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Metaversos: ainda não chegamos lá

Metaversos terão função prática, ligada à disseminação do trabalho misto, e para conexão de artistas e marcas com seus consumidores

Thaís Monteiro
19 de março de 2021 - 10h17

Um dos assuntos mais tratados no South by Southwest este ano é o metaverso. Apesar de ser um conceito que ainda não está constituído como realidade, apenas no caminho de, marcas já estão se posicionando como interessadas nas experiências e possibilidades de engajamento na relação com o fã na nova realidade.

A Gucci apresentou uma coleção com o Genies, plataforma de criação de avatares realistas que apresentam novidades com base nos interesses do usuário (Crédito: Reprodução/Gucci)

Álvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e sócio da WeMind, Instituto Locomotiva e Rhizom Blockchain, esteve envolvido em ações de marcas em realidade mista. A WeMind criou uma experiência gameficada para o Outback na qual os participantes andavam por um deserto australiano usando headsets de eletroencefalografia e pulavam para pegar prêmios da marca. Para Chamyto, a empresa criou uma ação em que o público jogava bolas de plástico contra uma projeção em tela e estas entravam dentro do jogo, interagindo e gerando pontos a partir dessa interação. “Estas coisas são metaversos simplificados e aliados a recursos neurocientíficos que geram efeitos interessantes. Em contraste, contam com menores investimentos na construção de roteiros imersivos, o que barateia e acelara o go to market”, explica o professor da Universidade Federal de São Paulo.

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Ao Meio & Mensagem, o executivo dividiu sua percepção sobre a discussão no SXSW e em que passo estão os players e marcas em relação ao metaverso.

Meio & Mensagem – Como você define o metaverso?
Álvaro Machado Dias – Metaverso é um conceito em transição. No momento, refere-se ao uso de páginas web níveis diversos de gameficação, em associação com realidade virtual, aumentada ou mista para criar experiências enriquecidas, irredutíveis àquilo que um website pode oferecer. Porém, há indicativos de que o metaverso possa transcender esta realidade, tornando-se uma espécie de nova internet, intrinsecamente gameficada, na medida em que conseguir replicar com maior precisão as experiências do mundo físico, de maneira digital. Pense num Fortnite ultra-mega-turbinado: esta é a aposta da Epic Games e também do Facebook e do Google, que estão investindo na criação das bases tecnológicas necessárias para tanto.

M&M – Quais são as utilidades atuais desses ambientes?
Pessoalmente, acredito que os metaversos seguirão primeiro o caminho da realidade mista, que foi pensada para experiências consumer-centric mas acabou encontrando seu espaço mais seguro e rentável nas empresas, onde trabalhos de precisão são essenciais (robótica, medicina, etc.). Neste sentido, há novas plataformas de trabalho virtual que trabalham com conceitos de projeção espacial (um funcionário pode estar mais perto ou mais longe de outro, o que por sua vez irá determinar a habilidade deste segundo em contatá-lo). Na medida em que esta tendência amadurecer e transcender os limites da tela, teremos universos “meta-experenciais”, que é o sentido mais profundo do conceito. Apenas num segundo momento os metaversos deverão se tornar massificados. Neste caso, irão se tornar o “omni-channel” das experiências digitais e de suas interfaces com o mundo físico, muitas das quais poderão ser substituídas com menos prejuízos na experiência. Será, enfim, o momento em que o antigo Second Life irá finalmente realizar todo o seu potencial, impulsionado pela internet de alta velocidade (5G) e os avanços nas tecnologias imersivas que, entre outras coisas, precisam se tornar mais amigáveis e baratas para que se popularizem de verdade. Metaversos também podem ser projetados sobre estruturas reais, ou melhor, físicas. O exemplo mais interessante disto é o que a galeria de arte Meow Wolf oferece. São vários artistas, em múltiplas salas com projeções digitais (fundamentalmente realidade aumentada), da chamada “casa do eterno retorno”, que roda de maneira itinerante pelos Estados Unidos, com limitações impostas pela Covid-19. Aliás, arte e entretenimento são temáticas centrais aos metaversos, a Disney que o diga.

M&M – As marcas já estão presentes no metaverso?
O fato de que ainda não chegamos lá inibe a popularização mais pesada dos metaversos entre as marcas. Hoje ainda estamos no estágio dos chamados early adopters, das marcas que aceitam a imperfeição e o risco em prol de um posicionamento mais vanguardista. Há exemplos bastante interessantes disto, começando pela Gucci, que serviu de “plataforma de moda” para vestir de avatares da Genies — muitos destes avatares são celebridades, oferecidos em estoques limitados. A Balanciaga criou uma espécie de desfile gameficado, que massifica o acesso ao seu prêt-à-porter, com muita sofisticação. Valentino fez algo um pouco distinto, criando peças de roupas que podem ser baixadas e aplicadas como num videogame. E dezenas de outras marcas de moda seguiram. No ramo alimentar, o KFC criou uma espécie de ilha virtual, que permite ao usuário interagir com os personagens e, claro, pedir os produtos para delivery.

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M&M – Estrategicamente, qual é o benefício de estar presente em um metaverso enquanto marca?
No momento atual, há três tipos de vantagens: as de se assumir uma postura vanguardista e conseguir dialogar com o público mais jovem; as de encontrar meios práticos de dialogar com o público da marca, tolhido pelas imposições do isolamento social; e as de aprender algo novo. Das três, a última parece-me a mais importante; aliás, é aí que as marcas brasileiras mais falham. Peguemos, por exemplo, o caso da Gucci. A marca, sob direção criativa do, até então, desconhecido Alessandro Michele (desde 2015), precisa mais do que acertar na tesoura. É preciso acertar na forma de dialogar. Como fazer isso sem experimentação? Acho impossível.

M&M – E quais são os maiores cuidados e desafios?
Os maiores desafios são técnicos. Como eu disse acima, metaversos, em sentido pleno, ainda não existem. Isso significa que as marcas precisam ser particularmente criativas para extrair o máximo das experiências possíveis. Os maiores cuidados estão, justamente, na habilidade de moderar as expectativas, evitando que o público assuma que está prestes a ter uma experiência disruptiva. Isso pode levar à frustração. Com isto em mente, o último desafio é (e sempre será) o maior: fazer mais com menos.

M&M – Quanto essa tendência pode avançar nos próximos anos e para o que ela pode vir a ser útil no futuro?
Eu acho que irá avançar bastante, mas isto inicialmente vai se dar no mundo corporativo, onde os metaversos terão função prática, ligada à disseminação do trabalho misto (parcialmente remoto), no pós-pandemia. Só com a popularização do 5G é que os metaversos irão se tornar totalmente mainstream.

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