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Comunicação

Propaganda nos EUA: muito além de NY e LA

Diretora de criação da BBDO Minneapolis, a brasileira Nathalia Resende fala sobre os múltiplos caminhos possíveis na propaganda dos Estados Unidos


21 de junho de 2019 - 7h00

(Crédito: Steijn Leijzer/ Unsplash)

Se por um lado o glamour da era Mad Men remete ao mercado nova iorquino ou mesmo Los Angeles, por outro é importante saber que a propaganda norte-americana tem força e capilaridade para além dos dois grandes polos de comunicação no país. Quem tem aproveitado bem para explorar a multiplicidade em termos de cultura de comportamento, estilo de vida e modelo de trabalho nas agências é Nathalia Resende, brasileira que hoje é diretora de criação da BBDO Minneapolis.

Ela começou sua carreira como diretora de arte em agências como Fbiz, FCB, Dentsu e AlmapBBDO. Em 2011 ela se mudou para os Estados Unidos onde passou quatro anos na Martin Agency criando para clientes como Walmart, Net 10, Timberland Pro e Comcast. Sua jornada criativa a levou para a 22squared, agência independente em Atlanta. Lá ela liderou a criação da conta de The Home Depot por cinco anos, antes de aceitar a empreitada para assumir o cargo atual.

Nathalia Resende: “O meu maior aprendizado aqui foi colaboração e inclusão” (Crédito: divulgação)

Em 2018, Nathalia foi reconhecida na lista Adweek’s Creative 100 e citada pela publicação entre as “criativas femininas poderosas que são representações desafiadoras na tela e nas salas de reuniões”. Na entrevista abaixo, parte da série Publicidade Brasileira Tipo Exportação, ela faz um raio-X do mercado norte-americano e, sob sua ótica, alguns dos principais desafios e oportunidades para os profissionais brasileiros.

Meio & Mensagem – Como você foi parar em Minneapolis?
Nathalia Resende – Eu cheguei nos EUA há quase 10 anos pela Martin Agency, em Richmond, VA. Fiquei lá por quatro anos e então me mudei pra Atlanta, na Georgia. Lá trabalhei na 22squared, uma agência independente de porte médio/grande onde eu tive uma latitude profissional imensa e uma curva de aprendizado tão grande quanto. Mas eu tenho muita curiosidade sobre a cultura americana. Por sorte o trabalho me expõe as costas entre NY e LA o tempo todo, e eu vivi a cultura do sul (Georgia, Virginia, Alabama, Mississipi, Tennessee, Florida, etc) por todos esses anos também.  Então, para mim, a única região mais desconhecida dos EUA é o Midwest, onde fica Minneapolis. Quando a BBDO Minneapolis bateu na minha porta eu fiquei muito intrigada com o que eles estavam fazendo por aqui. Depois de vir visitar, adorar a missão da agência e a equipe com quem eu trabalharia, a decisão ficou muito fácil. E morar na região dos 10 mil lagos onde todo mundo anda de bicicleta é um colírio diário para os olhos e para a alma.

Para quem não conhece… Como é dividido o mercado publicitário americano? Quais são as regiões e suas características?
Eu diria que os EUA têm quatro regiões distintas: East, West, South e Midwest. Mas, diferentemente do Brasil, onde o mercado publicitário é muito localizado em São Paulo, o mercado dos EUA permite que os profissionais da área se desloquem pelo país inteiro sem comprometer a qualidade das agências onde eles trabalham. Existe sim uma concentração de agências em NY e LA, mas aqui também existem muitas agências renomadíssimas espalhadas pelo país. Alguns exemplos de cidades incríveis com um número significativo de agências boas são Austin, Atlanta, São Francisco, Miami, Chicago, Boston e Minneapolis. E aí você ainda tem as cidades menores onde existe pelo menos uma agência muito forte, como a Martin Agency em Richmond, ou a EP+CO em Greenville, ou a Crispin em Boulder, para citar algumas. Tudo isso para dizer que a beleza dos EUA, na minha opinião, é que você pode escolher a agência e o seu estilo de vida como um combo. Eu cresci numa fazenda em Minas Gerais e morei em São Paulo por 11 anos. Amei o meu tempo lá, mas a minha qualidade de vida era muito baixa. Quando eu me mudei para os EUA eu preferi fazer uma rota menos tradicional e evitar cidades com alto teor de stress, trânsito, etc. O meu único filtro profissional era ter certeza de que as agências que eu escolhia produziam trabalhos em escala nacional, ao invés de regional. Isso garantiu que eu não comprometesse a minha carreira e ao mesmo tempo ganhasse em qualidade de vida.

