“O empresário impulsionou o comunicador”, diz biógrafo de Silvio Santos
Jornalista e escritor Mauricio Stycer pontua que talento para os negócios fez com que o comunicador descobrisse na TV a melhor vitrine para vender seus produtos ao público
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Bárbara Sacchitiello
19 de agosto de 2024 - 6h01
“Silvio Santos não é apenas o apresentador de televisão mais popular que a cultura brasileira já conheceu. É também um talentoso empresário, tão sagaz na administração de seus muitos negócios quanto nas alianças políticas que soube costurar por toda a vida”.
É dessa maneira que a obra Topa Tudo por Dinheiro – As Muitas Faces do Empresário Silvio Santos, escrita pelo jornalista Mauricio Stycer e publicada em 2018, resume o tino para os negócios do fundador do SBT, que morreu na madrugada de sábado, 17, em São Paulo, aos 93 anos.
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Especialista em acompanhar e cobrir o universo de televisão, Stycer decidiu mergulhar de forma mais aprofundada nos negócios que Silvio construiu, ao longo de décadas, e que o projetaram como um dos empresários de mídia mais bem-sucedidos do País.
Questionado sobre as diferenças entre o apresentador dos palcos e do homem de negócios dos bastidores, Stycer admite que os dois sempre caminharam juntos. Porém, arrisca a dizer que o empresário nasceu antes. “Se tivesse que responder ‘quem nasceu primeiro’, diria que o empresário impulsionou o comunicador”, diz o biógrafo, em entrevista ao Meio & Mensagem.
O escritor também chama a atenção para a maneira como Silvio Santos tornou até as ações de merchandising e ações comerciais parte do entretenimento, a ponto de o público não se incomodar com os anúncios que ele frequentemente fazia em seus programas.
Já no âmbito do comunicador, o jornalista acredita que a morte de Silvio também encerra a era dos apresentadores de ‘improviso’, em que o caos, mais do que a ordem, era a grande atração para o público. Veja:
Meio & Mensagem: Seu livro, Topa Tudo por Dinheiro, foca no lado empresário de Silvio Santos. Em sua opinião, havia diferença entre o Silvio ‘comunicador’ e o Silvio ‘empresário’? Um deles era maior do que outro?
Mauricio Stycer: Lembro de uma frase, dita por ele ainda na década de 1960, quando ele tinha comprado horário na TV Paulista, de que ele só estava na televisão porque ali era a melhor forma para vender seus produtos. Ele gostava de televisão, se encantou por aquilo, mas a primeira coisa, para ele, era o Baú. Era aquilo que o motivava e, motivava e, como ele já havia feito isso no rádio, ele percebeu que a televisão era a melhor plataforma para ele vender o Baú. A partir daí, sim, ele desenvolveu todo aquele talento espetacular como comunicador. Na verdade, o ‘comunicador’ e o ‘empresário’ se cruzam o tempo todo: o empresário, com aquela visão de negócios enorme, e o comunicador, que percebe que não tem ninguém melhor do que ele mesmo, em sua própria TV, para vender o produto dele. Por isso que ele batalhou tanto para ter seu próprio canal e, depois que ele conquistou a TVS, no Rio de Janeiro, ele amadureceu a ideia de que, melhor do que ter um horário, era ter uma TV. O empresário e apresentador caminham juntos, o tempo todo, mas, se tivesse que responder à pergunta de ‘quem nasceu primeiro’, diria que foi o empresário que impulsionou o comunicador.
M&M: Silvio usou a mídia para popularizar seus próprios negócios. De que maneira isso acabou definindo o estilo dele e da mídia nacional?
Stycer: Ele sempre fez isso muito bem e era raro alguém reclamar. Hoje, vemos muitas pessoas reclamarem, por exemplo, quando aparece uma ação de merchandising em uma novela, como se aquilo fosse um incômodo. Mas o Silvio sempre fez o merchan dele, e sempre de um jeito tão tranquilo e com tanto talento na arte do entretenimento, que as pessoas não se incomodavam. Era uma coisa de talento mesmo. Ele usava a diversão para fazer propaganda e para mostrar seus produtos. Até que, um tempo depois, ele separou isso e escolheu o Luiz Ricardo [apresentador] para alguns quadros e ações dos comerciais, depois colocou as filhas dele nos programas comerciais. Mas ele sempre gostou de fazer isso e tinha uma sacada muito boa para esse trabalho.
