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Marketing

Personagens: encantamento e relação com marcas

Mais do que criar vínculos afetivos com fãs, a fantasia também ajuda a transmitir mensagens de empresas


8 de fevereiro de 2019 - 7h28

Peppa Pig é uma série de desenho animado, destinada ao público infantil (crédito: Chris F./Pexels)

Desde as primeiras campanhas, os personagens servem como ponte para marcas reforçarem posicionamento ou atraírem outros atributos almejados para perto de si. Diante da dificuldade de encontrar sentido e segurança no presente, explica Michel Alcoforado, antropólogo e sócio da consultoria de comportamento Consumoteca, o ser humano preocupa-se cada vez mais com histórias ficcionais, com começo, meio e fim. Fato que, além de fortalecer vínculos afetivos com consumidores fanáticos por celebridades do universo da fantasia, permite uma transferência imediata de significados de personagens para representações simbólicas de uma empresa.

Com os anos, mais do que assumir como foco o entretenimento, a ficção passou a incorporar em sua estratégia de criação as demandas de licenciamento do mercado. “Hoje, os personagens já nascem 360 graus, ou seja, além do ambiente de diversão em que estão inseridos, plataforma como digital e licenciamento já são constituídas e planejadas ao mesmo tempo”, fala Marici Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral). Esse desenvolvimento das potencialidade do personagem em todos os pontos de contato com o cliente mantém o consumo de produtos ou serviços, embasados em celebridades do universo da fantasia, estável. A profissional conta que a maior parte do faturamento do setor vem da venda de produtos licenciados de personagens infantis, embora, o mercado geek venha ganhando expressivo destaque nos últimos três anos.

O encantamento pelo sobrenatural e irreal dos personagens independe de idades, escolaridade e local, aponta Marici. “Observamos, mais recentemente, esse forte movimento com o público adulto, por meio da febre de séries disponíveis nos serviços on demand. O desejo e, até a necessidade de conectar-se com contextos diferentes, trouxe novos hábitos de demandas de mercado”. Segundo a Abral, os personagens mais licenciados pelo mercado são Peppa Pig, Galinha Pintadinha, princesas da Disney, Barbie, heróis da Marvel e da DC e Turma da Mônica.

Na contramão da existência de produtos e serviços derivados de personagens do entretenimento, há marcas como a Sanrio, que deram origem a figuras ficcionais que mais tarde impulsionaram produções de conteúdo. A Hello Kitty, que neste 2019 completa 45 anos, desde de sua criação, atinge pessoas de diferentes idades. “O interessante é que diferente de personagem que são representados por meio de filmes e desenhos animados, a história da Hello Kitty começou com produtos. O primeiro criado com ela foi um porta-moedas, mas a Hello Kitty teve uma presença marcante nos famosos papéis de carta, que eram colecionados pelas meninas das décadas de 1970 e 1980”, conta Renata Pereto, gerente de marketing da Sanrio. Com os anos, os produtos da figura fictícia foram expandindo-se para categorias como roupas, calçados, acessórios, alimentos, beleza, higiene pessoal, brinquedos e pet. A Hello Kitty também está estampada em cafés, hotéis, spas e karaokês.

No mundo, já foram lançado diversos conteúdos relacionados à Hello Kitty como séries de TV. Uma dessas produções, inclusive, foi exibida pela canal Boomerangue no Brasil. A personagem também está presente no aplicativo da plataforma infantil educacional Playkids. Como iniciativa da Sanrio do País, a empresa oferece via canal no YouTube, lançado em agosto de 2016, todos os episódios e ainda conta com conteúdo produzido no Brasil pela Plot Kids. Neste ano de aniversário, o público pode conferir duas séries comemorativas de Hello Kitty no YouTube — a primeira será iniciada em março.

A profissional da Sanrio afirma que a criação da Hello Kitty está em sintonia com os conceitos da Sanrio. “Ela tem a missão de alegrar o mundo e também o seu laço, que é um ícone muito marcante da personagem, representa a união entre os corações e os povos”, fala. A personagem chegou no Brasil via empresas que importavam seus produtos e, posteriormente, com o escritório da Sanrio no País, foram abertas lojas e o processo de licenciamento da marca para empresas brasileiras. “Nos últimos anos, o licenciamento de personagens tem crescido e também diversificado-se, e hoje o mercado apresenta opções para diferentes targets, considerando idades e estilos”, adiciona.

 

Hello Kitty, da Sanrio, é um exemplo de personagem que perdura há décadas (crédito: divulgação)

Mais de 70 estilistas de alta costura já criaram roupas para Barbie, incluindo Gucci, Versace e Armani (crédito: Pixabay/Pexels)

Relação afetiva
No movimento de associação de marcas com personagens é possível observar um processo de dois movimentos, clarifica Michel, da Consumoteca. “De um lado, um despertar de interesse imediato dado a relação afetiva que os consumidores possuem com a história e, por outro, há uma transferência imediata de significados dos personagens para a marca, o que pode ser muito positivo na estratégia de posicionamento”, diz.

As celebridades da ficção fazem as crianças, por exemplo, aprenderem e desenvolverem o sentimento de ídolo. Marici, da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens, afirma que o encantamento e desejo aspiracional, relacionados a personagens, só é impulsionado pela criação de produtos e serviços condizentes com os atributos das licenças. “Esse trâmite, realizado com cuidado e atenção pela empresas e donos de figuras da ficção dá um diferencial competitivo às empresas no ponto de venda e, consequentemente, no aumento de vendas”, defende.

Transferência de significados
A parceria entre marcas e personagens permite que as primeiras se beneficiem dos assets das figuras celebridades da ficção. De acordo com Michel, na medida em as companhias e personagens reforçam seus vínculos, pouco a pouco, pelo contato, ambos troquem atributos e características. Para a presidente da Abral, o processo de associação da marca com figuras da ficção é orgânico. “A criança vê o produto e se encanta pelo personagem e pelo o que ele representa. Já para os pais, o personagem é uma chancela de credibilidade ao licenciado”, explica Marici, que declara que uma união desalinhada entre figuras fictícias e marcas está fadada ao fracasso instantâneo.

A partir da circunstância em que a preocupação puramente comercial, fruto do apelo momentâneo de determinados personagens, pode ser um tiro no pé, cabe a empresa compreender o significado de todas as partes — marca e ficção — envolvidas no andamento da criação. “Essa atenção comercial resolve um problema de vendas no curto prazo, mas acaba com a estratégia de construção de marca no futuro”, aponta Michel. O que, segundo o antropólogo, o mercado precisa entender é que “a vida está, cada vez mais, difícil e precisamos de narrativas lúdicas para prosseguir. Se a vida não tem sentido e, na maior parte das vezes, não tem final feliz, os personagens e suas histórias têm”. “Em um mundo repleto de fake news, com fatos que nos parecem sem sentido e inseguros, as figuras fictícias oferecem uma narrativa segura sobre o mundo”, acrescenta.

*Crédito da foto no topo: Pixabay/Pexels

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