Um mundo em interlúdio
As marcas como símbolo da ambivalência e de uma das transformações possíveis
As marcas como símbolo da ambivalência e de uma das transformações possíveis
Quando ouvi pela primeira vez o conceito de Alianças Afetivas, algo acendeu em mim. Criado pela liderança indígena Ailton Krenak, Alianças Afetivas, na minha visão, fala sobre alianças nas diferenças, nas incompletudes, fala sobre a nossa capacidade de encontro e mutabilidade sem nos perdemos de quem somos. É uma ideia que reconhece nosso estado de fazer coletivo, diverso e em constante evolução. E incentiva a nossa condição primeira de sermos afetados e afetarmos ao que está ao nosso redor. E, óbvio, fala de afetos, sensibilidade. Afetos em evolução e é sobre isso que quero falar hoje.
Existe algo acontecendo nesse momento que é grandioso, não só pelo tamanho da catástrofe ecológica iminente que estamos vivendo ou pelo tamanho do abismo entre ricos e pobres que se agiganta dia após dia, mas pela complexidade de transformações que estão acontecendo em nível individual e coletivo e que acompanham essas mudanças geológicas e sociais.
Vivemos um momento que podemos chamar de interlúdio, um tempo entre dois tempos. Um intervalo. Algo entre dois momentos históricos diferentes. Um espaço onde o velho e o novo disputam códigos, modos, linguagem, mentes e corpos. Como diria Antônio Gramsci, filósofo e escritor: “O velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer.”.
Nesse tempo do entre-tempo, em meio a essas disputas, existe uma presença incômoda da ambivalência. Uma presença que desafia a lógica da pureza absoluta, tão própria daquilo que chamamos na discussão racial de branquitude. Antes que você deixe esse texto pra lá, vou traduzir esse conceito aqui como um arranjo social que dá forma ao mundo em que vivemos hoje. A branquitude como sistema de poder que se impõe a todos, brancos, negros, amarelos, vermelhos e que fala sobre hierarquias – das mais diversas, universalismos, exploração e que marginaliza as diferenças e modos de existência outros. Dito isso, posso seguir adiante. Essa necessidade de pureza ou mesmo da existência de uma bondade absoluta, essa coisa que está aí nas suas entranhas e que te julga e, sim, te paralisa, e, sim, nos impede de caminhar na imperfeição na direção de um mundo mais bonito.
Não conheço, seja nas empresas ou no terceiro setor, alguém que não queira um mundo mais bonito. Ouso dizer que todo mundo com quem já conversei no mundo corporativo deseja contribuir para um mundo melhor. Daí você deve se perguntar: por que tem tanta marca fazendo merda no mundo, então? Essa é uma pergunta com muitas respostas. Eu vou abrir somente um dos caminhos aqui. O da paralisia.
Existe uma paralisia provocada em parte por essa lógica da pureza, em boa parte pela lógica da Separação que me faz acreditar que sou capaz de não afetar e não ser afetado por nada. Se não estou pronto, não posso fazer nada e o mundo vai esperar. Essa lógica é alimentada pelo medo do erro, da imperfeição, da insuficiência. E, óbvio, do julgamento do tribunal da internet. Se escondendo atrás de suas reputações e da fragilidade delas, as marcas se apequenam diante dos problemas sociais e ecológicos que (em boa parte) contribuem para reforçá-los.
Mas esse texto não é para ser sobre uma crítica às marcas. Não, meu trabalho como ativista é um convite à ação. Para que, sim, as marcas também ocupem seus lugares na luta por um mundo melhor a partir de suas incompletudes, insuficiências, vulnerabilidades e afetos.
Não existe marca perfeita (óbvio!), e eu trabalhando com Regeneração há alguns anos, também posso dizer que não existe uma marca 100% regenerativa, uma vez que existimos em um mundo degenerativo. O que existe é aquilo que é possível de ser feito hoje. A partir das condições e das ferramentas que possuímos. Em consonância com nossos sonhos, com nossa imaginação, com um encantamento dentro de nós que nos faz visionar futuros mais bonitos.
As marcas, assim como tudo que existe nesse planeta, são parte de uma teia maior que é feita de vida, de pessoas, pessoas tomando decisões, algumas orientadas pelo medo e outras pelo desejo de contribuir com a vida. Assim como Ailton, reforço esse chamamento, para que em suas ambivalências e diferenças todos assumamos cada dia mais nossos papéis na luta por justiça social e equilíbrio ecológico. É preciso assumir dentro e fora das empresas uma postura realmente voltada à ação e à geração de valor, não só para os stakeholders, mas para a sociedade e para as futuras gerações. E é preciso fazer isso enquanto lidamos também com os danos e com tudo aquilo que herdamos de quem veio no tempo de antes.
(*) Por equívoco, inicialmente este artigo havia sido publicado como sendo de autoria de Deh Bastos, da MAP Brasil.
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