Opinião – Tributo a Willis Carrier

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Opinião – Tributo a Willis Carrier

Toda vez que achar sua ideia incrível demais, lembre-se dele


10 de fevereiro de 2015 - 8h30

Por Eduardo Tracanella (*)

Começo esse texto pedindo um minuto de silêncio em homenagem a Willis Haviland Carrier.

Talvez você não o conheça, mas, acredite, ele merece sua deferência e o seu respeito.
Willis, foi um simpático engenheiro, nascido no Condado de Erie, em Nova York, contratado, em meados de 1902, para resolver uma questão cotidiana — o problema das mudanças de temperatura e umidade do ar no interior de uma pequena gráfica americana.

Por fim, algum tempo depois, teve uma ideia que resolveu o problema dos caras e, de lambuja, o nosso — ele inventou o ar-condicionado.

Sim, o ar-condicionado. Nosso padroeiro para causas impossíveis e, em tempo de 40° na sombra, o boi de piranha para minha tese generalista, quase irresponsável, de que estamos transformando a ideia em uma commodity.

E, se essa tese fizer mesmo sentido, tem fundamento em algumas características que se tornaram predominantes e nos levaram quase sem querer nessa direção.
O modelo de negócio explica sob a ótica financeira. Num modelo ainda baseado majoritariamente na remuneração pelo que se veicula, em linhas gerais, uma boa ideia custa igual a uma péssima ideia. A roda precisa girar, os espaços serem ocupados e as campanhas produzidas com a mesma produtividade de uma fábrica de salsicha. É o famoso “não tem tu, vai com tu mesmo”. Um contexto no qual o que se paga para distribuir um conteúdo ruim é exatamente o mesmo que se paga para fazer algo relevante e de qualidade chegar às pessoas.

A “duzialização criativa” é outra praga. Quando pedimos uma dúzia de boas ideias, não necessariamente vamos conseguir ter sequer uma muito boa. Às vezes, ela até existe, está lá, na nossa frente, mas ficou abandonada na busca pelas outras 11. Aqui, o processo e os prazos passam por cima sem dó, como um rolo compressor. Quem vence é o cansaço ou o prazo. Ou seja, todo mundo perde. Principalmente, a coitadinha da ideia ruim que nem pediu para nascer.

E falando em nascer: quem está habilitado para fazer o parto de uma ideia memorável? A teo­ria da predestinação, de que só algumas raras pessoas nasceram com o dom para serem criativas e terem a patente que lhes confere o poder messiânico para isso, é algo muito ultrapassado. A boa ideia surge cada vez mais de inspiração coletiva, de um ambiente colaborativo, onde a geração de ideias não se resume a poucos e bons, mas ao processo e a cultura do lugar. Criatividade é cultura e não organograma de RH.

Só que o desafio continua na pós-maternidade. A ideia muitas vezes nasce para ser memorável e aos poucos vai sendo achatada, moldada, até ficar confortável para percorrer todos os passos dentro das empresas. E de tão confortável fica morna e desforme. Aqui, vejo algumas questões como sintomáticas.

Uma delas é simples, mas é crônica: quem aprova muitas vezes não brifa e só conhece a ideia quando ela fica adolescente, com uma deformação já irreversível.

A outra é quase inocente: o rabo que abana o cachorro. A ideia que é uma baita solução, em busca de um problema que não se tem. Adapta-se, faz-se control C + control V até a solução finalmente encontrar o problema. Tipo o Willis, num lampejo genial, resolver o problema de aquecimento daquela gráfica que o contratou.
Pode reparar, geralmente, a ideia que não acontece vem embalada em névoa, com efeitos especiais e páginas e páginas de explicações. É o velho hábito de se “colocar palavras onde faltam ideias”. E, ao contrário, a ideia boa mesmo, aquela que vai ficar e ser memorável, é tão simples que poderia ser contada até mesmo pelo telefone.

Às vezes as circunstâncias todas em que estamos inseridos fazem a gente se enganar, se confundir. Achar genial uma ideia commodity que não muda o ponteiro, que não faz nem cócegas na vida das pessoas e que nem a gente mesmo vai lembrar na semana que vem.

Por isso, toda vez que achar sua ideia boa demais, abra a janela, sinta o calor e lembre-se do Willis.

(*) Eduardo Tracanella é superintendente de marketing do Itaú Unibanco e escreve mensalmente para o Meio & Mensagem. Este artigo está publicado na edição 1646, de 09 de fevereiro de 2015, disponível nas versões impressa ou para tablets Apple e Android.

 

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