitor (a), você tomaria outro tipo de decisão. E neste caso, como em muitos outros relativos à ética e a moral, em cada cabeça, haverá uma sentença. Diferente da outra. Complexo assim.
A lei está entrando em vigor esta semana. Muito debate ainda se dará em torno dela. Espero que esse debate sirva para aparar arestas e prevenir exageros legais, por um lado, e, no mínimo, promover a redução da disseminação de coisas que até Deus duvida, que circulam soltinhas pela internet.
Gente podre seguirá existindo. Legisladores bundões, também. É a sociedade, ou seja, nós mesmos, sob a égide da dinâmica do aperfeiçoamento democrático, a única saída para que consigamos equacionar situação social tão complexa, num cenário que nunca vivemos antes, com premissas que nunca lidamos antes.
Fora disso, barbárie tipo liberou geral.