“Crescimento pelo consumo foi se esgotando ao longo do tempo”

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“Crescimento pelo consumo foi se esgotando ao longo do tempo”

Analista sênior do Eurasia Group indica mudanças necessárias para crescimento do PIB e desafios do futuro presidente


13 de setembro de 2018 - 7h30

Para melhorar a economia, “temos a necessidade de flexibilizar de alguma forma o orçamento do governo”, afirma Silvio Cascione (Crédito: FG Trade/iStock)

O consumo das famílias representou 63,4% do PIB brasileiro em 2017. Essa força voltou a aumentar no ano passado após dois anos seguidos de queda. Entretanto, o País ainda sente os reflexos da crise econômica que teve início em 2014. Ouvidos pelo Banco Central, profissionais do mercado financeiro revisaram para baixo, mais uma vez, o provável crescimento do PIB em 2018. Com esse cenário, o próximo presidente da república herdará uma economia que beira a estagnação – segundo o IBGE, no segundo semestre deste ano, o PIB avançou 0,2% em relação ao semestre anterior. Para o analista sênior de política do Eurasia Group, Silvio Cascione, o Brasil precisa apostar em outros motores de crescimento para além do consumo. Uma saída, segundo ele, seria aumentar a importância dos investimentos. Nesta entrevista, o analista discute também outros desafios que a economia brasileira precisa encarar, a possibilidade de realização dessas mudanças pelo futuro presidente e o papel do Congresso na articulação desses avanços.

Silvio Cascione, analista sênior de política do Eurasia Group (Crédito: divulgação/Eurasia)

Meio & Mensagem – Os economistas ouvidos pelo Boletim Focus, divulgado nesta semana, reduziram a previsão de crescimento do PIB em 2018 para 1,4%. Qual é o reflexo no consumo desse baixo crescimento aliado à recessão dos últimos anos?

Silvio Cascione – O cenário econômico depende muito da eleição, que, a um mês do primeiro turno, continua muito incerta. Ainda mais após o ataque ao Bolsonaro, na semana passada. O que a gente consegue afirmar por enquanto sobre o cenário econômico e sobre as eleições é que, para qualquer presidente, é muito alto o custo de oportunidade de não fazer a reforma fiscal, vista como fundamental para manter o controle dos gastos e incentivar o crescimento da economia. Além disso, é um consenso entre economistas e investidores que alguma reforma da previdência precisa ser feita, e ela depende do Congresso. O presidente, nesse ponto, atua como um líder dessa agenda. A grande dúvida, e ela não é trivial, é quanto à capacidade do futuro presidente de tocar a agenda de reformas, e o grau de profundidade dessa agenda. Isso vai representar a diferença de um ano de recuperação da economia, de melhora do investimento, ou de um cenário de bastante volatilidade, com bastante incerteza do ponto de vista do mercado quanto à trajetória das reformas. Essa volatilidade pode atrapalhar o consumo das famílias, do investimento e aumentar a instabilidade do câmbio.

Outras reformas também são importantes. No lado do orçamento, temos a necessidade de flexibilizar de alguma forma o orçamento do governo. Ele é muito engessado. Existem discussões sobre como, sem aumentar o nível de gastos, flexibilizar um pouco a execução do orçamento, que é algo que pode vir a ser discutido. Do ponto de vista microeconômico, nas agendas setoriais, a questão é como um Governo que tem pouco dinheiro para investir pode ajudar setores privados, como fazer os investimentos necessários para o Brasil crescer sem que o Estado tenha que colocar dinheiro. No setor de petróleo, por exemplo, já há uma agenda que propõe atração de investimento estrangeiro.

M&M – Como o consumo das famílias chegou a 63,4% do PIB?

