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Empresa versalista: o futuro já começou

Realizando um salto qualitativo no conceito de diversificação, as empresas versáteis costumam trazer um elemento inovador e disruptivo para os mercados em que participam


12 de junho de 2020 - 8h28

 

Por Rodrigo Rocha (*)

Versatilidade é capacidade de fazer coisas diferentes com igual habilidade, um conceito que se opõe à ideia de especialização, mas que vem se mostrando cada vez mais aplicável à atuação de empresas que diversificam seus negócios, atuando em outros setores de modo a revolucioná-los. A combinação de foco no cliente e propósito inspirador das suas equipes é o que alavanca as suas iniciativas – mesmo as mais ousadas.

A maior parte das empresas é especialista em um produto ou segmento. Esse movimento chegou ao seu auge no século XX, quando algumas marcas chegam a se tornar sinônimos dos seus produtos. Band-aid, xerox e post-it são algumas delas. O século XXI trouxe novos valores e atitudes – tanto de empresas, quanto de consumidores – e, nessa esteira, podemos ver com cada vez maior frequência marcas atuando com êxito em setores diferentes dos que são especialistas com sucesso estrondoso.

As empresas versalistas – neologismo que expressa a oposição à palavra especialista – vão além de adotar as estratégias clássicas de diversificação e partem para a disrupção. E, com isso, provocam verdadeiras revoluções nos setores em que entram. A Apple fez isso com a telefonia celular; a Netflix fez isso com a produção de conteúdo; a Virgin fez primeiro com o varejo e depois com a aviação; a Amazon fez com a edição de livros; o Google pretende fazer com a indústria automobilística, enquanto a Tesla atua assim em todos os setores em que investe – de automóveis a viagens para o espaço.

Normalmente, a diversificação é uma forma de não ser pego desprevenido por uma alteração brusca no mercado. É a clássica estratégia de não colocar todos os ovos na mesma cesta – algo que os investidores do mercado financeiro se preocupam o tempo todo. Mas o bilionário Warren Buffett critica essa estratégia. Ele diz que “diversificação é proteção contra ignorância. Não faz muito sentido se você sabe o que está fazendo”. De fato, conhecer um mercado profundamente e ser especializado nele pode dar bons resultados para quem investe em bolsa. Mas o tipo de diversificação que as empresas versalistas aplicam é justamente os que causam surpresas (de todo tipo, boas e más) para quem espera dividendos de ações.

No caso das empresas versalistas, diversificar não é uma espécie de seguro contra um dia de chuva. É fazer chover em um mercado que anda ávido por mudanças e novas propostas. E olha que isso pode acontecer em mercados que estão estagnados ou em segmentos em estão em plena ebulição. A questão não é o perfil do mercado em que se está entrando e sim a revolução que se pode fazer nele. E isso é o tipo de movimento que mexe com o preço das ações. Basta observar o que aconteceu no mercado quando a Apple lançou o iPhone – sua valorização recorde e a desvalorização de concorrentes. O investidor tipo Warren Buffett, superespecializado no mercado de telefonia, não tinha como prever o movimento disruptivo orquestrado por Steve Jobs.

Por exemplo, quando a Amazon decidiu ir além de vender livros, e passou a editá-los, causou um maremoto no segmento de editoras. O mesmo fenômeno tende a se repetir em qualquer setor em que Jeff Bezos decida investir, seja venda de comida orgânica ou planos de saúde. O fato é que as empresas versalistas desenvolvem um know-how para a diversificação com disrupção e podem repetir o movimento sempre que encontrarem uma boa oportunidade.

A empresa versalista tem uma anatomia de gestão peculiar. Tubarões nadam, focas nadam, patos nadam – mas o estilo de cada um, a velocidade, a profundidade e as limitações são diferentes. Algumas empresas diversificam, outras entram em outros mercados para mudar paradigmas e transformar tudo.

Essa naturalidade para a ousadia geralmente tem origem nas pessoas que fundaram e gerem a empresa. Normalmente um time inclusivo, com pessoas de várias formações técnicas e com históricos pessoais diversificados, se mostra mais aberto para inovação do que equipes homogêneas. Outro traço característico dos “versalistas” é seu inconformismo em relação ao status quo. Essa atitude permite que alguém em um site de buscas ache plausível projetar um carro autônomo ou que um projetista de computadores ache muito natural projetar um telefone com um único botão.

