Eleição de Bolsonaro marca mudança no marketing político
Para especialistas, prioridade às plataformas digitais e uso estratégico de mídia tradicional espontânea foram determinantes para vitória de candidato do PSL
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Igor Ribeiro
28 de outubro de 2018 - 20h42
Com 55,13% dos votos válidos, Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da república neste domingo, dia 28, após uma corrida eleitoral com fatos inesperados. Entre os diversos fatores inéditos, destacam-se as novas regras sobre financiamento de campanha e o uso de meios digitais, principalmente no que tange à disseminação e controle de fake news. Se numa primeira análise esse contexto pode passar a mensagem de que o papel da comunicação na campanha foi diminuído – principalmente pela redução nas verbas e no tempo de TV –, para muitos analistas o marketing político sai fortalecido do processo, justamente por ter ajudado a construir a candidatura de Bolsonaro com poucos ativos tradicionais.
“Essa campanha teve muitas peculiaridades, mas provou mais do que nunca que o marketing político ganhou vida”, diz Átila Francucci, vice-presidente de criação da Nova/SB. Para ele, que até recentemente estava licenciado da agência para cuidar da campanha à presidência de Geraldo Alckmin (PSDB), o pleito deste ano afasta de vez a ideia de “marqueteiro político, aquela figura que num primeiro momento é mais pessoa física do que jurídica”, disse, referindo-se aos profissionais que, não raro, eram tão estrelados quanto os próprios candidatos.
“Nesta campanha, se todos os adversários tivessem iniciado o trabalho com uma antecipação muito maior do que a época de campanha em televisão, que neste ano foi muito mais curta, talvez tivesse sido mais concorrido”, avalia Francucci. “O único que reconheceu isso antes, mesmo que tenha iniciado basicamente nas redes sociais, foi o próprio Bolsonaro, ainda em 2014.”
O WhatsApp foi eleito?
Não há unanimidade sobre o quanto as redes sociais se destacaram na comparação com a televisão. Há quem acredite que o poder das redes foi subestimado, principalmente a do WhatsApp, o que pode ter impactado todos os adversários, exceto o ganhador. “Hoje o povo tem muitos recursos de mídia além da TV, recebendo informações a todo momento”, diz Fernando Barros, presidente da Propeg e chairman do Grupo PPG. Ele também esteve afastado da agência recentemente, para trabalhar no marketing das campanhas de César Maia (DEM) no Rio de Janeiro para o senado, que perdeu, e as de governador de Paulo Câmara (PSB) em Pernambuco e Ratinho Junior (PSD) no Paraná, ambos eleitos no primeiro turno. “Estava escrito nas estrelas: as plataformas de mídia não se resumem à telinha de TV. Tem influência, claro, mas também o celular, a TV paga e todas as outras coisas que o eleitor recebe no decorrer do dia”, acrescenta o publicitário.
Uma pesquisa do Datafolha sobre a relação do eleitorado de cada candidato com redes sociais, publicada às vésperas do primeiro turno, mostrou Bolsonaro em destaque na maioria dos quesitos, às vezes atrás somente de João Amoêdo (Novo), cujo eleitorado era concentrado na classe AB. O Facebook era usado por 57% dos eleitores de Bolsonaro, contra 40% de Haddad, por exemplo. No WhatsApp, o candidato do PSL se comunicava com 61% de seu eleitorado, contra 38% do concorrente do PT. O presidente eleito tinha a maior base que compartilhava conteúdo sobre política e eleições, em ambas as plataformas, entre todos os candidatos: 31% no Facebook e 40% no WhatsApp (Haddad com 21% e 22%, respectivamente). Um levantamento da Socialbakers, plataforma de análise e gestão de plataformas digitais, mostra que Bolsonaro saiu de 6,9 milhões de seguidores (Facebook, Twitter, YouTube e Instagram) em janeiro de 2018 para 17,1 milhões em outubro. No mesmo período, Haddad foi de 742 mil para 3,4 milhões.Apesar disso, Ferrari observa que as movimentações nas plataformas sociais ocorreram, segundo os estudos da Social Data, quase sempre a reboque de conteúdos veiculados na grande mídia. “Ficou evidente na análise que as mídias tradicionais tiveram peso, definiram a conversa das redes sociais, mas também ajudaram a construir o capital midiático dos candidatos, deram exposição a eles”, avalia. “Esse olhar de que a TV não funcionou costuma estar direcionado ao horário político, pois o que tinha mais tempo de TV não se refletiu em votos. Se não tem a comunicação adequada, pode ter todo o tempo de televisão do planeta que não vai resolver. A questão é conteúdo.”