Como é trabalhar por aí?
Muito diferente do Brasil. É claro que eu não posso generalizar, então vou falar sobre a minha experiência, que é bastante específica considerando o DNA das agências por onde eu passei. O meu maior aprendizado aqui foi colaboração e inclusão. Criação não é rei e a gente muitas vezes não tem a palavra final. Eu dei muito murro em ponta de faca por isso, e cheguei a ser chamada no RH da 22squared por insubordinação. No geral, a minha receita pessoal para o sucesso foi me agregar ao atendimento, planejamento e mídia e trabalhar verdadeiramente como uma equipe sincronizada. Aprender a me abrir pra colaboração entre essas disciplinas foi essencial para conseguir levar ideias pra frente.

Quais são as maiores diferenças na comparação com o mercado publicitário brasileiro?
A maior diferença para mim está no processo criativo em si. Os americanos são muito objetivos e céticos, e o mercado daqui é muito maduro. Não existe vender uma ideia porque ela é legal. Toda a construção para se vender um conceito tem que ser muito bem fundamentada na estratégia do briefing, no perfil do consumidor identificado e em solucionar o problema do cliente. Mesmo as campanhas que parecem não fazer sentido nenhum, o famoso humor corky ou weird, tem uma estratégia muito sólida por trás. Isso tudo volta a questão anterior, porque quando você inclui todas as disciplinas dentro do seu processo no início dele, quando chega a vez de vender o conceito todo mundo está do seu lado, e todas as disciplinas atuam como aliados em levar o projeto adiante. Outra coisa muito diferente é a autonomia. Ninguém se preocupa se você está na agência ou se você saiu cedo ou se chegou meio dia. Cada pessoa tem a responsabilidade de entregar o que precisa, como ela faz isso depende dela. Eu saio meio dia para levar meu gato no veterinário e trabalho o resto do dia de casa se eu quiser, desde que eu seja responsável dentro das minhas entregas.

E as maiores curiosidades?
Todo mundo come na agência. Não existe vale-refeição aqui e todas as agências têm cozinha equipada com fogão e vários micro-ondas, então as pessoas trazem o almoço de casa. Ah e muitas vezes se almoça em reunião. Horário de almoço é mito.

De que maneira a cultura do país (e da região) se reflete na propaganda?
As agências, tanto aqui quanto no Brasil… e possivelmente no mundo todo, tendem a refletir costumes progressistas e muitas vezes (uma vez que os governos no mundo todo têm falhado nesse quesito) as marcas acabam se tornando um barômetro social para o consumidor. Dentro deste contexto a cultura americana no geral é bastante refletida na propaganda. Hábitos específicos como Tailgating antes de jogos de futebol, o frenesi das crianças abrindo presentes na manhã de natal, a celebração em família no Thanksgiving (Ação de Graças), Halloween, etc… estão sempre presentes na comunicação. Mas isso tudo é um reflexo da cultura Americana em si, e toda a população poderá se identificar com propagandas que refletem esses costumes.

E quais as tendências em termos de economia e comportamento de consumo?
Consumo consciente é definitivamente top of mind quando pensamos em comportamento hoje em dia. O consumidor de hoje se importa com os valores das marcas que ele consume/apoia, o que coloca mais expectativa de posicionamento social e político nas marcas com as quais trabalhamos. As pessoas se importam se as marcas estão fazendo bem ou mal ao meio ambiente, se politicamente elas estão alinhadas com os seus valores, se existe exploração de trabalho, etc. Um exemplo disso nos EUA são as críticas recentes as marcas que produzem linhas de produtos para o mês de junho e tentam capitalizar na cultura queer americana. Muitas destas marcas não repassam os lucros para causas ligadas ao movimento LGBTQA, e isso tem gerado uma crítica imensa por parte dos consumidores. Muitos artigos foram escritos esse ano apontando as marcas que realmente apoiam a causa durante o ano todo, sendo politicamente em forma de doações para políticos pró legislações de proteção a comunidade LGBTQA, ou em seus métodos de contratação, ou doações, etc. Resumindo, as marcas do futuro não irão possuir o luxo de ficar em cima do muro em questões relevantes ao seu consumidor. É hora de ter posicionamento e impactar o seu target além do produto que você oferece.

