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Opinião

Vale Tudo

A família tradicional, núcleo estruturante da narrativa de 1989, hoje surge mais plural, diversa e real

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5 de maio de 2025 - 6h00

Em 1989, a novela Vale Tudo, da TV Globo, fez o Brasil se olhar no espelho e não gostou do que viu. A trama, escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, escancarou um país às voltas com corrupção, desigualdade social, ambição desmedida e uma ética sempre em xeque. Quem não se lembra do icônico questionamento de Odete Roitman: “Você é honesto por quê?”. A pergunta, lançada no horário nobre, não era retórica. Era uma provocação. Uma cutucada. Um soco no estômago da sociedade brasileira que vivia os rescaldos da ditadura e ensaiava sua jovem democracia em meio a uma eleição presidencial histórica.

Corta para 2025. Quase quatro décadas depois, o Brasil mudou e muito. As pessoas mudaram, as famílias mudaram, a sociedade mudou. E a TV? Também mudou, mas segue tentando acompanhar a velocidade das transformações sociais e tecnológicas.

O remake de Vale Tudo, exibida em formato repaginado pela Globo, não é apenas uma homenagem ao clássico. É uma releitura crítica de um Brasil que, embora mais digital, permanece profundamente humano e, muitas vezes, contraditório. Se antes os diálogos aconteciam em salas de estar com telefone de disco e TV de tubo, hoje desenrolam-se por mensagens de voz, em grupos de WhatsApp, com personagens que discutem fake news, cancelamento nas redes e assédio virtual.

Em 1989, a personagem Raquel, interpretada por Regina Duarte, representava a mulher batalhadora, honesta, que acreditava no trabalho como única forma legítima de ascensão. Em 2025, sua contraparte enfrenta dilemas ainda mais complexos: como conciliar carreira, maternidade e saúde mental. Como competir em um mercado de trabalho que exige produtividade 24/7 e valoriza o “network” acima da competência?

Já Maria de Fátima, a filha ambiciosa que não media esforços para enriquecer, talvez hoje tivesse um canal de lifestyle no YouTube ou vendesse a sua ascensão meteórica como curso de “mentoria de sucesso” no Instagram.

A família tradicional, núcleo estruturante da narrativa de 1989, hoje surge mais plural, diversa e real.
Na época, o original Vale Tudo tinha mais de 70% de share de audiência. Era de uma força popular que reunia o país inteiro em torno de uma mesma história. Hoje, a novela disputa atenção com o TikTok, o streaming, os podcasts, os jogos online e as múltiplas telas. O público de 2025 é fragmentado, mas mais exigente. Quer representatividade, quer temas contemporâneos, quer diálogo não mais monólogo.
A Globo entendeu isso. Em vez de apenas resgatar o sucesso passado, investiu em uma Vale Tudo que conversa com o presente. Que discute não só corrupção institucional, mas também corrupção moral cotidiana, aquela que se esconde nas pequenas concessões, no jeitinho, no “isso todo mundo faz”. A versão atual dialoga com as novas narrativas com roteiros mais ágeis, linguagem visual cinematográfica e tramas que exploram dilemas morais sob a lente do século XXI.

E se a novela é o espelho do Brasil, a trilha sonora também é. “Brasil”, na voz rasgada de Gal Costa, com letra cortante de Cazuza, continua sendo um hino nada ufanista, mas extremamente necessário. Em 1989, já doía. Em 2025, ainda provoca.

“Brasil, mostra a tua cara / Quero ver quem paga pra gente ficar assim…”
“Brasil, qual é o teu negócio? / O nome do teu sócio? / Confia em mim!”

Em 1989, a novela era o palco. Em 2025, ela ainda é o espelho, mas o reflexo já não é mais o mesmo. E talvez aí esteja a grande beleza: o Brasil continua tentando se entender, mesmo que ainda não tenha descoberto qual é, afinal, o seu verdadeiro negócio.

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