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Engajamento nas alturas

Enquanto os gramados, quadras e pistas ficaram vazios durante a pandemia, as arenas dos e-sports se mantiveram lotadas — ainda que apenas digitalmente — e reforçaram a vocação multiplataforma de uma modalidade que continua atraindo marcas dos segmentos mais diversos


2 de outubro de 2020 - 21h20

Por Amanda Schnaider e Luiz Gustavo Pacete

No início de setembro, um dia após a realização da final do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL), um dos maiores torneios de jogos eletrônicos do mundo, ter ocorrido no topo de um edifício, em São Paulo, a cantora Anitta passou mais de duas horas conectadas em uma live no Facebook Gaming. Juntamente com o streamer Nobru, astro da equipe do Corinthians de Free Fire e um dos maiores representantes atuais dos e-sports brasileiros. Na conversa com Nobru, Anitta explicou o que a motivou a se tornar gamer. “Eu desconhecia o tamanho deste cenário, fui apresentada a ele pela Uma Dani, youtuber e minha amiga, e depois fui orientada por meus empresários internacionais que jogar seria uma forma importante de engajamento com novas gerações”, afirmou.

O campeão de Free Fire Nobru no Pacaembu, onde a BBL, em parceria com a Allegra, criará uma arena de Battle Royale

Anitta reforçou que, com o ritmo de viagens restrito em função da pandemia nos próximos meses, a divulgação internacional de seu trabalho poderia ser facilitada pelos games. Esse mesmo valor dado à cantora aos games como forma de engajamento, é também o que tem levado as marcas a olharem ainda mais para essa indústria. E durante a pandemia, novas marcas se associaram ao cenário ou reforçaram sua presença. Em julho, a Vivo renovou seu contrato com a equipe de e-sports Keyd. A telco apoia o time desde 2014 nas modalidades CS:GO, Free Fire e League of Legends em um acordo que dá direito a naming rights e exposição nas comunicações relacionadas ao clube.

Marina Daineze, diretora de imagem e comunicação da Vivo, diz que, neste período de seis anos apoiando a Keyd, a marca buscou entender e conhecer melhor a realidade dos gamers, desmistificar este universo e realizar ações relevantes. “Através da Keyd, conseguimos chancelar o produto Vivo Fibra como opção em internet para o público gamer e tangibilizar os atributos de inovação, tecnologia e modernidade da marca”, afirma. Já a TIM, renovou seu contrato com a paiN Gaming por mais um ano. “Sabemos da importância que os jogos online adquiriram, especialmente durante o período de distanciamento social. É um mercado que não para de crescer e queremos fazer parte dele, junto de uma das equipes mais prestigiadas do cenário de e-sports e destacando nosso produto mais alinhado a esse universo: a ultra banda larga fixa”, explica Denis Ferreira, diretor da Unidade Residencial da TIM Brasil.

Com o patrocínio renovado da Coca-Cola, a paiN Gaming é um dos cases de marketing do segmento

Os aprendizados das não endêmicas
A Gillette foi uma das primeiras marcas não-endêmicas, ou seja, que não é do universo de esportes eletrônicos, que passou a investir no segmento. No fim de 2016 e início de 2017, a companhia, junto com suas agências Ketchum e Grey, organizou a Batalha de precisão, um projeto que levou dois pró-players, BrTT e o YoDa, ao Intel Extreme Masters (IEM) Katowice, torneio de Counter-Strike: Global Offensive (CS:Go), realizado na Polônia. Segundo Bruno Martins, gerente de marketing da Gillette, a ação pontual foi o pontapé da marca para continuar construindo ações nesse ecossistema. “O principal aprendizado que tivemos ali foi entender o linguajar do que está sendo comunicado e como está sendo repercutido que o que você está comunicando como marca”, conta Martins.

