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True crime: grande apelo ao público, mas, e às marcas?
Podcasts do gênero, como A Mulher da Casa Abandonada e Modus Operandi, e canais como Investigação Discovery, têm ganhado a atenção do público e dos anunciantes
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Amanda Schnaider
22 de julho de 2022 - 7h32
Nos últimos dias, foi difícil ao menos não ouvir falar algo sobre o podcast A Mulher da Casa Abandonada. No Spotify, o programa está desde 10 de junho – dois dias depois de seu lançamento – entre os mais ouvidos no Brasil. Nesta quinta-feira, 21, três episódios da reportagem estavam entre os cinco mais ouvidos do País (veja abaixo).
Na Deezer, o podcast foi o mais ouvido globalmente nas duas últimas semanas e no Apple Podcasts também permanece no Top Episódios. “Temos mais de três milhões de ouvintes e episódios com mais de um milhão de downloads”, enfatiza o gerente de negócios digitais da Folha de S. Paulo, Artur Pero Siviero.
O podcast de sete episódios da Folha de S. Paulo, criado, escrito e apresentado pelo jornalista Chico Felitti, conta a história de Margarida Bonetti, uma mulher da alta sociedade brasileira, acusada de manter uma empregada doméstica em condições análogas à escravidão por 20 anos nos Estados Unidos, país do qual fugiu sem ser julgada.
O programa se enquadra no gênero true crime ou crimes reais, em tradução livre. Esse tema tem atraído cada vez mais o interesse das pessoas, principalmente dos brasileiros.
Além do podcast da Folha, outro que se destaque nesse gênero é o Modus Operandi, um podcast do Globoplay criado por Carol Moreira e Mabê Bonafé. Em 2021, o podcast teve mais de 14 milhões de plays, unindo-se a outros títulos de renome de true crime, como O Caso Evandro, de Ivan Mizanzuk. O podcast teve tanto sucesso que ganhou um livro, também criado por Carol e Mabê, chamado Modus Operandi: Guia de True Crime, publicado pela editora Intrínseca.
Nessa quinta-feira, 21, entre os sete podcasts mais ouvidos do Brasil no Spotify, três são sobre crimes reais: Modus Operandi; Quinta Misteriosa, de Jaqueline Guerreiro; e A Mulher da Casa Abandonada. Veja abaixo:
Mas não são só os podcasts sobre crimes reais que chamam a atenção dos brasileiros. Outros formatos de conteúdo que abordam histórias de crimes, como séries, documentários e filmes, passaram a ganhar cada vez mais o interesse público.
O canal Investigação Discovery (ID), dedicado exclusivamente ao gênero de true crime, que está presente no Brasil há dez anos, está hoje entre os cinco canais com maior tempo de permanência (ATS) na TV por assinatura, excluindo os infantis, de acordo com dados da Kantar Ibope Media.
Segundo o VP de Vendas Publicitárias da Warner Bros. Discovery no Brasil, Roberto Nascimento, nos últimos cinco anos, o público acima de 18 anos aumentou em 31% o tempo médio de permanência no canal. “O sucesso é tão grande que passamos a ter este ano também uma faixa dedicada a crimes reais no canal Discovery”, diz o VP.
Por que esses conteúdos chamam tanto a atenção das pessoas? Para Mabê Bonafé, criadora do podcast Modus Operandi, o gênero de true crime está cada vez mais popular muito por tonta dos serviços de streaming. “Por conta dessa quantidade de produção, sentimos que isso tudo ajudou a ter um boom, a falar mais sobre isso, a produzir mais sobre isso. Também vimos uma onda de crescimento de podcasts desse gênero”, pontua, reforçando que a qualidade das produções também melhorou, o que contribui mais ainda para essa popularização do gênero.
Na opinião de Nascimento, da Warner Bros. Discovery, posicionar o espectador no papel de investigador que decifra mistérios é elemento-chave para o profundo envolvimento e engajamento que esse tipo de conteúdo é capaz de gerar. “A forma como essas produções são idealizadas e construídas em termos de narrativa, é o que explica o fenômeno internacional do gênero true crime”, ressalta. Além disso, por meio de pesquisas, o canal também descobriu que há no espectador a busca por um senso de justiça, de ver que muitos casos são solucionados e os responsáveis punidos.
Além de 89% da audiência do ID ser composta por pessoas maiores de 35 anos, 70% são mulheres. Assim como o canal Investigação Discovery, a maioria da audiência do podcast Modus Operandi é composta por mulheres. “As mulheres estão envolvidas em todos as frentes, as mulheres consomem mais true crime, assistem mais true crime e também produzem mais. Se olhar os podcasts de true crime do Brasil, a maioria é feita por mulher”, salienta Mabê.
Segundo ela, que além de podcaster é roteirista, escritora e publicitária, existem várias teorias de o porquê isso acontece. “Uma delas é que existe um certo fascínio, em todos nós, de tentar entender a mente de um criminoso, de tentar entender aquela história. Também existe o fato de que como nós somos as vítimas, então nós sentimos seguras em consumir essas histórias para também encontrar formas de nos protegermos”, completa.