Empresas versalistas como Google, Apple, Netflix e outras desenvolvem projetos com o apetite das startups. Para que isso aconteça, é preciso que as pessoas que trabalham na empresa se mantenham famintas – como Steve Jobs aconselhava – e não tenham receio de errar. Claro que soa romântico dizer que errar faz parte e que, na pior das hipóteses, se ganha experiência. Em uma grande empresa, no entanto, o erro vai para os livros na coluna de prejuízo e isso não passa impune pelo departamento financeiro. Já no contexto das startups, a experimentação faz parte do plano de negócios. Então, para que a dinâmica da diversificação ocorra de forma construtiva, as empresas versalistas adotam a mentalidade de venture capitalists em relação aos seus projetos mais ousados, especialmente quando eles implicam na entrada em um novo mercado. A dinâmica financeira que rege estes projetos é, também, a das startups. Ou seja, os prazos para que o retorno sobre o investimento ocorra são medidos em anos e não em meses.

O exemplo da Apple com o iPhone é perfeito. A empresa se aventurou em um mercado que até então era dominado pela Nokia e Motorola, com a Samsung correndo por fora, tentando buscar um espaço. Até a tecnologia aplicada aos aparelhos e o design estavam indo em outra direção. A Nokia, líder mundial, estava investindo em aparelhos com teclado, para facilitar as mensagens de texto. As câmeras estavam melhorando, mas ninguém ligava muito para a exibição das fotos nos aparelhos. A Apple veio mudando tudo isso. Seu slogan “think different” se materializou no iPhone e conquistou o mundo. Rapidamente, os aparelhos celulares passaram a ser responsáveis por mais da metade do faturamento da empresa.

Esse lançamento deixou claro que os seguidores da marca apostariam no que ela propusesse. Se a maçã mordida aparecer em gelatina, tênis ou em um helicóptero, o consumidor vai reagir com entusiasmo por dois motivos: confia na excelência técnica da marca – algo lógico e baseado na experiência; e gosta de se sentir parte da magia dela, acredita no “think different” como lema, aprecia a estética e admira o propósito da marca – todos motivos subjetivos e imateriais, ligados ao seu histórico e personalidade.

Ter ativos imateriais fortes é outra característica das versalistas. Sua capacidade de colocar os interesses dos consumidores como norte dos seus projetos, a força do seu propósito e seu posicionamento em relação a questões sociais como sustentabilidade, aquecimento global, empoderamento feminino e trabalho justo lhe dão credibilidade e isso se reflete nas vendas. As pessoas prestigiam suas iniciativas. A empresa pode ser versátil porque tem valores consistentes e isso é percebido pelo público.

Para ser uma empresa versalista é fundamental ter vocação e aptidão para a versatilidade. A vocação vem desse desejo constante por desenvolvimento, crescimento e evolução que se expressa ao aproveitar oportunidades, melhorar a vida do consumidor, revolucionar mercados e fazer o futuro. A aptidão está em criar a musculatura necessária para essas iniciativas por meio de uma estrutura de gestão capaz de reconhecer e reter talentos, de uma política financeira capaz de entender as necessidades dos projetos, de um marketing visionário e, acima de tudo, de sinergia entre os diferentes setores.

A empresa especialista, monolítica e super hierarquizada é um ente surgido no século XIX que dominou o século XX, mas que terá dificuldade em sobreviver às demandas do século XXI – tanto em termos de expectativas do consumidor quanto em retorno para o investidor. Por isso, percebemos que as maiores empresas do mundo estão se movimentando no sentido de ganharem versatilidade e agilidade para que sua atualidade e relevância se mantenham. A tendência é que as empresas versalistas tenham maior lucratividade tanto na ponta do consumidor quanto nos retornos para os investidores em bolsa e, ainda, conquistem maior valorização das suas marcas.

(*) Rodrigo Rocha É vice-presidente de Marketing do UnitedHealth Group Brasil e do UnitedHealthcare Global

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