Amazon e Netflix: enfim, juntas
Unidas não pelo casamento, e sim pelo divórcio dos dois protagonistas de suas principais produções, as empresas são atropeladas pelo tsunami de assédio sexual de Hollywood
Unidas não pelo casamento, e sim pelo divórcio dos dois protagonistas de suas principais produções, as empresas são atropeladas pelo tsunami de assédio sexual de Hollywood
Sergio Damasceno Silva
22 de novembro de 2017 - 10h08
Era 2012 e ninguém (no mundo) deu muita bola para Lilyhammer, originalmente uma série de TV cuja primeira temporada foi ao ar na Noruega pelo canal público NRK. No mesmo ano, a Netflix adquiriu os direitos de Lilyhammer e, na segunda temporada, tornou-se coprodutora do programa. Foi, portanto, a primeira produção original da Netflix, cancelada na terceira temporada, em 2015.
Mas, foi em 2013 que aconteceu o pulo do gato netflixiano: o serviço de streaming estrearia, pela primeira vez, numa inovação de oferta, o formato binge watching (ver a temporada inteira em maratona imersiva de oito, 12 ou 16 horas, conforme a série). Isso aconteceu com House of Cards, segunda série produzida pela empresa e que a consolidaria tanto como serviço premium de vídeo on demand quanto como produtora de conteúdo exclusivo. House of Cards foi desenvolvida, originalmente, como minissérie britânica homônima, de apenas quatro episódios, exibida pela BBC em 1990. Nos Estados Unidos, pelas mãos da Netflix, se tornaria uma das séries de maior sucesso, com cinco temporadas, até maio deste ano, e uma sexta temporada que, por ora, está em suspenso. A versão americana é estrelada e produzida por Kevin Spacey, imediatamente desligado da Netflix após a denúncia de mais de uma dezena de acusações de assédio sexual.
Com vários Emmy e Globos de Ouro emplacados, House of Cards, no entanto, já estava no final da vida útil antes mesmo do escândalo protagonizado por Kevin Spacey, detentor de dois Oscar, vir à tona. Um dia antes das denúncias contra o ator começarem, a Netflix havia anunciado a sexta temporada e, concomitantemente, o fim da série. No dia da denúncia, a Netflix e a produtora independente Media Rights Capital, que coproduz House, decidiram interromper as gravações da sexta temporada, já iniciadas, mas sem a presença do protagonista. “A Netflix e a MRC decidiram suspender a produção da sexta temporada de House of cards sem previsão de retorno, para dar tempo de rever a situação atual e de lidar com qualquer preocupação do elenco e da equipe”, informaram as empresas em nota compartilhada. O intérprete do político inescrupuloso Frank Underwood foi acusado de, enquanto bêbado, tentar relações sexuais com (Anthony) Rapp (que estrela Star Trek: Discovery) durante uma festa. Kevin se desculpou e aproveitou a oportunidade para se assumir gay publicamente – mas a revelação foi criticada por associar a homossexualidade a um ato de pedofilia.
O Emmy Awards, principal entidade associada à televisão norte-americana, se posicionou sobre o escândalo sexual e cancelou a homenagem honorária prevista para festejar a extensa e bem-sucedida carreira do ator de Hollywood. “A Academia Internacional anunciou que, em face dos eventos recentes, não vai homenagear Kevin Spacey com o International Emmy Founders Award 2017”, expressou, em comunicado.
Transparência… em termos
Em 2014, a série Transparent começaria uma trajetória ascendente que colocaria o Amazon Prime Video entre concorrentes de peso do vídeo on demand. Estrelada por Jeffrey Tambor, a série estreou a quarta temporada em setembro deste ano e os produtores já haviam confirmado a quinta temporada. No entanto, assim como aconteceu com Kevin Spacey, de House of Cards, o protagonista Jeffrey Tambor foi acusado pela assistente trans que trabalhou com ele vários anos e também por uma atriz que participou da segunda temporada de Transparent de assédio sexual. Ao negar a denúncia, no entanto, o ator decidiu se desligar do seriado. Em comunicado, disse: “Viver Maura Pfefferman em Transparent foi um dos maiores privilégios criativos da minha vida. O que ficou claro nas últimas semanas é que esse não é mais o trabalho que me comprometi a fazer há quatro anos. Eu já deixei claro meu profundo arrependimento se alguma atitude minha foi vista como agressiva por alguém, mas a ideia de que eu assediaria alguém por vontade própria é completamente falsa. Dado o clima político que acometeu nosso set, não posso ver nenhuma maneira de retornar a Transparent.”
