Depilar ou não depilar, eis a questão
Na busca incessante pelo lucro crescente alguém se esqueceu de respeitar os consumidores e seus valores
Na busca incessante pelo lucro crescente alguém se esqueceu de respeitar os consumidores e seus valores
Meio & Mensagem
5 de abril de 2013 - 8h00
*Por Rodrigo Leão
“O Pai dos Burros — dicionário de lugares-comuns e frases feitas”, de Humberto Werneck, cita no verbete para “ambição” a expressão “ambição desmedida”. Ou seja, até quem busca no eco mental do lugar-comum algo para preencher o vazio de suas linhas percebe que a ambição e a falta de limites andam tão juntas quanto as frieiras e as galochas.
A “ambição desmedida” da frase feita é a única justificativa imaginável para explicar os motivos que levaram uma grande marca como a Gillette, da qual sou freguês desde quando inventaram o barbeador com lâmina dupla — que eu usava contra um só fio de bigode — a investir na campanha “Quero ver raspar”, com Sabrina Sato, as gêmeas Bia e Branca Feres, o cantor sul-coreano Psy e um monte de figurantes peludos, feios e desajeitados. A campanha, criada por outra marca que dispensa apresentações, a agência Africa, lança aos espectadores a ideia de que mulheres gostosas acham homens peludos nojentos e, por isso, criam o desafio “Quero ver raspar” para que se depilem. A substituição fonética que o bordão faz de um trecho de “Gangnam Style”, do Psy, tenta tornar tudo isso pop.
Esta, amigos, é o tipo de campanha que fará com que todos nós, publicitários e profissionais de marketing, sejamos acossados por perguntas indesejáveis em jantares, festas de criança, acampamentos de escoteiro e reuniões de condomínio durante os próximos anos. Porque na busca incessante pelo lucro crescente alguém se esqueceu de respeitar os consumidores e seus valores.
Posso apenas imaginar que a liderança da Gillette no segmento de barbeadores seja tamanha que se chegou à conclusão de que o lucro obtido com o pessoal raspando apenas a barba não era mais o suficiente. “E se os homens brasileiros resolvessem raspar o peito e as costas como fazem muitos homens americanos?”, soou a pergunta que calou o brainstorm. “Isso abriria um enorme mercado em potencial”, balbuciou alguém. “É isso!” concluiu o homem com o cargo mais longo da sala.
Querer que isso aconteça não é vergonha. Digamos, por exemplo, que a geração inteira de garotos que hoje têm 15 anos e povoam os sites de vídeos pornô, influenciados por seus ídolos americanos depilados, resolvesse assumir como costume e prática a depilação corporal. A Gillette poderia pegar carona nessa tendência. E lucrar muito sem ninguém reclamar. Afinal, a depilação é apenas um comportamento cultural — mais apreciado em países e culturas onde os indivíduos normalmente têm menos pelos. A popularidade das barbas entre os árabes e sua impopularidade entre os asiáticos seriam bons marcadores desse fenômeno.
A campanha “Quero ver raspar”, em minha opinião, comete muitos erros. Primeiro, lança um desafio que não é um desafio a não ser para os deficientes motores. Aceitarmos uns aos outros com nossas diferenças físicas e culturais sim é um desfio de verdade.
Dois: a abordagem negativa da proposta de venda. Ao tentar vilanizar o homem com pelos, em vez de glorificar o depiladão, a Gillette basicamente ofende a todo um espectro da população masculina e feminina especialmente o Tony Ramos e a Claudia Ohana. Gente que tem e curte pelos em si e em outrem e não é feia, gorda nem desajeitada como mostra a propaganda. Caso a opção fosse glorificar os lisões, o melhor era sutilmente pagar fortunas vultosas pra Globo mandar depilar os galãs de suas novelas até que a moda pegasse.
Terceiramente, apresentar uma proposta tão genérica. A empresa que revolucionou o mundo com a lâmina dupla, a lâmina tripla e tantas outras traquitanas que tornaram nosso barbear mais suave, não pode sugerir um desafio realizável com um barbeador Bic ou com o Veet roubado da patroa.
E, finalmente, a vergonha na cara de entender que a propaganda que precisa diminuir alguém para aumentar um produto é aviltante, ineficiente e não tem mais lugar neste mundo. Imagine você se, em vez de tomar na orelha o processo no Conar que tomou, essa campanha desse certo? Legal. Todo mundo por aí depilado. Lucros fantásticos. Até que alguém tem uma ideia. Para vender mais lâminas poderíamos disseminar o hábito da circuncisão entre os brasileiros. O bordão já tá pronto: “Quero ver cortar!”
*Rodrigo Leão é sócio-diretor de Criação da Casa Darwin e Professor dos MBA de Marketing, MBA Executivo Internacional e International MBA da FIA. Este artigo foi publicado na edição 1549 do Meio & Mensagem, de 04 de fevereiro.
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