Consumo: demandas atuais e futuras
No Dia do Consumidor, órgãos de defesa avaliam conquistas e o que ainda precisa entrar em pauta no mercado brasileiro
No Dia do Consumidor, órgãos de defesa avaliam conquistas e o que ainda precisa entrar em pauta no mercado brasileiro
Roseani Rocha
15 de março de 2016 - 8h00
Nos discursos de muitas marcas e manuais de marketing “o consumidor é rei”, mas na realidade nem sempre é assim que ele se sente. A diferença é que atualmente quando isso acontece, as pessoas têm a quem recorrer. Órgãos como os Procons são um canal de reclamações, mas também fontes de informação. O Procon de São Paulo, por exemplo, divulga nesta terça-feira, 15, Dia Mundial do Consumidor, uma pesquisa sobre preços de Páscoa, que interessa aos consumidores em geral e provavelmente mais ainda àqueles que chegaram a fazer piada na internet sugerindo que os ovos de Páscoa deveriam constar da declaração de IR deste ano, dado o preço elevado desses produtos.
Preços e brincadeiras à parte, outra instituição importante a abraçar as demandas da sociedade no universo do consumo é o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), associação civil sem fins lucrativos, fundada em 1987. Convidada a destacar quais seriam, em sua opinião, as conquistas mais recentes dos consumidores no Brasil, a coordenadora executiva do Idec, Elici Bueno, cita, além do próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC), que completa 26 anos, a decisão recente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de proibir a publicidade de alimentos voltada ao público infantil. “É um tipo de questão que também existe fora do Brasil e acredito que a medida do STJ ajudará a formar uma cultura de consumo consciente e responsável” afirma, acrescentando que apenas lamentou que a resolução precisasse ter vindo do STJ e não do próprio Conar. Elici lembra que no caso de alimentos associados a brinquedos, a criança se interessa pelo brinquedo e não tem discernimento para julgar aquilo que está comendo, quando se lembra de comer. Por contemplar a vulnerabilidade infantil, a decisão do STJ foi, segundo ela, grandiosa.
Outra conquista apontada é a criação do Comitê Gestor do portal Consumidor.gov.br, formado por membros do Procon, Idec e representantes de empresas e entidades, como Itaú Unibanco, Magazine Luiza, IDV e FenaSaúde. A primeira reunião do Comitê, cujo objetivo é promover a transparência nas relações de consumo, ampliar o atendimento ao consumidor e prevenir condutas que violem seus direitos ocorreu na última sexta-feira, 11. O espaço prevê a interação entre os consumidores, que se cadastram no portal para se manifestar, e as empresas. Ali mesmo, uma empresa pode responder aos questionamentos recebidos e toda informação é exposta a todos. “O consumidor consegue até fazer pesquisa mesmo; funciona como um canal de pesquisa preventivo para compra”, diz Elici.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste, destaca um campo específico no qual evoluímos: a segurança veicular, com a criação da avaliação de carros novos. “Tivemos airbag, ABS, testes de impacto e agora lutamos para que seja incluído o dispositivo do controle de estabilidade eletrônico, que é fundamental para a segurança e hoje só existe em modelos mais sofisticados”, defende. Houve avanços, segundo ela, na atuação dos próprios órgãos de defesa do consumidor em outras áreas, como telefonia e energia elétrica, com equipes mais capacitadas para entender o cenário, tudo que envolve regulamentos, complexidades de tarifas e contratos de concessão. Mas os debates no Brasil, lamenta Maria Inês, costumam ser em torno do que será 2016, enquanto outros países têm uma visão de longo prazo, discutindo questões já para daqui a dez, 20 anos.
