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Opinião: a nostalgia envelhece

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Comunicação

Opinião: a nostalgia envelhece

Tá com saudade das fichas de telefone, fitas K-7 e do Odissey? Chorar, lamentar e buscar o passado é a maneira mais fácil de tornar-se irrelevante


18 de março de 2016 - 7h07

(Se você já leu a primeira parte na edição impressa ou tablet do Meio & Mensagem, role até a parte dois, mais abaixo)

Por André Kassu

Na minha época, tinha frango frito na hora do almoço, a banha de porco ficava na geladeira, não havia óleo de canola e a sobremesa era pudim de leite com furinhos e calda extra. Nos bons tempos, a televisão tinha poucos canais, saía do ar depois de um certo horário, o Bombril era na antena e o ajuste da horizontal era uma técnica. O futebol era na rua, parando os carros sem medo, arrancando o tampo do dedão no paralelepípedo, emulando a comemoração do Zico. Os prédios não tinham tantas grades, existia um sorvete feito de um líquido colorido dentro de uma garrafa de cabeça para baixo, você corria para pegar um saco de doces de São Cosme e Damião e torcia para ter mais maria-mole do que uma pipoca chamada “cocô de rato”. Áureos momentos esses em que você rebobinava fita K-7 na caneta, alugava pornô no VHS e o cabelo era mezzo parafina, mezzo New Wave Gel. O protetor solar era Hipoglós, as mães usavam um bronzeador suspeito que vinha numa almofadinha plástica e não havia preocupação com as pintas e manchas irregulares da pele. O pica-pau era maluco e sádico, o Mussum bebia em programa infantil, as pessoas fumavam dentro do avião, o Dumbo alucinava embriagado de champanhe e tinha um cigarro de chocolate nas melhores lojas do ramo. Rapaz, que tempo.

Você podia sustentar a família sem que ninguém cobrasse pelos videocases. O consumidor não reclamava porque era trabalhoso ir aos Correios, os haters estavam escondidos ou inertes. A gente podia fazer do nosso jeito, a mesa de compras não estava nem no rascunho, os almoços eram longos e fartos. Uma gravata colorida impunha respeito, os clientes não entravam na nossa seara porque era um terreno proibido e incompreensível para a maioria, a boca era nossa. Que saudades da Amélia e de não ter big data, retroplanejamento, jornada do consumidor, experts de funções que nem sabemos definir. Perdemos a mágica. De repente, vieram os MBAs, o marquetês, o storytellês, a busca do sentido. Chegaram mil questionamentos, exigência de porquês, o Roi (não o do Menudo). A gente teve que se virar com key visual, manifesto wannabe haicai, insights batidos em uma vitamina expressa da noite anterior. Estragaram a festa por completo. Ah, esses momentos que não voltam mais.

De volta à realidade. Não gosto muito de nostalgia para trabalho. Ela nos envelhece e ficamos presos a um momento que já foi. Bye-bye, so long, farewell. Olhando para os exemplos citados, tenho a plena sensação que mudamos quase sempre para melhor. Ganhamos mais do que perdemos. Evoluímos mais do que retrocedemos. Evito nostalgia profissional e a deixo separada para os vinis herdados, para alguns sabores da infância, para as lembranças das risadas agudas das minhas filhas, um Flamengo vitorioso, prédios sem grades e uma Copacabana que só era pura na minha memória.

Toco nesse assunto porque ouço muito o discurso de que o politicamente correto está nos matando, que o mundo está mais chato. Podemos combinar assim, então. Vamos nos livrar de tudo que mudou. Desliguem o WhatsApp, escondam o celular, esqueçam o streaming, o wi-fi. Compremos, pois, fichas de telefone, um Odissey para nos entreter e vamos correr para o cinema que não tem lugar marcado. Peguem os cartões de crédito sem chip, sem maquininha e não se esqueçam: rasguem a folha de carbono que é para não ter surpresa. O mundo é outro. Chorar, lamentar e buscar o passado é a maneira mais fácil de tornar-se irrelevante. O consumidor tem mais poder, as cobranças são maiores, as marcas precisam ser transparentes, os clientes exigem uma nova postura. Que momento desafiador para o mercado.
Não há mais certezas. Na edição impressa, eu tenho 3.800 caracteres para escrever esse artigo e o que começou no offline prossegue no online. A palavra é coexistência.

