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Somos circo ou somos arte?

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Comunicação

Somos circo ou somos arte?

A propaganda tem se tornado um negócio controlado por meia dúzia de multinacionais. É um monte de Miley Cirus botando o linguão de fora. Por Rodrigo Leão (*)


15 de janeiro de 2014 - 11h50

Ele olhou pra mim e perguntou: “O que você quer ser? E aonde você quer chegar? O Twitter­ quer ser a ponte entre as pessoas e os assuntos que interessam a elas. Foi por isso que eu vim trabalhar aqui.” Quem dizia isso era Pedro Porto, o ultrainteligente e talentoso diretor de estratégia para marcas do Twitter no Brasil, durante uma manhã que passamos juntos, discutindo as possibilidades da plataforma para os clientes da minha agência. Durante a conversa, o papo tinha pegado um desvio e estávamos conversando sobre o futuro da propaganda. Pedro conhece bem o mercado. Seu último posto foi o de vice-presidente de convergência na Fischer&Friends. “O Google quer organizar toda a informação do mundo. É isso. Só as empresas que sabem dizer claramente o que querem ser conseguem atingir seus objetivos.” Se eu tivesse emojis neste teclado, colocava logo três socos e três corações bem aqui. Pow. Pow. Pow. Love. Love. Love.

Como a música popular, aquela outra expressão da consciência coletiva — com seus desejos, anseios e loucuras —, a propaganda atravessa um ponto de transformação. Como bem disse o Black Sabbath: “I’m going through changes” — que, aliás, ganhou a versão definitiva na voz do soulman Charles Bradley recentemente, googla lá. A música pop pós-apocalipse comercial rompeu definitivamente o paradoxo que permitia a existência do fenômeno que juntava popularidade comercial e profundidade artística. Hoje, de um lado temos a língua de fora da Miley, as mulheres nuas do Robin Thicke, os robôs do Daft Punk e as paródias de Michael Jackson lançadas tanto por Justin Timberlake quanto por Bruno Mars. Entretenimento de alta qualidade, mas que, como os chocolates que se vendem hoje, não são chocolate de verdade (porque não tem cacau suficiente), mas uma pasta de gordura e açúcar que “parece muito” chocolate. De outro lado, temos uma explosão de artistas independentes que buscam atingir uma maior profundidade artística e, por isso, mesmo diminuem seu alcance criando um zilhão de nichos indie.

Em seu livro Bambi Versus Godzilla: On the nature, purpose, and practice of the movie business, o premiado roteirista, dramaturgo e diretor David Mamet fala extensivamente sobre a diferença entre o filme de mercado e o filme dramático. Um resumo tosco de suas posições no livro poderia ser: o filme de mercado é como o circo e a pornografia — uma sucessão de truques apelativos que nos mantém atentos durante algum tempo (e que podem até ser muito divertidos), mas cuja experiência não acrescenta nada a nossas vidas e a nossa consciência — e o filme dramático nos apresenta alguma verdade (alegre ou dolorosa) sobre nós mesmos, o que somos e o que queremos ser.

A propaganda segue vítima do mesmo problema. Sua tarefa fundamental é individuar as marcas para que possam ser percebidas e escolhidas num mundo abarrotado de identidades concorrentes. Mas a propaganda tem se tornado um negócio controlado por meia dúzia de multinacionais, todas iguais, que tentam desenhar sua própria identidade competindo por prêmios todos iguais, para clientes todos iguais de um jeito todo igual. Um monte de Mileys botando o linguão e o rabo para fora. Parecem chocolate, mas não são chocolate.

A cultura predatória do corporativismo mundial, baseada na força financeira e no jogo comercial baixo, termina por destruir justamente os organismos que levavam oxigênio para o corpo flácido e moribundo da nossa indústria: as pequenas e médias agências. Os verdadeiros “rebels and troublemakers” a quem se refere a Apple na clássica campanha “Think different”.

A pergunta do Pedro precisa ser ouvida. O que a gente quer ser? Mais uma satisfatória linha no arquivo de Excel dos contadores na City Londrina? Uma massa disforme e assustada de comunicadores organizados pelo acaso de fusões e aquisições? Não enquanto eu e você pudermos lutar contra isso. Fizeram do enterro de Nelson Mandela circo e pornografia. Mas meu desejo para você neste 2014 foi inspirado no poe­ma favorito do guerreiro: que este ano você seja o dono do seu destino e o capitão da sua alma.

wraps
(*) Rodrigo Leão é sócio-diretor de criação da Casa Darwin e professor dos MBA de Marketing, MBA Executivo Internacional e International MBA da FIA. Uma vez por mês ele escreve como colaborador para Meio & Mensagem. Este artigo foi publicado na edição 1592, de 13 de janeiro.

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