Redes sociais
Os sacs deveriam ser o primeiro canal de interação com os consumidores, mas não parecem ser preocupação da maioria das empresas, segundo a coordenadora da Proteste. E pelo fato de serem apenas reativos é que aumenta a quantidade de consumidores que vão para as redes sociais reclamar. “Os sacs deveriam ser canais de entrada, de aperfeiçoamento de produtos e serviços até, mas o consumidor tem pressa e quando tem problemas vai diretamente para as redes”, diz. Segundo Maria Inês, isso é ruim tanto para as empresas, que podem ter sua imagem maculada, quanto para o próprio consumidor. Se a queixa não chega aos órgãos de defesa do consumidor, não é registrada, não vira uma estatística e a percepção de um problema, que pode ser coletivo, demora mais a se realizar. “Não se pode transformar redes sociais em balcão de reclamação. Elas podem ser usadas, mas o consumidor também deve notificar os órgãos de defesa. Senão resolve o individual e não o coletivo”, alerta. A ação no coletivo, resultante de um banco de dados, é que pode mudar uma regulamentação, retirar produtos do mercado e garantir serviços adequados às normas existentes.
Elici, do Idec, também vê as redes sociais mais como um canal de expressão do que com funções de Sac, uma vez que não têm regras de atendimento, como os primeiros – ou cada empresa tem as suas. O Idec costuma usar principalmente o Facebook para interagir com consumidores, mas eventualmente não resolve um problema individual, mas dá uma informação geral sobre determinado tema.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Procon demonstra opinião diferente: afirma ser justo que as redes sociais sejam também utilizadas pelos consumidores para reclamar seus direitos, uma vez que as marcas usam essas mesmas redes apara ofertar produtos e serviços. Também acredita que redes sociais ajudam os órgãos de defesa do consumidor a agilizar seu atendimento e conhecer melhor as demandas do mercado de consumo. Nos últimos anos, o Procon-SP passou a realizar atendimentos também via site e redes sociais, como Facebook e Twitter.
Conquistas por vir
Embora destaque que o nosso Código de Defesa do Consumidor seja muito bom e moderno, a executiva do Idec defende seu uso e aplicação com mais intensidade, tanto proativamente quanto preventivamente. O recado, neste último caso, vale tanto para empresas privadas, quanto para os serviços públicos e suas agências reguladoras, que precisam incorporar mais o CDC. Elici explica que não é raro agências como Anatel, ANS ou Anac proporem resoluções que confrontam diretamente o código ou vão contra direitos adquiridos.
Já avaliando nossas conquistas face às iniciativas de outros países no que diz respeito aos direitos do consumidor, ela cita como algo que deve chegar em breve por aqui “ou teremos de fazer chegar” a instauração de uma autoridade que trate da proteção de dados pessoais no Brasil, o que já existe em toda União Europeia e mesmo em países latinos como Chile, Argentina e México. Outro ponto é a regulamentação do chamado “serviço adicionado” , no qual cita como exemplo o Super Grátis da Oi, que segundo ela não é telefonia, mas a venda de um seguro, com dezenas de serviços adicionados que não estão vinculados à telefonia, ou seja, não há transparência e regulação. Índia e Cingapura são países que já identificaram o problema desses serviços adicionados, que podem causar alto endividamento, e colocaram freio nesse tipo de ofertas.
No campo da alimentação, Reino Unido e, mais próximos do Brasil, Equador e Chile já adotaram a rotulagem frontal de produtos com informações mais claras e imediatas sobre a composição dos alimentos, um “semáforo nutricional” particularmente útil para quem tem restrições na dieta alimentar. Finalmente, outro exemplo considerado evoluído e que deveríamos adotar segundo a coordenadora do Idec é a taxação maior para bebidas açucaradas, como refrigerantes e néctares. México e África do Sul já colocaram em prática a taxação, que obriga a indústria a ser mais criativa e propor alimentos mais saudáveis. “Uma indústria sempre passa o custo para a outra e no fim é o consumidor que paga todas as contas”, lembra Elici. Que ele não pague, então, com a própria saúde e possa comemorar cada vez mais conquistas a cada 15 de março.
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