Parte II

Daqui, eu sigo na toada do vidente Nelson Motta: “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”. A indústria do vinil fechou o ano passado com um faturamento acima do streaming. Quem em sã consciência poderia prever esse movimento? As bolachas voltaram, a Polysom saiu das cinzas e a maioria não viu porque estava sentada nas suas vãs convicções. A tal da coexistência habita um intervalo de tempo entre as previsões de que o novo engolirá tudo e o exato momento em que o universo se equaliza. Foi assim ao longo da história. Não será diferente agora.

Correndo na direção contrária da Avenida Nostalgia, levo a impressão de que estamos vivendo a era mais rica da comunicação. Vejo produtoras contratando redatores, clientes indo direto nas produtoras. Vislumbro criativos recebendo propostas do BuzzFeed, Catraca Livre, Google. Pego lugar na arquibancada para observar a maior maratona já vista por headhunters, o recorde mundial de “De cá para Lá” sendo batido todas as semanas e um comichão contagioso que se espalha pelas cadeiras das agências. Não é a crise, apenas. Estamos sendo questionados pela cultura, pelo excesso de pose, por conteúdo.

“Muitos outros artistas até então amadores ou sem um caminho para criar carreiras, apareceram. Eu acho que isso bateu (…) na perda da aura que vem junto com a fama, tipo eu sou de uma casta de eleitos, poucos podem ser artistas como eu. Agora todo mundo pode ser, isso não pode acontecer, eu tenho meus privilégios…” Esse depoimento está no documentário “Glória” do GNT.Doc. Leoni exemplifica a reação da indústria fonográfica, a perplexidade e a soberba latentes quando a música começou a viver uma metamorfose de comando. O desafio é o mesmo para nós. Em um mundo onde todos podem criar e divulgar o próprio conteúdo, relevância tem que andar da mãos dadas com capacidade de adaptação. Nós não somos mais uma casta de eleitos. Cruzar os braços na foto de divulgação, duvidar da capacidade do digital em criar marcas, bater a mão no tabuleiro não vai alterar o jogo. Algumas marcas já perceberam isso muito antes.

Todos os dias, as placas tectônicas da nossa área são sacudidas por milhões de pequenos tremores. Cada um deles nos desafia na difícil tarefa de captar a atenção de clientes e consumidores. Não por acaso, a palavra tectônica vem de tektoniké, expressão grega que significa “a arte de construir”. Construir como seremos é a forma mais inteligente de não sucumbir às tentações de celebrar exageradamente o passado. Para cada “no meu tempo era melhor” dito, há um moleque ganhando uma grana com dicas de Minecraft. E não é pouca.

Para quem está começando agora, o mercado nunca teve tantas opções. Alvíssaras. Quebraram o aspecto sacro. Menos beatificação, mitificação, endeusamento. Nós fazemos um trabalho essencial para girar a economia, mas não somos artistas. Logo, chegue com os pés no chão, aproveite que ninguém tem o novo livro de regras, divirta-se com milhares de variáveis desse imprevisível mundo. Da arte, roube a atitude do Ridley Scott, que realizou “Alien” em 1979 e décadas depois arriscou-se a filmar em 3D. Respeite as gerações anteriores, estude, entenda como essa estrada foi asfaltada para você ter mais possibilidades. Não cometa o erro de se apegar demais às glórias de outrora. Ah, e muita calma nessa hora de matar as mídias. A todo instante, um pessoal embalado na colcha trendsetting tenta isso para, em seguida, rever as teorias. É mais soma do que subtração. É sobre coexistir.

Lá da minha nostalgia, quero meu pudim de leite repleto de furinhos, e, quem sabe, um pica-pau maluco para perturbar as paredes da minha cabeça ao som de Figaro. De resto, é caminhar inquietamente para novos erros e torcer para ter mais maria-mole e gelatina colorida do que cocô de rato no que vem a seguir.

André Kassu é sócio da Crispin Porter + Bogusky Brasil e escreve mensalmente para o Meio & Mensagem

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