Apesar de ser uma empresa conhecida por sua conexão com o esporte, principalmente o futebol, a Gillette não tinha essa relação com os e-sports e, de acordo com seu gerente de marketing, a companhia teve que ter humildade para pedir licença para entrar nesse território. “Esse foi um segundo aprendizado que tivemos. Como uma marca não-endêmica poderia falar com esse público de maneira igual e permitir que o público reconhecesse que Gillette estava ali também para aprender, suportar e ajudar a fomentar cada vez mais o território de e-sports no Brasil”, comenta Martins, reforçando que suportar o segmento é o foco da empresa até hoje.

Outra marca não endêmica que acumula experiência no universo de games e e-sports é a Mastercard. A primeira iniciativa neste território foi a parceria global que firmou com a Riot Games, desenvolvedora do jogo League of Legends, em 2018, quando se tornou a marca exclusiva de pagamentos nos eventos da modalidade. Em seguida, a companhia se tornou patrocinadora oficial do CBLoL. De acordo com Sarah Buchwitz, vice-presidente de marketing e comunicação da Mastercard Brasil e Cone Sul, um dos aprendizados da marca durante este tempo foi focar sua estratégia nos fãs de games e nas histórias que eles carregam. “Uma torcida engajada, por exemplo, torna o espetáculo muito mais interessante, assim como um parceiro que consegue fazer nossas entregas de marca terem conexão com sua audiência de maneira natural”, afirma a VP de marketing.

Cocriação e relevância
Um dos desafios das marcas não-endêmicas ao entrar no universo dos jogos eletrônicos é gerar engajamento espontâneo. Logo, para tentar alcançar esse feito, Sarah revela que a Mastercard aposta na cocriação entre patrocinador, patrocinado e agência. “Um trabalho feito a seis mãos tem um grande potencial de ser um sucesso, além de conectar consumidor e marca de maneira autêntica e genuína”, afirma a VP.

Outro ponto importante levado em consideração pela Mastercard são as necessidades e anseios dos consumidores. Um dos grandes objetivos da empresa em investir nos games é trazer usuários mais jovens para a sua base. “Nossa estratégia de marca é basear patrocínios e ações nas paixões de nosso consumidor e criar laços genuínos com a comunidade gamer”, comenta Sarah. Um exemplo disso, são ações da marca que geram conversas, como o embate entre os pró-players, Kami e YoDa, durante a transmissão beneficente Mid-Season Streamathon, em junho, que transmitiu 48 horas seguidas de partidas com o objetivo de levantar fundos para o combate à Covid-19 e a ação Champions Masks, em que cosplayers produziram máscaras de proteção estilizadas durante a mesma transmissão.
A escuta ativa também faz parte da estratégia da Gillette. “Escutá-los nos ajuda a criar, validar hipóteses e ideias de projetos que temos, porque, às vezes, podem ser muito legais para nós, mas quando vamos executar, pode ser um projeto que não funcionará”, comenta Bruno Martins. Ainda segundo o executivo, a Gillette tem uma equipe de consumer relations somente para escutar o que os fãs dos e-sports estão falando nas redes socais.

Um exemplo de um projeto que nasceu da escuta ativa da Gillette foi a campanha “Barbear Lendário”, que trouxe de volta o pró-player Kami como embaixador da marca e a promoção Legends Experience lançada no primeiro trimestre do ano. “Ambos projetos, que na verdade são uma única campanha, foram criados a oito mãos. Eles vieram como consumer insights para as plataformas digitais, a partir daí, as nossas agências Ketchum e Grey lapidaram esse social listening e começaram a ter algumas ideias com a marca”, revela o gerente.

A Claro desenvolveu um serviço e uma plataforma direcionada aos gamers

Outra marca que já está há algum tempo investindo no universo de e-sports é a Claro. Em 2019, a companhia lançou, em parceria com a BBL, holding especializada em games, o Claro Gaming, plataforma que reúne serviços de conectividade fixa e móvel além de atendimento especializado e experiência para jogadores e fãs. “Quando começamos a olhar para esse segmento, buscamos entender quem eram as empresas e quem mais conhecia desse assunto. Fizemos, de fato, uma imersão nesse segmento. Nos associamos a BBL, que é uma empresa que desenvolve os campeonatos, que tem essa relação mais próxima com publishers e jogadores”, comenta Fábio Nahoum, diretor de marketing, produtos, combos e ofertas da Claro.

