Opinião: A raiz do problema
Maioria das ações publicitárias incomoda, a tal ponto de as pessoas pagarem caro para eliminá-las da experiência de consumo
Maioria das ações publicitárias incomoda, a tal ponto de as pessoas pagarem caro para eliminá-las da experiência de consumo
Meio & Mensagem
20 de maio de 2015 - 9h31
Sejamos francos: encontrar propaganda relevante é uma tarefa árdua. Passar um dia assistindo à televisão, folheando as revistas mais vendidas, ouvindo as rádios mais populares ou mesmo navegando na web é o suficiente para entender por que cada vez mais consumidores querem fugir dos espaços dedicados às mensagens das marcas. A vasta maioria dos anúncios não possui a menor capacidade de gerar interesse. Chegam a incomodar a tal ponto que mais e mais pessoas preferem pagar caro por serviços que eliminam a propaganda da sua experiência de consumo. Essa é uma realidade dura, mas necessária de ser confrontada.
A pergunta inevitável é: por quê? Não falta investimento, não falta talento, não faltam clientes com vontade genuína de fazer algo relevante, não faltam pessoas com desejo de consumir e compartilhar propaganda relevante. Então, onde está a raiz do problema?
Imagino que você já viu essa cena: a marca X solta um briefing para a agencia Y pedindo uma “ideia viral” para resolver um problema de sazonalidade nas vendas do produto Z. A agência Y passa semanas tentando criar algo que agrade ao cliente da marca X. Nesse processo frases como “acho que é isso que o cliente tem na cabeça”, “acho que isso tem potencial de ganhar um prêmio”, “essa está dentro dos guidelines da marca” entre outros clássicos são repetidas a torto e a direito. No final das contas o trabalho que vai para a rua apenas agrada ao cliente X, mantém a conta na agência Y e não mexe uma agulha nas vendas do produto Z. Ninguém sai incomodado demais e a vida segue em frente enquanto aquela “ideia viral” que só bombou nos blogs de propaganda cai no buraco negro do esquecimento absoluto.
Chutaria que esse processo pode ser observado em 99% do que é produzido na indústria. O outro 1% é responsável por ainda fazer da propaganda uma arte admirada o suficiente para inspirar mais jovens talentosos a escolher essa como sua profissão. Mas vamos combinar que nos contentar com essa média é aceitar a mediocridade.
Esse processo está enraizado, é maligno e vicioso. Faz toda a cadeia trabalhar para ela mesma deixando absolutamente de lado o ator central nessa história: os consumidores.
Quatro anos trabalhando como planejador em grandes agências, sete anos trabalhando como cliente na marca mais amada do mundo e um ano como empreendedor em uma startup de tecnologia ensinaram-me que a raiz desse problema está justamente na forma como, em geral, os marqueteiros e agências definem e entendem o problema a ser resolvido.
O problema que importa não é o problema da marca, mas o problema que os seus consumidores enfrentam em suas vidas. Uma marca relevante não é aquela que apenas fala dela mesma, mas sim aquela que aponta soluções para problemas que incomodam o dia a dia dos seus consumidores. A propaganda precisa evoluir no sentido de colocar as pessoas no centro do seu desenvolvimento. A começar pelos departamentos de marketing das empresas. O que não faltam são exemplos de produtos que já nascem irrelevantes. E, aí, não há propaganda que salve.
Nesse quesito temos muito o que aprender com o mundo das startups. Quase a totalidade dessas empresas de garagem que se tornaram marcas reconhecidas, adotadas e admiradas no mundo todo em velocidade meteórica nasceram de um problema real bem definido. Apresentaram soluções concretas para “pequenos grandes problemas da vida” como viver uma saga para encontrar um táxi quando mais se precisa, enfrentar o desprazer de chegar ao cinema e encontrar os ingressos esgotados, viajar a uma cidade e se ver obrigado a hospedar nas mesmas opções caras de hotéis. Eu, você e muitos milhões de outras pessoas pelo mundo enfrentaram esses mesmos problemas.
Já dizia o mestre do planejamento Jurandir Craveiro: trabalho excepcional começa por um briefing excepcional. É senso comum que um bom briefing é aquele que é claro, diretivo, inspirador e ambicioso. Porém, o que definitivamente ainda não é senso comum é que o bom briefing é aquele que identifica e abraça um problema relevante na vida das pessoas.
Encontrar um problema real a ser resolvido é desafiador, inspirador, diretivo e relevante ao mesmo tempo. Norteia o trabalho criativo para ir muito além da propaganda. Instiga a equipe a trazer soluções reais para problemas reais abrindo as portas da inovação.
E chegar lá é menos complicado do que parece. Começa por uma mudança de postura. Exige que o time não se apegue aos discursos prontos do “vender mais” e abrace a riqueza do “entender mais”. Exige sair do Power Point e ir pra rua observar, conversar e aprender.
Mas esse é só meio caminho andado. Tão importante quanto encontrar um problema real que aflige milhões de pessoas pelo mundo é encontrar um problema que a sua marca e o seu produto têm autoridade e credibilidade para resolver. Mas vamos deixar esse assunto para uma próxima conversa.
Gian Martinez é co-fundador do Winnin
Esse artigo foi publicado originalmente na edição 1660, de 18 de maio de 2015, exclusivamente para assinantes, disponível nas versões impressa e para tablets de Meio & Mensagem. Nos tablets, para acessar a edição, basta baixar o aplicativo nos sistemas iOS ou Android.
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