Cascione – Do ponto de vista político, houve um grande incentivo ao consumo desde os governos petistas, nos anos 2000. Principalmente depois da crise de 2008, eles tentaram usar o consumo como uma alavanca para evitar a recessão global. Viam no consumo uma mola propulsora, e isso foi muito incentivado com o aumento do salário mínimo acima da inflação, corte de impostos pontuais em determinados segmentos. Um incentivo ao consumo bastante reiterado. Mas o fator político não foi o único por trás desse crescimento, e hoje parece mais ou menos aceita a ideia de que não dá para tocar o crescimento do Brasil só no consumo, e sim que a agenda precisa ser mais voltada a investimentos. O modelo de crescimento pelo consumo foi se esgotando ao longo do tempo.

 

M&M – Qual o cenário que o futuro presidente vai herdar?

Cascione – O presidente que for eleito pode colocar a plataforma que for, mas certamente vai precisar discutir a Previdência. Isso não é um problema que começou nesse governo. Todos os anteriores foram ajustando a Previdência bem lentamente e muito mais devagar do que o envelhecimento da população exigiria. Se o governo Temer tivesse aprovado a reforma que está parada no Congresso, o novo presidente entraria numa situação muito mais confortável, com uma capacidade de colocar o foco em outros pontos da agenda. Sem isso, pode ter proposta de várias reformas, mas a necessidade de uma reforma da Previdência vai se impor. Essa é a grande herança.

 

M&M – Em artigo recente, você afirma que os outsiders não combinam com a aprovação de medidas para trazer a conta de volta ao azul. Parte deles se apresenta como bons gestores da iniciativa privada. Quais as competências que um administrador público deve ter que não estão presentes na iniciativa privada?

Cascione – A grande diferença entre os setores é que, principalmente se tratando da presidência da república, é necessário lidar com o Legislativo. Você não busca simplesmente a eficiência, que um gestor privado colocaria acima de tudo. Um gestor público tem que ter tudo isso na cabeça, mas levar em consideração as vontades dos representados, e há um conjunto muito maior de interlocutores que precisam ser contemplados para levar adiante esse processo decisório. O processo político é muito mais complexo. No caso da presidência, aumenta muito a complexidade, não basta ter a melhor ideia para reformar a Previdência. Se não tem apoio político, se não conta com uma base de sustentação no Congresso, não adianta. Exige um conjunto de habilidades muito mais amplo. Por outro lado, o Congresso deve continuar o mesmo. Vai ter um ruído muito grande na comunicação entre esses dois lados. A capacidade de aprovar uma reforma vai ser afetada. Acabará passando, porque o custo de não fazer é muito alto – tanto para o presidente quanto para o Congresso. Mas se não há uma relação bem azeitada entre um lado e outro, se prolonga muito mais a discussão, afeta a negociação. Demora mais para aprovar e aprova menos do que deveria.

 

M&M – Não existe chance de renovação do Legislativo nesta eleição?

Cascione – Pequena. Será um Congresso muito parecido com o atual, com uma taxa de renovação mais baixa do que nas eleições anteriores, e uma fragmentação muito parecida de todos os partidos. As regras beneficiam muito os atuais parlamentares. Entretanto, as regras que aumentam a rigidez do Congresso dão até mais estabilidade para o sistema. O mais importante não seria necessariamente uma renovação por si só, mas uma mudança que mostrasse para a população que ela está sendo representada. Isso vai muito além da eleição. É um problema da forma que partidos se organizam. É um processo muito mais lento.

 

M&M – Na América Latina, Argentina e Venezuela sofrem com crises econômicas e sociais. Qual será o reflexo disso para o próximo governo brasileiro?

Cascione – Do ponto de vista político, a Venezuela é um desafio para o próximo presidente. Não há muita oportunidade. Já no caso da Argentina, temos uma relação sempre muito próxima. Quando um vai mal, acaba atrapalhando o outro. Eles também vão entrar num ciclo eleitoral no ano que vem, e dependendo de como vai estar a economia argentina e de qual será o presidente do Brasil pode-se acirrar ainda mais os ânimos por lá.

 

*Crédito da imagem no topo: benimage/iStock

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