M&M: Silvio sempre se orgulhou de sua origem como camelô e fez questão de sempre lembrar esse passado. De que maneira você acredita que essa essência de vendedor permaneceu nos negócios da mídia?
Stycer: Ele nunca deixou de ser um grande vendedor. Em todos os quadros que ele fazia, inclusive nos anos mais recentes, era possível ver que ele tinha prazer em ajudar as pessoas a ganhar prêmios. Ele queria que elas ganhassem, torcia pelos candidatos, tinha prazer naquilo. Aquela essência sempre esteve na veia dele.
M&M: O que você acha que Silvio deixa de legado principal como empresário e para a indústria da mídia e televisão?
Stycer: Acredito que o Silvio tenha arrumado a empresa (SBT). Ele fez uma boa transição, tanto na área de gestão, para a Daniela [Beyruti, atual vice-presidente e líder da emissora] como na tela, para a Patrícia [Abravanel, apresentadora do Programa Silvio Santos]. Já há alguns anos vêm acontecendo a transferência das concessões para as filhas e está tudo arrumado para que o SBT possa continuar. Claro que estamos em meio a muitas mudanças, com um mercado de comunicação muito agitado e muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. A nova gestão terá de ser sábia para conseguir navegar por esses mares, que não são tranquilos. Mas ele fez questão de deixar tudo preparado e combinado e, agora, a bola está com elas [as filhas].
M&M: Muito se falou, ao longo de todos esses anos, a respeito de como o Silvio Santos interferia na programação e em tudo no SBT. De que forma esse estilo dele ajudou a definir a própria identidade da emissora?
Stycer: Lembro que, quando comecei a usar as redes sociais, em 2008, já escrevia sobre TV e cobria esse universo, e fiquei surpreso com a percepção de que o SBT era uma emissora que tinha torcida. Isso foi algo chocante, porque não era como gostar de um programa e de acompanhar e torcer por ele, mas sim uma torcida pelo SBT. E acho que isso existe justamente pelo estilo do Silvio de comandar. Por aquelas coisas que ele fazia de, por exemplo, avisar que o filme iria começar só depois que a novela da Globo acabasse, de mudar a programação de acordo com a intuição dele. Ele sempre vendeu muito bem a ideia de o SBT ser uma emissora da família, da alegria, e isso não era falso, de forma nenhuma. Isso pode até ter, algumas vezes, atrapalhado de alguma forma a profissionalização do SBT, mas criou uma base muito fiel de fãs e de adoradores e isso é uma coisa única.
M&M: Silvio nunca gostava de dar entrevistas longas ou de se colocar no centro das atenções. Como foi o contato com ele para o seu livro? Ele conversou com você ou colaborou, de alguma forma, com a apuração?
Stycer: Na verdade ele deu entrevistas em vários momentos da carreira, principalmente mais no passado, quando ele precisou falar para a imprensa. Foi mais nos últimos anos que ele parou de falar publicamente. Inclusive, ele usou uma história muito boa como justificativa, que era a de que uma vidente, certa vez, disse que, se ele desse alguma entrevista, ele morreria. Penso que isso foi uma pilhéria dele! Ele não me deu entrevista para o livro, mas quando foi publicado [em 2018], o Silvio me ligou e foi muito generoso. Disse que havia muitas coisas das quais nem se lembrava mais e fez alguns apontamentos, que pretendo até incluir em uma segunda edição. Depois, no Troféu Imprensa daquele ano, ele fez uma grande propaganda do livro. Procurei ser bem crítico no livro, mas com muito respeito à figura dele, sem entrar em fofocas ou coisas do tipo. Acho que ele curtiu.
M&M: Você acha que, com a despedida de Silvio, também fica no passado aquela figura dos grandes comunicadores de TV? Ainda há espaço para os apresentadores na televisão do futuro?
Stycer: O Silvio teve algumas falas polêmicas nos últimos anos, não se adaptou a algumas mudanças e não conseguiu deixar uma imagem tão boa perante as gerações mais jovens. Mas, pensando no estilo dele como apresentador e aquilo que representou, aquela coisa do bom de humor, irreverência, de ser um mestre do improviso, acredito que não existirá mais. Existem bons apresentadores, como [Luciano] Huck, [Marcos] Mion, mas seus programas são muito certinhos, sem erros, muito ‘limpinhos’. Silvio Santos tinha erros e era justamente essa a graça. O Faustão também abria espaço para isso, assim como o Chacrinha. Mas, daquela maneira, acredito que não teremos mais.
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