E como é o estilo de vida?
O padrão é trabalhar das 9h às 17h. Mas existe um foco absoluto que eu aprendi trabalhando aqui. Eu chego no trabalho, eu trabalho. Existe interação com os meus times, meu dupla, há brincadeiras e assuntos aleatórios. Mas ninguém estica a conversa, ninguém gasta tempo saindo pra almoçar ou tomar um café. O rendimento diário é muito grande por consequência de se trabalhar tão focado por tantas horas seguidas, e isso me permite sair da agência às 17h. Aí eu pego a bike e vou pedalar pelos parques, ou nadar nos lagos, andar de caiaque, encontrar os amigos numa cervejaria. No verão escurece depois das 10 da noite, então existe uma vida muito ativa, e ligada a natureza, todo dia depois do trabalho. Mas é claro que não é um mar de rosas, quando estamos numa concorrência ou com algum deadline puxado. Daí a gente fica até tarde, trabalha final de semana, etc. Mas isso é exceção, ainda bem.

E como são as agências e os publicitários?
Profissionalmente o nível intelectual é muito alto. Eu conheço vários redatores que trabalharam comigo e hoje escrevem shows pra Netflix. Os publicitários estão sempre por dentro das últimas tecnologias, dos últimos acontecimentos. No quesito pessoal é bem diferente. A maioria das pessoas mantem sua vida pessoal muito separada da profissional. Por ter sempre trabalhado em agências menores eu tive muita sorte em fazer amigos dentro do trabalho e quebrar a barreira pessoal deles. Mas eu acredito que em cidades maiores seja mais difícil fazer isso.

O que um brasileiro precisa para se dar bem em uma agência americana?
Adaptar-se. Se abra para a cultura americana e absorva o máximo deles, como uma esponja. Entenda os costumes, estude as expressões de linguagem. Analise e absorva tudo.
Domine inglês. Isso pode não ser tão válido pra agências onde exista uma cultura de estrangeiros, mas quando eu cheguei na Martin eu era uma das únicas estrangeiras lá, e na 22squared a mesma coisa, e aqui em Minneapolis também. Os americanos não estão acostumados a trabalhar com sotaque, e eles equacionam a sua capacidade de se comunicar com a sua capacidade intelectual. Se você se comunica mal, isso reflete no que eles pensam de você intelectualmente. Investir em dominar o inglês traz benefícios muito rápidos, tanto pela percepção dos seus colegas quanto pra sua autoestima.
Use sua brasilidade. Existe uma escassez de personalidade e ter opiniões é importante. Não seja invisível na agência, faça a sua presença ser vista e notada. Cada criativo é como se fosse um personagem, e é importante que a gente tenha o nosso próprio personagem e que ele seja uma peça crucial, e lembrada, pela equipe.
Não fique preso a agências em NY e LA. Eu sempre recomendo que os brasileiros tentem vir pra agências menores onde eles têm mais latitude de ação e onde eles possam passar por uma fase de incubação na cultura americana sem estar em agências com um DNA mais agressivo. Venha, aprenda, absorva, adapte e depois cresça e faça dos EUA o seu playground, quando você já souber as regras do jogo.

Há algo que se pareça por aí com o mercado brasileiro?
Profissionalmente eu acho que a sede de criação. O DNA humano é o mesmo, então os profissionais aqui são competitivos e ambiciosos como no Brasil.

E como os americanos enxergam a propaganda brasileira e os publicitários brasileiros?
A percepção sobre os publicitários brasileiros é que existe um nível de craft muito alto, e muita dedicação no trabalho que a gente faz. Sobre a publicidade brasileira no geral, os americanos são muito centrados no trabalho produzido aqui, expandindo muitas vezes pro mercado do Reino Unido. Raramente nos meus anos aqui eu ouvi comentários sobre peças do Brasil. Na maioria das vezes a visibilidade das peças brasileiras vem dos prêmios em festivais.

Em termos de trabalho e entrega, como está o seu momento por aí? O que você tem feito de melhor?
Estou sem sombra de dúvidas no meu melhor momento profissional por aqui. Produzi muita coisa legal pela 22squared no ano passado, sendo a maior delas uma campanha nacional para The Home Depot que foi criada para TV, print, outdoor e social. Outro projeto muito querido é um app chamado Invisible Hate que estamos lançamos em fases. Ele está sendo criado em parceria com organizações que lutam por direitos iguais e eliminação de preconceitos baseados em raça. O aplicativo é uma ferramenta educacional que usa realidade aumentada para revelar a verdade em torno dos Monumentos Confederados Americanos, gerando fatos, contexto e visualizações poderosas sobre a realidade por trás destes monumentos. Na BBDO Minneapolis eu estou liderando campanhas de novos negócios e por enquanto, aprendendo ao máximo sobre a gama de clientes da agência e seus perfis.

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