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15 de outubro de 2019 - 7h22
Por Romain Lerallut (*)
Quando nos deparamos com uma nova tecnologia, tendemos a chamá-la de revolução. Porém, enquanto algumas inovações realmente transformam determinados setores, a maioria delas, na realidade, não chega a causar muito impacto. Tanto é assim que o setor de publicidade é confrontado por essas “viradas de jogo” quase todos os dias. Por isso, é importante entender a diferença entre o que, realmente, vai transformar os negócios e o que, no fim das contas, só traz dores de cabeça desnecessárias.
Um bom exemplo desse tipo de situação está no uso de tecnologias complexas e, muitas vezes incompreendidas, como é o caso do Deep Learning. O recurso é o mais novo membro da família de IA e, embora seja difícil de avaliar, tem sido aclamado como a solução definitiva para questões que envolvem previsões complexas, relevância e banner blindness.
Os últimos artigos sobre o assunto nos trazem a sensação de que o Deep Learning é a chave para que possamos resolver todos os problemas que o setor de publicidade digital enfrenta. Esse tipo de postura pode até fazer com que engenheiros, entre outros profissionais ligados à tecnologia, comecem a se perguntar porque até agora não tomaram conhecimento a respeito do ciclo de desenvolvimento de uma ferramenta tão crucial.
Para responder a esse tipo de questionamento, precisamos esclarecer alguns pontos. Primeiro, existem dois conceitos equivocados nesta maneira de pensar. Um deles é enxergar o Deep Learning como uma nova tecnologia. Ao contrário, esta ferramenta resulta de um trabalho de mais de 20 anos feito por pesquisadores que, pouco a pouco, obtiveram progresso em diferentes domínios – entre os quais também estão funcionalidades mais recentes, como reconhecimento de imagem e processamento de som.
Outro ponto é que, embora o Deep Learning não seja exatamente uma novidade, estamos apenas começando a compreender o real potencial deste recurso na área de publicidade digital. Dito isso, ainda temos um longo caminho a percorrer até o dia em que, de fato, vamos saber a melhor maneira de utilizá-lo.
Mas afinal, o que é Deep Learning?
Antes de prosseguirmos com qualquer outra análise sobre Deep Learning, é importante pontuar o que ele é exatamente. Antes de mais nada, precisamos compreender que essa ferramenta evoluiu de sistemas de IA classificados, como Machine Learning. Este conceito, por sua vez, está subdividido em duas categorias.
A primeira é conhecida como Machine Learning supervisionado, cujo funcionamento se dá a partir de dados oferecidos por inputs humanos. Tais informações são processadas por algoritmos que aprendem a reconhecê-las, categorizá-las e arquivá-las. Um exemplo bem conhecido são os filtros de spam. Eles identificam informações pré-definidas pelos usuários para depois bloquear todo tipo de correspondência indesejada por eles.
A outra categoria é o Machine Learning não supervisionado. Esta modalidade de sistema cruza informações não categorizadas com padrões previamente armazenados no banco de dados. A partir daí, encontra parâmetros compatíveis com a informação analisada para que os usuários possam interpretar seu significado.
Tendo vista o funcionamento de ambas as faces do Machine Learning, fica mais fácil compreender porque o Deep Learning tem sido tão aclamado. Afinal, a ferramenta, em tese, une o melhor dos dois mundos. Ou seja, não há necessidade de definir os padrões que o Deep Learning procura e também não é preciso interpretar informações encontradas por ele a partir da análise de dados não categorizados. Por si só, os algoritmos da ferramenta são capazes de identificar uma determinada imagem, por exemplo, e definir o que ela significa, sem qualquer auxílio humano prévio ou posterior.
Ferramenta multifuncional
Por isso, sempre que ouvimos falar em Deep Learning é como se estivessem se referindo a um autêntico canivete suíço. Ou seja, um único objeto capaz de abrir garrafas, consertar correntes de bicicleta, parafusar a porta e muitas outras funcionalidades.
Contudo, o que pouca gente analisa é que ferramentas multifuncionais, por melhores que sejam, jamais serão as únicas necessárias. Quando o problema é mais complexo, como a construção de um armário completo, por exemplo, precisamos de ferramentas mais robustas, designadas especificamente para determinadas tarefas.
Logo, temos que considerar o fato de que o Deep Leaning pode até ser o canivete suíço que esperávamos. Mas para cenários complexos, como os que temos no campo da publicidade digital, talvez o Deep Learning nem sempre esteja pronto ou mesmo seja suficiente para causar impactos significativos. Para isso, na realidade, ainda precisamos de ferramentas específicas.
Tornando o Deep Learning uma ferramenta de publicidade digital
Para exemplificar este tipo de situação, basta lembrar que a implementação de uma arquitetura de Deep Learning em publicidade digital significaria processar muito mais dados do que em outros aplicativos – como reconhecimento de imagem em tempo real, por exemplo. Isso porque nossas trocas de publicidade são impulsionadas por tecnologias programáticas de compra que ainda estão sujeitas a restrições de latência muito mais rigorosas do que outros casos de uso de Deep Learning – no máximo milissegundos de um dígito.
Além disso, o imenso poder computacional de uma verdadeira arquitetura de Deep Learning não é facilmente viável hoje em dia. O que vemos atualmente são modelos de Deep Learning que preparam as informações necessárias para a tomada de decisões, em tempo real, antecipadamente. Ou seja, a ferramenta está sendo usada para extrair e processar informações centradas no usuário a longo prazo, o que é algo muito diferente da abordagem de ponta a ponta que tem sido muito mais eficaz em permitir ganhos consideráveis dentro de aplicativos menos restritos.
Vale lembrar que o Deep Learning também usa camadas que processam grande quantidade de dados brutos. E isso já não é tão positivo, uma vez que, nesse contexto, dados brutos não são tão baixos quanto pixels em uma imagem, por exemplo. Claro, o Deep Learning pode otimizar funções mais artesanais, como calcular a média de tempo que os usuários levam entre uma visita e outra ao site de uma determinada loja. Mas seria esse o melhor uso dos recursos de processamento disponíveis? Deixo para reflexão dos leitores.
Diferente, mas não melhor
Para concluir, não é que o Deep Learning seja melhor do que o Machine Learning tradicional ou vice-versa. Quanto a esta questão, é preciso saber, com clareza, qual é o objetivo a ser perseguido. É fato que o Deep Learning afetará todo o desempenho da publicidade no futuro. Porém, pode ser que isso aconteça apenas no contexto que permeia o espectro de atuação do Machine Learning.
Portanto, o importante é reconhecer que toda ferramenta tem seu devido uso. Uma chave de fenda não é melhor que um martelo. Ambos têm funções diferentes. Para entender como o Deep Learning pode ajudar uma empresa, o melhor caminho talvez seja seguir o clássico método científico: executar experimentos com os próprios dados e KPIs. E, a partir daí, realizar uma avaliação sobre qual solução é, de fato, mais benéfica, independentemente, do hype ou do que se lê sobre ela sem antes testar.
E então? Está pronto para incorporar Deep Learning na sua estratégia de marketing?
(*) Romain Lerallut é Vice-Presidente da Criteo responsável pelo AI Lab