Publicidade

O limite do poder das redes

Eric Messa, coordenador do Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP, comenta sobre o monopólio das big techs e o quão perigoso isso pode ser em diversos aspectos

Amanda Schnaider
1 de novembro de 2021 - 7h00

Recentemente, o Facebook ficou entre os assuntos mais comentados em todo o mundo devido às denúncias da ex-funcionária Frances Haugen, que, entre outras abordagens, acusou a empresa de ser prejudicial às crianças e enfraquecer a democracia. No depoimento ao senado dos Estados Unidos, Frances repetiu o que havia vazado para a imprensa e reafirmou que o Facebook sabia que suas plataformas eram potencialmente prejudiciais à saúde mental dos jovens e como, reiteradamente, a empresa opta por manter conteúdo ofensivo, sempre com vistas a valorizar o lucro em detrimento dos usuários.

O depoimento de Frances reacende discussão em relação à segurança das redes sociais e os limites que de seu poder frente à governos. Em entrevista ao Meio & Mensagem, Eric Messa, coordenador do Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP, reforça que as denúncias reforçam questões e críticas que já vinham aparecendo nos últimos anos a respeito do monopólio das big techs e do quão perigoso isso pode ser em diversos aspectos, como na questão do uso indevido dos dados dos usuários. 

Eric Messa comenta sobre as denúncias contra o Facebook (crédito: Rafayane Carvalho/FAAP)

Meio & Mensagem – Frances Haugen, a ex-funcionária e denunciante do Facebook estará presente na abertura do Web Summit, em 1° de novembro. O que as denúncias dela significam para o Facebook e como devem modular o crescente debate sobre as big techs nos Estados Unidos em termos de legislação e controle do seu poder?

Eric Messa – Essa é uma discussão que tem acontecido muito: o monopólio das big techs e o quão perigoso pode ser em diversos aspectos. Um deles é a questão dos dados dos usuários que são usados muito a favor daquela empresa em particular. A abertura do evento com a fala da ex-funcionária, me faz pensar que pode trazer para todo o evento um olhar bastante crítico para o momento que vivemos, desse cenário das plataformas de redes sociais. Me parece que vai trazer muitas reflexões sobre regulamentação, sobre o uso dos dados dos usuários, vazamento de dados etc. Essa discussão me faz lembrar uma autora que está mundialmente famosa, a Shoshana Zuboff, por conta do seu livro “A era do capitalismo da vigilância”. As questões que ela coloca nesse livro me parecem que vão aparecer no evento deste ano. O capitalismo da vigilância coloca em cheque essa coisa de como não só as big techs, mas todas as empresas hoje têm um viés de colher dados sobre os seus usuários, para estabelecer uma espécie de vigilância, permitindo identificar comportamentos, e com isso, orientar tendências de consumo e estimular o consumo. Meu ponto de vista particular é de que toda essa discussão é muito proveitosa para a nossa sociedade como um todo, porque, de fato, vivemos até então um período de muito deslumbramento em relação às redes sociais e pouca preocupação em relação a algumas questões sensíveis como os nossos dados pessoais, por exemplo. Acredito que esse debate, com esse olhar mais crítico, é bastante interessante e importante para construir um pensamento mais crítico, uma maturidade, inclusive para fazer exigências dessas empresas em relação a cuidados e responsabilidades, inclusive, nas questões apresentadas na denúncia da ex-funcionária do Facebook.

M&M – Acredita que as pessoas passaram a se preocupar com os potenciais prejuízos que as redes sociais podem causar?

Messa – O Web Summit é um evento internacional, mas falando do Brasil, nós somos um país com cultura muito particular, que faz com que sejamos pioneiros na adoção das novidades que as redes sociais trazem. Normalmente quando as redes sociais chegam aqui, adotamos com muita rapidez, fazemos uso constante, criamos conteúdo. Resumindo, nós somos pioneiros na adoção, mas somos muito atrasados em relação a segurança dos dados. Não em relação à tecnologia, pois temos empresas eficientes na segurança de dados, mas o usuário em si, é pouco preocupado. Somos muito atrasados em relação a essa preocupação e segurança dos nossos dados. É nisso que acredito que tenhamos que melhorar bastante e aí esse debate nesse momento é importante. Outro ponto que deve ser discutido no Web Summit é a questão da preocupação com a saúde mental e o uso excessivo das redes sociais. Esse também é outro assunto que apareceu muito por conta da pandemia, mas ele não é sintoma da pandemia em si, mas desse momento que estamos vivendo, de redes sociais sendo usadas de uma forma muito excessiva e que agora esses sintomas do excesso começam a aparecer, em termos de problema de saúde mental. Vivemos uma primeira fase de deslumbramento, em que todo mundo usava para tentar aproveitar todas as potencialidades dessa rede, e ela parecia ser, inclusive, a solução de todos os problemas, o que ela também não é. E agora estamos numa segunda fase, de construir um olhar mais crítico, e às vezes até exagerado, algumas pessoas demonizam, dizendo que precisamos acabar com as redes, destruir tudo isso. Acredito que não é necessariamente assim, mas essa fase vai ser importante para alcançar uma maturidade. A maturidade que ainda não temos e que vai nos permitir usar as redes sociais, mas de uma forma um pouco mais crítica e responsável. 

