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Opinião

Você se sente sozinho?

O problema com a solidão é que não existe uma estante com diferentes tipos de amigos para escolhermos de uma hora para outra


7 de outubro de 2019 - 14h30

(Crédito: Ponomariova/ iStock)

“Eu tô perdido/sem pai nem mãe/bem na porta da tua casa. Eu tô pedindo/só um pouquinho de proteção/a um maior abandonado”. Dessa e de mil outras formas Cazuza cantou sobre o sentir-se sozinho. Nesse refrão, podemos dizer que construiu a ideia de que somos todos “maiores abandonados”?

Segundo o psicanalista Winnicott, desde bebês exercitamos a capacidade de estar só, sem nos sentirmos desamparados. Primeiro, enquanto bebês, existimos em unidade com nossas mães, mas logo vivemos o exercício deste desprendimento e diferenciação. Para entender esse desafio basta prestar atenção nos bebês à sua volta e suas estratégias. Com chupetas, mantinhas e bonequinhos prediletos, procuramos tornar um pouco mais fácil este difícil caminho do eu/outro (dependente, protegido pela mãe) para eu/sozinho (livre, independente, autônomo). E, desde então, parece que continuamos, enquanto adultos, a viver essa relação de medo e desejo com a solidão.

No medo, está aquela sensação que todos temos frequentemente de que “tem algo acontecendo e eu estou perdendo” ou ainda no receio de estarmos somente com nós mesmos e isso não ser suportável ou não mais possível na sociedade atual. “Você sai de perto/eu penso em suicídio”, apresenta Cazuza no hit Solidão a dois.

Já o desejo pela solidão se cerca da ideia da onipotência, e autossuficiência, que cola facilmente no discurso contemporâneo das sociedades ocidentais, comunicado sem sutilezas por expressões como “salve-se quem puder” ou “cada um por si”. O fato é que não parece que conseguiremos escapar desta relação complexa com o tema.

Em muitos países, já se fala da ideia de uma epidemia de solidão. Não são poucos os fatos que, combinados, nos levam a essa direção. Basta pensar o quanto aumentaram, nos últimos anos, as famílias menores, as casas habitadas por uma só pessoa ou a longevidade. Em quantas pessoas você conhece que mudaram de cidade, de estado ou de país ou quantos amigos seus fazem home office mesmo trabalhando em empresas.

Estamos mais conectados do que nunca e com maior sentimento de solidão do que nunca. A tecnologia acaba sendo uma ilusão de companhia que nos faz repetir para nós mesmos o título do hit: “Solidão, que nada”. A questão é que a tecnologia através das redes sociais cumpre seu papel de facilitar nossa conexão e, com isso, diminui nossas dificuldades e nosso exercício de empatia, de interpretação, de estar com o outro. É a relação, sem a demanda de uma amizade real.

Daniel Goleman, em Inteligência social, já relata uma nova disciplina chamada “neurociência social”, destacando uma compreensão científica mais apurada sobre a dinâmica neural das nossas relações. Nosso cérebro é o único órgão do corpo que nos mantém em contínua sintonia com o estado interno das pessoas com as quais convivemos e, portanto, é influenciado por elas. Experiências repetidas esculpem a forma, o tamanho e o número de neurônios que temos. Ou seja, conviver diariamente por anos com pessoas que nos magoam, ou nos deixam bravas, ou com quem nos faz sentir bem e alegre, exerce em nós impactos sutis, porém, poderosos e duradouros.

Pesquisando sobre o assunto, encontrei também estudos interessantes realizados pelo psicólogo John Cacciopo, que nos alerta para o caminho que podemos estar percorrendo substituindo as relações reais (mais complexas e, portanto, mais enriquecedoras em nível neural e emocional) pelas virtuais. Ele faz um interessante paralelo: sede é um sinal do seu corpo de que você precisa procurar água, fome é o que nos alerta para ir até a geladeira e escolher alguma coisa para comer. O problema com a solidão é que não existe uma estante com diferentes tipos de amigos para escolhermos de uma hora para outra. É preciso tempo para encontrá-los e cultivá-los.

Porém, se parte do antídoto para o sentir-se só está na busca do outro, não podemos esquecer de que também passa por desenvolvermos nossa capacidade de convivermos com nós mesmos. Não me parece estranho o impulso “Vou pagar a conta do analista para nunca mais saber que em sou”. Vai dizer que você nunca se sentiu assim? Cazuza já me deixa aí uma pista para o próximo artigo.

*Crédito da foto no topo: Reprodução

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