Publicidade na Austrália: campanhas reais e foco na missão
Creative strategist do Facebook, em Melbourne, a brasileira Carmela Soares fala sobre os desafios do mercado na terra dos cangurus
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Renato Rogenski
18 de julho de 2019 - 11h56
Uma viagem de avião de São Paulo para Melbourne pode durar mais de um dia inteiro, dependendo da rota. Para um bom diretor de criação, é tempo suficiente para ter grandes ideias. Para quem mora na mais populosa capital brasileira, pode ser o tempo que se perde no trânsito toda semana. Foi essa a motivação da brasileira Carmela Soares, além da oportunidade de desbravar um novo mercado, para trocar o Brasil pela Austrália.
Depois de passar por Ogilvy e DM9 em São Paulo (hoje SunsetDDB), a publicitária foi para Sidney, onde trabalhou nos escritórios locais de JWT e Havas. Mudando para Melbourne, passou quatro anos na Isobar e mais dois na Clemenger BBDO, já como diretora executiva de criação. Como criativa, ganhou pelo menos um de cada um dos prêmios internacionais mais badalados da publicidade mundial. “Mas, meus maiores orgulhos foram ganhar o Women Leading Change na região Ásia-Pacífico, o Creative Woman of the Year do B&T Austrália e ter falado na abertura do D&AD Rare”, conta.
Em junho recebeu uma proposta para trabalhar com “todas” as agências e unir tecnologia com ideias no Facebook Creative Shop. Na entrevista abaixo, a última da segunda temporada da série Publicidade Brasileira Tipo Exportação, Carmela falar sobre os desafios, oportunidades e curiosidades de atuar em um mercado com uma cultura tão diferente na comparação com o brasileiro.
Meio & Mensagem – Como você foi parar aí e qual é o balanço que você faz sobre o mercado australiano?
Carmela Soares – Eu trabalhei na Ogilvy e DM9 em São Paulo. E curtia o trabalho e os meus amigos, mas não aguentava mais o trânsito, a pressão de trabalhar 14 horas por dia, de passar o fim de semana na agência, pensando em ideia pra Cannes. Então eu mandei meu portfólio para um recrutador em San Francisco, que mandou para outro em Singapura, que mandou para um ECD em Sydney, que me entrevistou por Skype e me contratou. Somos um país relativamente pequeno (aproximadamente 20 milhões de habitantes). Então, as verbas são pequenas, porque a capacidade de ROI é limitada. E ainda assim somos o terceiro país mais premiado do mundo. Isso porque a Austrália tenta criar oportunidades em briefings reais, com clientes reais. E isso cria uma cultura de criatividade, não de prêmio. Prêmio é consequência.
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Quais são as maiores diferenças e também as curiosidades na comparação com o mercado publicitário brasileiro?
No Brasil, temos que estar visíveis dentro da agência por horas e horas a fio, por 14, 15 horas por dia, fim de semana. E acabamos trabalhando mais devagar. Aqui, a gente chega às 9:00am, trabalha focado, tira meia hora no máximo para o almoço, foca de novo, e sai às 5:30pm. Pouquíssimas agências fazem “Projeto Cannes”. Sobre as curiosidades, o sotaque australiano leva um tempo pra entender. Mas agora que já estou aqui há dez anos, o meu sotaque ficou meio bizarro. Quando vou para os Estados Unidos ou Inglaterra, ninguém consegue adivinhar de onde eu sou.
De que maneira a cultura do país se reflete na propaganda?
As mídias sociais são um bom exemplo. No Brasil, qualquer coisa se torna viral. O Ronaldo com a camisa da Argentina. Um goleiro distraído no celular. Um Bentley sendo enterrado. O povo fica louco e espalha a notícia. Australianos tendem mais para aquela cultura Inglesa, mais contida, educada. Ninguém quer encher o news feed dos amigos a não ser que seja com algo incrivelmente interessante. E mesmo assim, o mais provável é te passarem um link ou referência por Messenger (ah, e por sinal, nada de WhatsApp aqui). Então criar escala para qualquer campanha de PR ou mídias sociais é um desafio.
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Como são as agências e os publicitários que atuam na Austrália?
As agências de mídia são separadas das agências de criação, então se cria uma camada de competição que o mercado realmente não precisa. Quando criação e mídia trabalham junto, o resultado é muito melhor. Mas, por aqui, assim como no Brasil, há vários tipos de agência e vários tipos de publicitários. O que me parece é que em todo lugar do mundo está todo mundo se questionando qual é o melhor modelo, se as agências têm que mudar e, se sim, mudar como. Eu acho que a fragmentação da mídia e o controle que as pessoas têm sobre as mensagens que recebem estão criando uma revolução tão grande quanto a revolução digital do final dos anos 90. É a revolução da experiência, onde uma ideia em si não é boa suficiente se não levar em conta como as pessoas vão experimentar a ideia.
Há algo que se pareça por aí com o mercado brasileiro? O que os australianos pensam sobre a propaganda e os publicitários do Brasil?
Falta de diversidade, apego excessivo a prêmio e uma tendência de pensar marca primeiro, e não no que o consumidor realmente quer são traços parecidos. Mas acho que aqui tem umas agências mais modernas, tentando resolver esses problemas e achar maneiras mais modernas de trabalhar. A criatividade brasileira é imbatível. Mas a propaganda brasileira tem uma reputação péssima. Quando criativos brasileiros mudam para o exterior, enfrentam vários problemas para lidar com a realidade das agências e clientes. A propaganda brasileira precisa parar de pensar em Cannes e focar em trabalho real, usar a imbatível criatividade brasileira para resolver problemas de verdade.
Como é trabalhar por aí e o que você tem feito de melhor?
Trabalhar aqui tem um foco intenso em colaboração. Cada vez mais eu vejo equipes quebrando essa ideia de redator/diretor de arte e vejo designer trabalhando com animador e developer ou producer com diretor de arte e planejador de mídia. Tem um pouco essa tendência de times que se organizam ao redor do problema, ao invés de forçar o problema por um processo de agência que é igual para qualquer job. Cada campanha que eu faço é a minha preferida. Mas minha paixão fica onde eu consigo combinar tecnologia com uma puta narrativa que possa mover as pessoas.
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