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Opinião: A dupla Assange e Correa

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Opinião: A dupla Assange e Correa

Sinais ideológicos estão se invertendo: exemplo é um governo notoriamente dedicado à supressão da liberdade de imprensa, caso do Equador, conceder asilo ao fundador do WikiLeaks


28 de agosto de 2012 - 11h14

*Por Carlos Eduardo Lins da Silva

Sinais ideológicos seguem invertendo-se na sociedade contemporânea como raramente no passado, de forma ostensiva e aparentemente inaceitável. Exemplo atual é um governo notoriamente dedicado à supressão da liberdade de imprensa, o de Rafael Correa no Equador, tentar se transformar em seu paladino contra sociedades historicamente comprometidas com ela, como as do Reino Unido e da Suécia, ao conceder asilo a Julian Assange, um ególatra mais interessado em sua autopromoção do que em qualquer causa social.

Assange, como se sabe, fundou em 2006 um site chamado WikiLeaks, destinado a divulgar segredos que lhe chegassem ao conhecimento de qualquer fonte que os enviasse. Em 2010, saiu do anonimato, mas só após ter feito acordos com veículos da mídia tradicional, dos quais ele se considera inimigo e sucessor.
Milhares de documentos do Departamento de Estado dos EUA classificados como secretos foram obtidos pela organização ­WikiLeaks e divulgados por meio de veículos de comunicação em diversos países, com os quais Assange espertamente se associou, apesar de sempre ter desprezado.
Integrantes de algumas categorias profissionais — diplomatas, jornalistas, estudiosos e praticantes de relações internacionais — sentiram como se suas atividades tivessem passado por algo similar a um 11 de setembro.

Milhares de pessoas que, ao redor do mundo, tiveram na década anterior contatos frequentes com membros do corpo diplomático americano devem ter sentido sua intimidade devassada, já que conversas ocorridas em clima de confiança e sem objetivo de divulgação se tornaram disponíveis a praticamente qualquer um.
Para o jornalismo, o episódio do WikiLeaks trouxe uma série de questões de ordem ética e profissional que pareceram só comparáveis às que o caso Watergate, quase quatro décadas atrás, havia feito emergir.

Não faltaram os habituais apressados apologistas de novidades a vaticinar que o jornalismo passaria por uma transformação radical, e nunca mais seria o mesmo por causa do WikiLeaks. Em apenas um ano, viu-se que não seria assim.
Afinal, constatou-se que a esmagadora maioria dos segredos revelados pelo WikiLeaks era de importância reduzida, confirmava o que já era de conhecimento geral, atingia com gravidade apenas a reputação de poucas figuras públicas, submetidas ao constrangimento de terem sua hipocrisia ou cinismo expostos à sociedade.
De fato, nada de realmente substantivo que não se sabia antes emergiu, e poucos efeitos dramáticos para a coletividade ou em políticas públicas resultaram do episódio ou dos seguintes trazidos à tona pelo WikiLeaks.

Além disso, a fórmula do WikiLeaks foi apropriada por órgãos da imprensa, e as instituições que eram o seu alvo preferencial redobraram os cuidados para evitar novos vazamentos. Aqui mesmo, no Brasil, a Folha criou o seu “sistema wikileaks” e deixou de ser associada à Assange, que, aliás se indispôs e rompeu com quase todos os seus aliados de ocasião que o alçaram ao estrelato internacional.
Nenhuma das restrições que se possa fazer ao estilo e aos métodos do personagem principal dessa novela, no entanto, contradiz o óbvio direito do WikiLeaks e de Assange continuarem fazendo o que fazem; as tentativas do governo dos EUA de impedir que o site se mantenha ao criar obstáculos às doações por cartões de crédito que o sustentam ou ao fazer ameaças de punição severa ao australiano caso ele pise em território americano merecem a repulsa de todos os jornalistas, por constituírem óbvio atentado à liberdade de imprensa.

Não se pode, no entanto, deixar de registrar a contradição de ser Rafael Correa quem se ofereça a comandar essa batalha em favor de Assange, apesar de seu combate diário contra a liberdade de imprensa em seu país, nem o fato de que Assange é acusado de ter cometido crimes sérios em nada relacionados com sua atividade profissional, o de ter cometido estupros na Suécia, pelos quais ele evidentemente deve responder.

Com lei de mídia que permite ao Estado controlar conteúdo jornalístico, ataques rotineiros a jornalistas e donos de veículos de imprensa, intimidação econômica contra as empresas que os editam, Correa forma com Hugo Chávez da Venezuela e Cristina Kirchner da Argentina a malíssima trindade na América do Sul contra a liberdade de expressão.
Sua ação sensacional de conceder asilo a Assange em Londres, mais a desastrada reação inicial do governo britânico — que ecoa as piores lembranças da atitude arrogante e imperialista que por muito tempo caracterizou a política externa do Reino Unido — deram a Correa a oportunidade de posar de herói da imprensa e dos oprimidos. O pior é que há quem acredite. 

 

*Carlos Eduardo Lins da Silva é editor da revista Política Externa e diretor do Espaço Educacional Educare. Uma vez por mês ele escreve artigos para Meio & Mensagem. Este texto foi publicado na edição 1524, de 27 de agosto.

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