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Opinião

Transformando armadilhas em oportunidades

Por aqui, estamos comprometidos com a educação, antes a resposta era a falta de agenda para o "convite"


9 de setembro de 2022 - 6h00

(Créditos: Shutterstock)

Numa mesma semana, geramos conversas tensionadas com três grandes marcas de segmentos distintos: beleza, moda e instituição financeira. O motivo, propostas de trabalho precarizadas e abusivas. Campanha com uso de imagem amplo e uma verba extremamente reduzida. Convite para presença em evento baseado numa relação de parceria – inexistente. Ativação com personalidade engajada em causas sociais (somente) em um momento de reposicionamento de produto – sem verba.

Não é novidade e prática particular desses CNPJs. É algo que vem sendo denunciado há muito e tem nome: racismo estrutural. Em 12 anos atuando em Comunicação e Moda, nunca vi propostas como essas para pessoas brancas.

Entre 2011 e 2014, fui assessor de imprensa de uma agência de modelos. Comecei a trabalhar com nomes da publicidade global, como Candice Swanepoel e Alessandra Ambrósio. Naquele Brasil, lidávamos com campanhas protagonizadas majoritariamente por pessoas brancas. Segundo dados da pesquisa Todxs, realizada pela ONU Mulheres, o protagonismo de mulheres negras na TV, a presença em inserções publicitárias, era de apenas 4% (2015). De acordo com a última pesquisa, a representatividade deste grupo na TV atingiu 27% (2021). Pra além da representação – e temos muito a evoluir -, precisamos avançar nos meios em que isso se forja.

Em 2014, iniciei a história da one2one, agência de RP e Assessoria de Imprensa. Em 2016, passamos a empresariar a modelo Lea T. Por mais que estivesse habituado a lidar com o racismo no mercado editorial a partir das vivências de pessoas racializadas com quem convivia, a experiência com marcas aprofundou ainda mais essa percepção. Convites e abordagens de trabalho soavam imperialistas.

A partir de 2020, começamos a migrar o foco da agência para Empresariamento. Hoje, integram o casting a bailarina Ingrid Silva, a cantora Luedji Luna, e os comunicadores Luiza Brasil e Alberto Pereira Jr. – além de Lea e Alessandra – com essa última, sigo gerindo suas relações públicas. Pouco mais de 80% do nosso casting é formado por pessoas negras. Pela minha vivência, sentencio: é explícita a diferença de abordagem em propostas para corpos negros e brancos.

Aqui, lidamos com talentos que já são profissionais estabelecidos em cada um dos segmentos em que atuam. Portanto, há um faturamento recorrente dessas atividades. A conexão com marcas, as campanhas publicitárias, se dão como resultado desse lugar. Porém, para os que estão chegando ao mercado de influência, essa conexão é ponto de partida, o fluxo de caixa em si.

Muito se fala do papel de quem está no topo, na urgência da inclusão dentro da companhia e contratação de fornecedores – e aí devemos considerar marcadores diversos: raça, identidade de gênero, orientação sexual, entre outros. Diante desse processo, que engatinha, a discussão precisa evoluir para nós que estamos no front: empresários, agentes e intervenientes – especialmente para aqueles que, com anos de atuação, desfrutam de acessos a espaços e pessoas. Precisamos tensionar, problematizar as práticas abusivas e, sobretudo, denunciar.

Por aqui, estamos comprometidos com a educação. Antes a resposta era a falta de agenda para o “convite”. Hoje, endereçamos nossos incômodos, destacamos os pontos sensíveis de uma abordagem problemática, detalhamos nosso desconforto. Estamos com tempo pra isso? Não.

Porém, na maioria das vezes, esses exercícios têm gerado diálogos e um lugar de escuta ativo do outro lado. Vemos tomadores de decisões iniciando uma reflexão; profissionais envolvidos em iniciar uma mudança na cultura da empresa em que atuam. Estão, do lado de lá, levando a conversa pra dentro.

Possivelmente, não sejamos nós os beneficiários diretos dessas movimentações em um curto/médio prazo. Questões estruturais levam tempo para serem aprofundadas e transformadas. Mas, sem dúvidas, precisamos usar nosso posto enquanto interlocutores nesta linha de frente pra gerar transformações efetivas no coletivo. Mudanças essas que são sementes no mercado e florescem na sociedade.

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