Coca-Cola e água
Atitude inesperada de um ídolo global contra uma das marcas mais lembradas e vendidas do mundo suscita debate sobre direitos de patrocinadores, impactos no valor das ações e repercussões nas escolhas dos consumidores
Atitude inesperada de um ídolo global contra uma das marcas mais lembradas e vendidas do mundo suscita debate sobre direitos de patrocinadores, impactos no valor das ações e repercussões nas escolhas dos consumidores
Correu o mundo a imagem do jogador Cristiano Ronaldo tirando de cena duas garrafas de Coca-Cola e dizendo que prefere beber água durante uma coletiva de imprensa da Eurocopa, na semana passada, em Budapeste, na Hungria. O gesto contra a marca patrocinadora do torneio, uma das mais lembradas e consumidas do mundo, coincidiu com uma queda nas ações da fabricante de bebidas na bolsa de Nova Iorque, o que disseminou a suposição de que teria perdido valor por causa do atleta — o que, posteriormente, comprovou-se sem fundamento. Analistas financeiros sustentam que o gesto e sua repercussão não afetaram a Coca-Cola no campo das ações. Já no gramado, Cristiano Ronaldo se deu bem: a seleção portuguesa venceu a húngara por três a zero, com dois gols do craque, que, com isso, passou a ser o maior artilheiro da história da Eurocopa.
Nos dias seguintes, o assunto dominou o debate nas redes sociais, memes e análises de especialistas em marketing esportivo. Entre eles, o articulista de Meio & Mensagem, Ricardo Fort, fundador da Sport by Fort Consulting e ex executivo global da fabricante de bebidas. Em seu texto, Fort defende que a questão de tirar as garrafas de cena não é um problema moral, mas sim contratual, já que as seleções participantes da Eurocopa aceitam antecipadamente a presença dos patrocinadores. Por mais que se especule sobre a hipótese de ter tentado passar um recado sobre saudabilidade, ao substituir refrigerante por água, o mistério da motivação de Cristiano Ronaldo aumenta ao se considerar que ele atua na Juventus, time patrocinado pela Coca-Cola, assim como seu clube anterior, o Real Madrid. E o próprio jogador teve patrocínio pessoal da marca quando estava no Manchester. Na análise de Fort, no fim das contas, a atitude impacta negativamente mais o atleta do que a marca, que tem um histórico sólido na área de patrocínios esportivos.
Além de não abalar o valor financeiro das ações da Coca-Cola, dificilmente uma atitude como a de Cristiano Ronaldo impacta o consumo do produto. A reação mais imediata é de aplausos dos não-consumidores, que por algum motivo torcem o nariz para a marca, que se mantém há nove anos como a mais consumida do mundo, de acordo com o ranking global Kantar Brand Footprint. Na edição semanal, Meio & Mensagem publica, pelo sexto ano consecutivo, o recorte nacional Brand Footprint Brasil, também liderado pela Coca-Cola, que avançou 8% no País, no embalo da praticidade e do maior consumo caseiro impostos pela pandemia.
O estudo da Kantar é elaborado com a combinação de dados que levam em conta o alcance das marcas e o número de vezes que são escolhidas pelo consumidor nos pontos de venda. Com isso, o instituto forma o seu indicador próprio, chamado de Consumer Reach Point (CRP). Um dos impactos mais significativos na escolha de marcas de bens de consumo massivo nos lares brasileiros no último ano foi o do e-commerce, com destaque para o impulso dado à atividade pelo WhatsApp.
São também as redes sociais que mais alimentam agitações efêmeras, especialmente aquelas que não geram desdobramentos determinantes e imediatos aos envolvidos, como parece ser o imbróglio entre Cristiano Ronaldo e Coca-Cola. Passado o frisson inicial, fica mais um aprendizado para os riscos ao marketing em ambientes não controlados e nas relações com influenciadores, patrocinados ou não diretamente pelas marcas. Um dos pontos de atenção crescente está relacionado à mudança de comportamento de ídolos e celebridades, especialmente após a sedimentação do contato direto e público, via redes sociais. Se antes eram levados a ficarem longe de assuntos polêmicos e à tentativa de não desagradar, nos últimos anos passou-se a valorizar mais atitudes embasadas em propósitos pessoais. A complexidade aumenta na medida em que ficam nebulosas as fronteiras entre opinião e intolerância. Um terreno movediço para as marcas, mas que elas não podem mais ignorar e nem tirar de sua frente, como quem esconde duas garrafinhas de Coca-Cola.
*Crédito da foto no topo: Oleg Magni/Pexels
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