Transparent, em 2014, foi eleita uma das dez melhores séries daquele ano pelo American Film Institute (AFI). O seriado aborda uma família, em Los Angeles, que se vê desestruturada quando o pai, Mort, vivido pelo ator Jeffrey Tambor), revela que é transexual e passa a atender pelo nome Maura. A partir de então, sua ex-mulher e os três filhos reagem de formas diferentes e percebem que esse fato os faz reavaliarem suas ideologias e decisões. A criadora de Transparent, Jill Soloway, assumiu ser travesti em 2011, mas a série não é autobiográfica. O programa venceu o Globo de Ouro 2015 de Melhor Série de Comédia ou Musical e Ator de Comédia ou Musical, para Jeffrey Tambor. Também no Emmy 2015, a atração faturou os prêmios de Melhor Ator de Série de Comédia (Jeffrey Tambor) e Ator Convidado de Série de Comédia (Bradley Whitford). E, em 2016, foi indicada ao Globo de Ouro 2016 nas categorias Melhor Série de Comédia, Ator (Jeffrey Tambor) e Atriz Coadjuvante (Judith Light).
Amazon Prime
O serviço da Amazon estreou nos Estados Unidos em 7 de setembro de 2006, como Amazon Unbox. Em 4 de setembro de 2008, o serviço foi rebatizado para Amazon Video on Demand. Em 22 de fevereiro de 2011, se tornaria Amazon Instant Video, já com acervo de cinco mil filmes e programas de TV para membros Amazon Prime. O serviço Prime, oferecido há 12 anos no mercado norte-americano, tinha, segundo projeções (não confirmadas pela Amazon), 40 milhões de membros apenas nos Estados Unidos. O Amazon Prime oferece frete grátis ilimitado com entrega em até dois dias para mais de 20 milhões de itens naquele país. E também oferece streaming ilimitado de dezenas de milhares de filmes e episódios de TV, mais de um milhão de músicas, acesso a ofertas em primeira mão e empréstimo de mais de 800 mil livros para os portadores do e-reader Kindle, entre outros benefícios, a uma assinatura de US$ 99 ao ano.
Em 4 de Setembro de 2012, Amazon assinou um acordo com o canal de TV paga Epix como reforço na produção de filmes para o seu serviço de streaming, em um movimento para rivalizar com a concorrente Netflix. No final de 2013, estrearia as comédias Alpha House e Betas, séries originais disponíveis exclusivamente no serviço de Instant Video Prime. Na ocasião, a Amazon ofereceu os três primeiros episódios de ambas as séries de uma só vez de forma gratuita, com cada episódio subsequente lançado semanalmente para os membros Prime. Em janeiro de 2015, Transparent tornou-se a primeira série produzida pela Amazon Studios a ganhar um grande prêmio e a primeira série de um serviço de streaming de vídeo a ganhar o Globo de Ouro para Melhor Série de Televisão – Comédia ou Musical. Em setembro do mesmo ano, a palavra “Instant” foi retirada do serviço, que ficaria simplesmente como Amazon Prime Video.
Unidas pelo escândalo
A ironia é que Amazon e Netflix, que despontaram como fortes players do vídeo on demand, em meio a outras empresas norte-americanas como Hulu (joint venture da NBC Universal, News Corporation, Providence Equity Partners e The Walt Disney Company), HBO Go, Fox Premium e outros similares, estejam no mesmo barco ao mesmo tempo, unidas num escândalo que nem a ficção mais criativa imaginou. E que, quase simultaneamente, ambas se veem enredadas em roteiros tão complexos quanto as respectivas séries protagonizadas pelas estrelas Kevin Spacey e Jeffrey Tambor.
Ambas as empresas e produtores das séries House of Cards e Transparent já comunicaram ao mercado e aos assinantes de Netflix e Amazon Prime Video que as séries seguirão com a sexta e quinta temporadas, respectivamente. Por ora, são especulações. E nada garante que outros players de conteúdo venham a ter os mesmos problemas ora enfrentados por ambas as empresas.
Desde as primeiras denúncias contra o produtor Harvey Weinstein, a lista cresce a cada dia e extrapola a produção hollywoodiana. Além dos atores já citados, Kevin Spacey e Jeffrey Tambor, também foram denunciados: o comediante Louis C.K (com projetos na própria Netflix, HBO e FX), o ator Ed Westwick (de Gossip Girl), o diretor Brett Ratner (X-Men: O confronto final e A hora do rush), o produtor Mark Schwahn (de One tree hill), o também produtor Andrew Kreisberg (de Supergirl), o ator Steven Seagal, o criador e produtor de Mad Men, Matthew Weiner.
Nesta semana, por exemplo, já engrossa a lista o apresentador norte-americano Charlie Rose, dos canais CBS e PBS. Em agosto, a Fox News demitiu o âncora Bill O’Reilly pelo mesmo motivo.
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