Francucci lembra que o atentado à facada sofrido por Bolsonaro deu muito tempo em televisão para o candidato. “O mais precioso não é o break nem o horário obrigatório, que era disputado por senadores, deputados e outros candidatos. Ele estava no editorial e vitimizado pela facada, então a rejeição ao Bolsonaro, que era alta, começou a cair”, afirma, O publicitário lembra ainda que apesar da mídia espontânea, a estratégia reclusa no segundo turno, evitando aparecer em debates, quase se demonstrou nociva, já que Haddad começou a subir nas pesquisas na reta final.
Bolsonaro não teve a figura tradicional de um profissional de marketing conhecido durante a campanha. Familiares, o presidente do PSL Gustavo Bebianno e consultores colaboraram para a campanha. Algumas agências de marketing digital, como a 9ideias, AM4 e Yacows trabalharam plataformas e foram inclusive alvo de denúncias envolvendo disparo pago por empresários (proibido por lei). Steve Bannon, consultor de Donald Trump e de diversos políticos conservadores europeus, chegou a se encontrar com Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente eleito, mas ambos negam que uma agenda oficial tenha sido estabelecida.
Apesar da aparente informalidade, a comunicação de Bolsonaro foi construída profissionalmente e será um case a ser estudado. “O marketing político precisa de estratégia, mas também de criatividade, pois o digital é, como a TV e o rádio, mais uma plataforma”, diz Fernando Barros. “Se houver um candidato que o eleitorado não quer, o marketing não vai fazer milagre.” Na opinião do publicitário, o que muda basicamente é a entrada de profissionais mais focados em ferramentas do marketing real, que já se mostraram produtivas, e a saída de cena de profissionais que se destacavam por usar o marketing político para se vender como milagreiros. “Era algo desonesto, um raciocínio atrasado e preguiçoso”, afirma.
Flávio Ferrari endossa: “O marketing reforçou sua importância, mas precisa se renovar para conhecer as ferramentas disponíveis para operar uma campanha e conhecer melhor as demandas da sociedade”. Segundo ele, há duas demandas básicas que voltam a ser valorizadas e podem até mesmo partir de profissionais e consultores diferentes: o posicionamento e a execução. “Entender o candidato e definir o que será importante na estratégia política, o que é mais importante de comunicar, qual é a linguagem em cada um dos pontos de contato com o potencial eleitor: isso é posicionamento. Na prática isso não mudou conceitualmente”, fala Ferrari. “Mas hoje tem um leque de ferramentas muito maior para estabelecer pontos de contatos com o consumidor, então é preciso transformar esse planejamento de comunicação em uma estratégia transmídia, já que cada um desses pontos exige características próprias na distribuição das mensagens ao eleitor.”
Além de ressaltar novamente que tempo de campanha segue sendo importante, Átila Francucci afirma que “é preciso que as plataformas, o próprio WhatsApp e outros profissionais estudem como esse movimento se comporta como veículo de comunicação”. Em tempos nos quais o primeiro pronunciamento à nação do presidente eleito, ainda antes de falar a rádios e televisão, foi numa live no Facebook, essa mensagem parece ter ficado bastante clara.
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