M&M – E como essa nova fase impacta os criadores de conteúdo nas redes sociais?

Messa – Existe uma possibilidade de termos vivido ou estar no auge do mercado de criadores de conteúdo e que, talvez, o futuro seja de uma seleção dentro desse mercado em que vão passar a sobreviver aqueles canais e criadores de conteúdo que, de fato, tem uma qualidade visível para a sua comunidade. É um mercado que ainda vai existir? Com certeza, mas não sei se vai ser tão fácil ganhar dinheiro nele como era anos atrás, porque já hoje está assim tão fácil como anos atrás. Todo mundo entrou porque era muito fácil criar um canal, bastava falar sobre o que fosse e logo você tinha uma grande audiência em torno de você. Agora isso está ficando cada vez mais seleto.

M&M – Qual é sua opinião sobre a mudança de nomenclatura do Facebook e a tentativa de se viabilizar como empresa focada em metaverso, e não mais apenas em redes sociais?

Messa – Quando uma grande empresa como o Facebook faz esse movimento, acredito que é um indicador bastante importante para pontuar a importância dessa área para o futuro. O metaverso é uma área que o Facebook já tinha interesse há um tempo. A aquisição da empresa de óculos de VR, os investimentos para criação de avatares para ambientes imersivos e agora a mudança de nome. Acho bastante coerente essa estratégia. O que vejo de valor aí? Vimos dois anos da pandemia, que ajudou uma sociedade inteira a se adaptar ao modo de vida online. Temos hoje pessoas muito mais acomodadas com o online do que antes, seja para trabalhar, seja para estudar, seja para quaisquer aspectos do dia a dia de uma pessoa, ela está mais acomodada a fazer tudo online. Mas também nos mostramos desgastados com esse excesso do online, especialmente pelas interfaces que temos para isso, que muitas vezes, se resumem a vídeo conferências. Estamos muito adaptados para o online, mas ao mesmo tempo não nos satisfazemos com as telas das vídeo conferências. O metaverso vem como uma solução, uma alternativa para todas essas situações. Os games usam os ambientes imersivos 3D para você se sentir dentro do jogo, mas imagina construirmos outras relações dentro de um metaverso? Uma rede social que não se limita a uma timeline, ou os fóruns, os grupos dos Facebook. Imagine entrar em um ambiente, em uma arena, e ver avatares ali caminhando e conversando sobre assuntos de interesse comum. Empresas que usam plataformas para trabalhar online, em que as reuniões não se limitam a videoconferência, mas de fato, avatares dos seus colaboradores que podem caminhar pelos ambientes virtuais da empresa, se encontrar numa sala para uma reunião. Será o retorno das conversas de corredor. Em uma escola, os alunos poderão não só ter aula dentro desse ambiente virtual, mas também interagir entre si. Uma grande dificuldade do ensino online é a falta de interação entre os estudantes. Um metaverso traria possibilidades desses alunos terem de volta aquele espaço do corredor, do intervalo entre uma aula e outra. Resumindo, me parece uma aposta interessante, porque, de fato, essa sociedade que se adaptou bastante ao online por conta da pandemia, verá no metaverso uma alternativa para as suas dificuldades atuais do home office, do ensino à distância, etc.  

M&M – Há futuro para as redes sociais atuais, majoritariamente guiadas por algoritmos?

Messa – Acredito que as plataformas sociais vieram para ficar. Não é algo que vai morrer em algum momento, mas entendo que, de fato, elas não vão permanecer como estão hoje. As plataformas estão em constante evolução, inclusive, no aspecto do seu algoritmo, que hoje é muito criticado também porque ele ainda é uma versão muito crua, muito simples, de algo que vai se aprimorar daqui para frente, a ponto de tentar oferecer soluções para as questões que criticamos. Do outro lado, acredito que teremos um usuário mais maduro em relação ao uso dessas plataformas. Meu lado otimista quer acreditar que vamos caminhar para uma sociedade que faz um uso mais consciente de todos esses dispositivos, não só redes sociais, mas todos os dispositivos com os quais ele vai interagir no seu dia a dia.

Publicidade

Compartilhe

Patrocínio