Outro fator é indicado por ela é a responsabilidade e o respeito às vítimas dos conteúdos de true crime feito por outras mulheres. “As mulheres se sentem mais seguras consumindo um conteúdo em que não estamos exaltando o assassino e a violência, pelo contrário, condenamos e questionamos, discutimos e tentamos trazer todos os pontos dentro da nessa história, sem deixar de contá-la”, enfatiza.
Porém, todo esse interesse do público tem despertado o interesse das marcas pelo gênero? Sim, mas de forma cautelosa, justamente por se tratar de conteúdos sensíveis e história de pessoas reais e que, muitas vezes, ainda estão vivas, como é o caso do podcast de A Mulher da Casa Abandonada. Nesse caso, tanto Margarida Bonetti quanto a vítima, sua ex-empregada doméstica que foi mantida sob condições análogas à escravidão, estão vivas.
O podcast da Folha ganhou tanta audiência que acabou chamando também a atenção da mídia e dos anunciantes. Tanto que os dois últimos episódios g anharam inserções publicitárias para a divulgação do filme de suspense O Telefone Preto, da Universal Pictures Brasil. “Chegamos a produzir os spots internamente e tivemos que editar alguns episódios que estavam prontos para entregar da melhor forma”, afirma o gerente de negócios digitais da Folha de S. Paulo, Artur Pero Siviero. Apesar de não abrir os resultados da campanha, Siviero ressalta que foram ‘extraordinários’. “Aqui consideramos que há uma intersecção entre o público de podcast true crime e o público interessado em cinema, suspense, thrillers”, complementa.
Apesar de haver uma intersecção de públicos, muitas pessoas utilizaram as redes sociais nos últimos dias para criticar a Folha por utilizar uma publicidade dentro de um podcast cujo assunto é delicado (veja abaixo).
Segundo Siviero, a Folha toma cuidado para não associar diretamente personagens da história ao anúncio. Isso é perceptível ao escutar o podcast, visto que Chico Felitti usou o mesmo termo utilizado na televisão para diferenciar um conteúdo jornalístico de um anúncio, o chamado “intervalo comercial”. “Não fazemos restrições prévias, e se há dúvidas, avaliamos em conjunto com a redação e o departamento jurídico antes de avançar. Acima de tudo, é preciso ter bom senso, como sempre”, reforça o gerente de negócios digitais.
Problemático demais a mulher da casa abandonada ter sido recebida pelo público como ficção e ter publicidade de filmes no ep…
— sapatona&sofrida▼ (@eurafaelarosa_) July 20, 2022
Assim como o podcast de A Mulher da Casa Abandonada, alguns episódios do Modus Operandi já contaram com inserções publicitárias, mas somente de editoras e serviços de streaming. De acordo com Mabê, isso acontece porque, além de ter nascido no contexto da pandemia, período em que as marcas estavam apostando menos em novos projetos, o Modus sofreu um certo tipo de preconceito das marcas mais tradicionais, justamente por ser um podcast do gênero de true crime, que envolve temas mais sensíveis. “Mesmo que acreditemos que façamos de uma forma muito responsável, as marcas ainda têm muito medo. Era um grande sonho meu, que até brincávamos, de fechar com marcas de produtos de limpeza, porque as pessoas ouvem muito podcast fazendo faxina. Queríamos muito fazer publicidade nesse sentido, mas são marcas mais tradicionais, até chegamos a procurar, mas nenhuma se interessou”, relata, reforçando que ainda falta um pouco de amadurecimento dos anunciantes nesse sentido.
O canal Investigação Discovery – voltado exclusivamente aos conteúdos true crime – conta atualmente com publicidade de marcas como Espaço Laser e Riachuelo, que têm o público feminino como target principal, visto que essa é a maior audiência do canal, mas também há outros clientes, como Colchão Emma e 123 Milhas.
Segundo Roberto Nascimento, independente do canal, a companhia preza por conteúdo publicitário que não seja desrespeitoso, com viés político ou que estimule violência de qualquer tipo. “No caso do ID não é diferente. Neste sentido, não há um cuidado específico com o ID, uma vez que já não exibimos nenhum tipo de propaganda que possa conflitar com nossos valores”.
“Pensando em construção de marca, awareness e posicionamento, as marcas podem conversar com o gênero de investigação através de temáticas que gerem conversas sobre assuntos relacionados às bandeiras que elas defendem e aos problemas da sociedade que ela luta contra”, completa o executivo da Warner Bros. Discovery no Brasil.
Para exemplificar, Nascimento cita um fabricante de celular que pode anunciar no canal para falar sobre crimes digitais e segurança da informação através de seus produtos. “E acredito que seja inteligente por parte das marcas aproveitar a temática com interesse constante dos consumidores. Potencializar assuntos e vozes, posicionar a marca como atual, antenada e conectada com questões presentes em nossa sociedade, e tão exploradas nos conteúdos de true crime”, conclui.
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