O brasileiro que conquistou o mercado de animação americano
O animador gráfico Daniel Coutinho conta como foi ingressar no Buck Studio, onde lidera um time de 10 pessoas
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Karina Balan Julio
5 de junho de 2018 - 7h00
Em 2021, o vídeo será responsável por pelo menos 80% do tráfego de dados online, de acordo com a consultoria Cisco. A área de animação, ou motion graphics, assim ganha atenção crescente de agências, anunciantes e plataformas de conteúdo. Para os profissionais da área, as possibilidades de trabalhar como freelancers ou em produtoras especializadas também aumentam. O designer gráfico Daniel Coutinho, desde a faculdade tinha o sonho de trabalhar em grandes estúdios que admirava, e hoje comanda uma equipe de dez pessoas no estúdio americano Buck, em Los Angeles.
Determinado a prosperar em um mercado altamente competitivo, Daniel saiu de Batatais, no interior de SP, e iniciou sua carreira na Globo, produzindo animações para telejornais. Depois de formado, juntou dinheiro para ir a uma conferência de animação em Albuquerque, no Novo México, nos Estados Unidos.
Aos poucos, foi criando contatos para tentar trabalhos como freelancer e, mais tarde, abraçou uma oportunidade para estudar design na UCLA, na Califórnia, onde teve a chance de fazer uma espécie de estágio. Em 2013, entrou para o time fixo da Buck, e desde então pôde trabalhar em projetos para marcas como Google , IBM e Nike. Um de seus trabalhos mais recentes foi uma campanha para o IMac Pro, para a Apple.
Na entrevista abaixo, ele compartilha o planejamento que fez para trabalhar nos Estados Unidos, a diferença entre o mercado de animação brasileiro e as características que procura em novos designers e artistas.
Meio & Mensagem – Até agora, quais diferenças você notou entre o mercado de motion graphics no Brasil e nos Estados Unidos?
Daniel Coutinho – Há uma demanda grande no Brasil para freelancers e pessoas que possam produzir vídeos institucionais para clientes pequenos, por exemplo, enquanto os clientes maiores costumam procurar os estúdios especializados para comerciais e produtos para TV. Nos Estados Unidos, a escala desse mercado é bem maior. Minha experiência no mercado brasileiro foi com animações para conteúdo jornalístico. Nos Estados Unidos, migrei completamente para o mercado de comerciais, onde a demanda é maior. Os estúdios aqui [nos Estados Unidos] são bastante avançados e pioneiros. Quando cheguei, passei por um processo de aprendizado, porque a metodologia e a organização são bem mais desenvolvidos.
O trabalho é totalmente segmentado em etapas, do briefing até a reunião de brainstorm e design visual. Existe um respeito grande pelo tempo de cada etapa, e o produtor é o grande responsável pela condução da linha de montagem, garantindo que não haverá atrasos e que o projeto não vai ficar indo e voltando para o cliente. No Brasil, muita coisa volta para o cliente e tem de ser refeita, o que atrasa o processo e faz com que o orçamento muitas vezes seja estourado. Além disso, as equipes são enxutas e muitas vezes um profissional trabalha em todas as etapas.
O mercado tem uma ideia equivocada de que o designer ou animador gráfico não tem a mesma qualificação de carreiras tradicionais, por ser uma área que atrai muitos jovens. Mas a verdade é que levamos muito tempo para aprender todos os programas, princípios de animação e design
M&M – Além das equipes enxutas e do tempo de produção, quais são os maiores desafios para esta área?
Coutinho – A remuneração dos profissionais é um desafio para os profissionais da área, de forma geral. Talvez pelo fato de ser uma atividade ligada à criatividade e computação, o mercado tem uma ideia equivocada de que o designer ou animador gráfico não tem a mesma qualificação de carreiras tradicionais. Existe uma visão de que quem trabalha com animação é o jovem que gosta de mexer no PC e aprende sozinho. Por ser uma área que atrai muitos jovens, o mercado olha estas profissões com menos importância. Mas a verdade é que levamos muito tempo para aprender todos os programas, princípios de animação e design. É uma área que depende de muito estudo e prática.
M&M – Você acabou de produzir um comercial importante para a Apple, e aparentemente teve bastante liberdade criativa. Como é trabalhar um projeto grande como este?
Coutinho – Para o comercial da Apple, usamos uma variedade enorme de estilos, técnicas e programas. O conceito foi o próprio processo de criação, queríamos retratar todas etapas, desde os primeiros rascunhos até a finalização. É raro ter essa liberdade, acontece com um cliente a cada 10. É muito legal receber um briefing aberto como este, que é o sonho de qualquer artista, mas ao mesmo tempo é um desafio porque não há limites, então é preciso se controlar para manter o projeto e a equipe sincronizados.
M&M – Como deve ser o portfólio ideal de um profissional que quer trabalhar com animação gráfica e o que você procura em novos talentos?
Coutinho – há algum estilo de ilustração ou artístico que está na moda e que todo mundo acaba copiando. Há ciclos onde todos os trabalhos e até comerciais que vemos por aí aparecem com uma mesma cara, e isso é um problema. É interessante que o profissional mostre versatilidade no portfólio, mesmo tendo preferência por um estilo, para que possamos ver que ele têm visão ampla dos fundamentos de design e pode se adaptar facilmente. Olho portfólios todos os dias e vejo que a qualidade dos trabalhos é muito equilibrada. Acho que a mensuração da capacidade de um profissional vai além do talento artístico. Acho importante entender como é a postura da pessoa, como ela reage a comentários e críticas, como se comporta em equipe. Uma boa atitude é melhor do que o talento em si, pois animações pressupõem trabalhos demorados e que exigem sincronia.
O que a Disney procura em uma animação?
M&M – Você planejou uma estratégia para trabalhar em empresas consolidadas e conseguir o visto de trabalho para os Estados Unidos. Que dica daria para os profissionais que querem seguir um caminho parecido?
Coutinho – Hoje não existem tantas barreiras, há muitos conteúdos e aulas online, e computadores e softwares de alta qualidade são mais acessíveis. Os profissionais no Brasil são excelentes, estão no mesmo patamar de qualquer outro país. O maior desafio para quem quer trabalhar fora ainda é a língua, pois as pessoas ainda não investem nisso como uma prioridade. O visto é uma barreira que tem que ser levada em consideração: é preciso estudar muito sobre as opções e caminhos para se bater nas portas dos estúdios estrangeiros.
Quem vem para os EUA sem uma proposta concreta também tem que estar preparado para caso surja algum freela, pois é muito comum que estúdios busquem colaboradores pontuais para trabalhos específicos. Depois disso, a chance de ser convidado a compor o time fixo aumenta muito. Quando comecei a pensar no mercado internacional, me parecia uma ideia muito remota e um desafio muito incerto, mas é uma questão de se preparar e se informar para dar o primeiro passo.
M&M – Como você vê o diálogo entre a publicidade e artistas gráficos?
Coutinho – A indústria de animação teve um boom enorme no começo dos anos 2000 com a propaganda. Sempre existiu muito interesse e abertura dos estudantes e jovens profissionais a trabalhar com essa área. Agora vemos o crescimento da Netflix e plataformas de streaming, e isso ajuda a reaquecer ainda mais área, mas a demanda e os grandes orçamentos que sustentam esse universo ainda vêm da publicidade.
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