Segundo o executivo, o desenvolvimento da plataforma foi desenhado em conjunto com os gamers, para ser uma plataforma de gamer para gamer. “O que buscamos fazer pós-lançamento foi manter exatamente essa premissa básica de ter um diálogo constante com o jogador”, reforça Nahoum, destacando a necessidade de atualização constante das estratégias. “Se pegar o Claro Gaming que lançamos em agosto do ano passado e olhar o Claro Gaming hoje, fizemos uma série de adaptações, pegando esse feedback dos clientes”, completa.

Equipe da Vivo Keyd reforçou a parceria que mantinha com a Vivo desde 2014

Em junho deste ano, durante período de quarentena, o banco digital, BS2, anunciou o patrocínio a duas equipes profissionais de e-sports, a Vivo Keyd e a paiN Gaming. Porém essa não foi a primeira vez que o banco investiu no setor, em 2019, foi patrocinador do time de e-sports do Flamengo. Segundo Luis Moura, coordenador de marketing do Banco BS2, a parceria com o time rubro negro proporcionou diversos aprendizados à marca, que estão sendo levados para a parceria com a Vivo Keyd e a paiN Gaming. “O maior deles foi conhecer quais os desafios este mercado atravessa e conseguir com nossas soluções, imagem e ações e colaborar pelo desenvolvimento do cenário”, completa.

Além do caso da cantora Anitta, outro marco do setor de games e e-sports na pandemia foi o evento de música de Travis Scott, rapper norte americano, dentro do jogo Fortnite, que aconteceu no dia 23 de abril. “O Fortnite conseguiu misturar música, entretenimento e show. Isso foi um alerta para o mercado”, comenta Claudio Lima, chief creative officer (CCO) da agência Cheil. Seguindo esse exemplo de integração de música e gaming, o DJ brasileiro Alok transmitiu uma live dentro do jogo Free Fire. “O isolamento está acelerando essa integração, essa sinergia do game com as outras plataformas, com os outros segmentos e acredito que isso é super positivo”, opina Nahoum, da Claro.

Jornalismo profissional

Branca Galdino, fundadora da N9ne, agência de PR especializada em e-sports (esquerda), Barbara Gutierrez, editora-chefe do Versus e IGN Brasil (direita), e Luiz Queiroga, jornalista especializado em e-sports

Com a expansão dos torneios e uma evolução da indústria em estruturas cada vez mais profissionais, outra parte importante desse ecossistema também vem crescendo: a mídia especializada em e-sports. Plataformas como Globo e-sports, ESPN, Versus, The Enemy e outros veículos de imprensa lidam com uma oferta cada vez maior de campeonatos e histórias a serem contadas. Branca Galdino, fundadora da N9ne, agência de PR especializada em games e e-sports, explica que neste cenário, o influenciador não é o tradicional youtuber que faz conteúdo e já nasceu habituado com uma câmera. “Ele é um jogador profissional, ou um streamer, que começou sua carreira devido a sua habilidade dentro do jogo. Neste contexto, o suporte de PR é fazer esta pessoa se relacionar com a imprensa, mercado, mantendo sua imagem e conquistando novas oportunidades. E o maior desafio é fazer esta pessoa entender que precisa se profissionalizar, que mesmo tendo bastante sucesso financeiro, isso não garante que ela possa sair por aí postando qualquer coisa em suas redes sociais.” Barbara Gutierrez, editora-chefe do Versus e IGN Brasil, destaca que existe uma demanda natural de profissionalizar o ecossistema, sobretudo, porque é um ambiente que lida com a paixão dos fãs. “Ainda vemos muita rejeição do público quanto às informações de jornalistas, com a concepção errônea de que aquele profissional quer ‘corromper’ a imagem de um clube ou jogador – nosso trabalho aqui é somente trazer o que acontece dentro do cenário, e não ‘falar bem’ ou ‘falar mal’ de nomes específicos”, pontua Barbara ressaltando que o que ela observa nos e-sports “é uma grande mistura entre a cobertura jornalística de esportes, entretenimento (junto a cinema e música), mercado financeiro e jogos.” Luiz Gustavo Queiroga, jornalista especializado em games e e-sports, ressalta que a evolução desse ecossistema do ponto de vista da mídia especializada ainda se dá a passos lentos. “Talvez seja algo natural já que o cenário de esportes eletrônicos ainda é muito recente, o que provoca algumas leituras necessárias. Primeiro, não temos ainda uma vasta presença de grandes redações no meio – principalmente de veículos tradicionais. Isso faz diferença, pois aqueles profissionais seguirão um alinhamento editorial já estabelecido dentro daquele veículo.”

