Opinião: Somos pasta à la putanesca

Meio & Mensagem
6 de maio de 2014 - 8h43

Por Gian Martinez (*)

Tenho família italiana. A lenda conta que a pasta à la putanesca, esse tradicional prato, foi criado nos anos 1940-1950 por uma tal de Yvette la Francese, dona de um bordel em Siracusa. A receita nasceu do improviso. Da mistura despretensiosa de todos os temperos que estavam disponíveis na cozinha com o objetivo de alimentar os esfomeados de plantão. Ali nasceu um dos pratos mais deliciosos do mundo.

Somos todos assim: a consequência inevitável, um tanto improvisada, da mistura de todos os nossos temperos, de todas as nossas experiências. Dos pais, dos avós, dos bisavós. Dos 2000, dos 1990, dos 1980, dos 1970. Da juventude, da adolescência. Do almoço de domingo, da bebedeira de sexta, do café de terça. Da noite incrível, da viagem inspiradora, daquela tarde no cinema. De Dylan, Kubric, Beatles, Janis, Tarantino, Adoniran, Eames, Garcia, Ari, Spielberg, Nina, Billie e Zico. De Clarissa, Lucila, Gian, Marcos, Rodrigo, Walter, Clarice, Antonieta, Jobim, Catarina, Valentina, Antonio, Luciana, Anita, Jacobo, Gisele e João. Somos uma feijoada, um tanto tecnobrega, um remix de um pouco de tudo, uma pasta à la putanesca.

O bacana é que estamos, na medida em que evoluímos, abraçando essa ideia com mais entusiasmo. As novas gerações, impulsionadas pelo irrestrito acesso à informação, querem viver e absorver o maior número de experiências possível. Parecem ter uma fome insaciável porque sabem que isso vai torná-las melhor, mais interessantes. Conceitos como liberdade, acesso, troca, colaboração passaram a ser dominantes.

Isso tem um impacto profundo em tudo que fazemos. Inclusive na forma como inovamos. A lista das artistas que declaram ter sido influenciadas pela Madonna é tão impressionante quanto a lista de influências por trás de todos os aspectos do iPhone. 

Everything is a Remix Case Study: The iPhone from Kirby Ferguson on Vimeo.

Um dos documentários de internet que influenciaram a minha leitura sobre o processo criativo é Everything is a Remix. Um bom investimento do seu tempo é assistir aos primeiros 3’15” deste link (é suficiente para entender a ideia geral da série). 

Everything is a Remix Part 3 from Kirby Ferguson on Vimeo.

No mundo da música, do cinema, da literatura, entre outros, a ideia de que as diferentes expressões humanas são sempre o resultado da mistura das suas influências é mais do que uma regra — é um estilo de vida. É aspecto determinante da ciência da arte. The answer is blowin’ in the wind, já dizia Dylan.

E, sabemos, artistas influenciam o mundo. Talvez por essa influência tão poderosa a ideia de viver um universo de experiências múltiplas e ricas se tornou parte essencial do estilo de vida das novas gerações. 

INFLUENCERS TRAILER from R+I creative on Vimeo.

Como 99% das pessoas do mundo, gosto de música, cinema, esportes, comida, livros, séries, histórias, personagens, etc. Sou apaixonado por cultura em geral. Por isso, desde moleque passo um bom tempo vendo, lendo, ouvindo e curtindo.

Particularmente tento copiar algum aspecto de cada um desses artistas que conheci. Sugar um pouco da sua experiência de vida e misturar com tudo o que vivi para fazer algo novo. Tento trazer a mesma perspectiva quando estou montando os meus times. Gosto de ter um grupo de pessoas alinhadas nos valores mais peculiares e diferentes entre si trabalhando por perto. Simplesmente porque isso ajuda o resultado final a ser melhor, a ser plural.

Os maiores avanços de nossa sociedade são apenas marcos importantes numa linha contínua de invenções feitas por diferentes pessoas. Estamos democratizando a ideia de que a soma dos nossos esforços pode nos levar mais longe. E que quanto mais mentes conectadas na mesma direção, maior a velocidade para alcançar esses grandes marcos. E todos ganham com isso.

Portanto, continue adicionando temperos e bom almoço!

* Gian Martinez é cofundador da Coca-Cola Accelerator