O futuro dos e-sports
De acordo com dados da consultoria NewZoo, o segmento de games eletrônicos deve crescer 9% ao ano até 2023 e, em 2020, movimentar US$ 159 bilhões, com 2,7 bilhões de jogadores em todo o mundo sendo o Brasil um dos principais mercados. “Os dados do setor se mostram bastante promissores e as empresas da área, por serem nativas digitais, se mostram muito abertas a ações em diferentes plataformas, o que é considerado um fator decisivo na hora de escolher onde alocar as verbas”, comenta Sarah Buchwitz, vice-presidente de marketing e comunicação Mastercard Brasil e Cone Sul.

Este é um segmento que tem um crescimento constante. Segundo o CCO da Cheil, 2019 foi um ano de descoberta das marcas sobre o ecossistema gamer e este ano está sendo propício para a massificação. “Explodiu, virou uma coisa super grande, mas agora precisamos da manutenção, mais do que qualquer coisa. O principal ponto para os e-sports agora é manter esse nível de atenção”, afirma Lima. Para ele, é preciso tratar games e e-sports como uma mídia, para que agências e marcas se coloquem onde o gamer está sem que atrapalhe ou pareça algo forçado. “Assim que as marcas começarem a achar qual é o papel da publicidade dentro do game, de um jeito natural e orgânico, vamos ver outras marcas chegarem.

Ainda segundo o executivo, as marcas não endêmicas precisam ir além do storytelling e apostar em mensagens mais diretas a vendas. “É um público consumidor e com poder aquisitivo. Isso é uma coisa que as marcas não endêmicas têm que entender e começar a explorar também, não só como um cenário para contar histórias e gerar brand awareness, mas com mecânicas de vendas, promoções e elementos que estimulem ainda mais esse consumo engajado”, reforça Lima.

Do nicho ao mainstream

Bruna Soares, diretora de desenvolvimento de negócios e parcerias estratégicas da Ubisoft Brasil

Apesar do papel do fã e do poder de comunidade dos games, muito do trabalho de publishers e desenvolvedoras está em criar estratégias que levem os games ao mainstrem. E esse é um dos objetivos da Ubisoft, dona de franquias emblemáticas como Rainbow Sux, Just Dance e Assassin´s Creed. A empresa lançou, em julho, um “Criative hub” para auxiliar marcas não endêmicas nas parcerias. Essa divisão trabalha próxima de potenciais parceiros para aproximá-los do universo dos games e mostrar como explorar esse universo. Bruna Soares, diretora de desenvolvimento de negócios e parcerias estratégicas da Ubisoft Brasil, explica que as relações entre marcas não-endêmicas e o universo dos games estão em constante evolução e já vivem um momento extremamente fértil. “Os gamers de hoje têm idade média de cerca de 36 anos e são financeiramente ativos. Este cenário contribui diretamente para que o segmento de jogos eletrônicos, que há alguns anos já é de longe a maior indústria do entretenimento, se tornasse um alvo natural dos investimentos de marketing das empresas de outras áreas. Com interatividade e transparência para os anunciantes, esse é só o começo de uma relação cada vez mais consolidada”, explica. Ainda de acordo com Bruna, as empresas deste universo, donas dos conteúdos, também podem oferecer aos parceiros projetos totalmente disruptivos, com incontáveis possibilidades. “Seja para investir em um campeonato, fazer um acordo de licenciamento, promoções, parcerias ou qualquer tipo de interação, o importante é entrar no projeto com um propósito muito bem definido.”

 

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