E quando a referência de voz é o Marlon Brando?
O produtor Apollo 9 fala sobre o desafio de escolher e dirigir um locutor para um filme publicitário
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17 de novembro de 2017 - 12h35
O produtor Apollo 9, da A9 Áudio (Créditos:
F.Bitão Photography)
É só botar o pé na A9 Áudio e você percebe que o Apollo 9 tem paixão por equipamentos vintage. Para gravar uma simples locução, ele me coloca em frente de um Neumann M49, um microfone raríssimo nos estúdios do Brasil. E a sala de controle que vejo no outro lado do vidro – de onde o Apollo 9 me dirige pelo talkback – foi construída pelo lendário produtor norte-americano Roy Cicala com equipamentos resgatados do estúdio Record Plant NYC. É de arrepiar ouvir a sua própria voz processada pelos mesmos periféricos utilizados por John Lennon, Jimi Hendrix e Frank Sinatra.
Já faz 10 anos desde que o Apollo 9 fundou a A9 Áudio em São Paulo, ao lado da Cinemateca Brasileira. Ao longo desta década tive a sorte de gravar com ele várias vezes. E sempre que estamos juntos eu aprendo algo novo: uma técnica de atuação, uma posição diferente relativa ao microfone, um registro de voz que nunca usei, etc. O Apollo 9 já trabalhou com centenas de locutores e cada um deles foi escolhido e dirigido para alcançar um propósito específico. Durante o nosso último encontro, aproveitei para falar mais a fundo sobre o desafio de escolher e dirigir um locutor para um filme publicitário.
A locução é um dos principais elementos sonoros de um filme publicitário. O que você faz, como produtor, para garantir a melhor voz para uma peça?
Apollo 9 – Faço um casting em cima do briefing, claro. Mas a questão, às vezes, é maior do que simplesmente achar a melhor voz. Você precisa levar em conta a direção e o clima que você cria. O tempo que você tem ou não tem para gravar também é importante. Porque com calma e não deixando o locutor travar, você consegue resultados muito legais. Uma vez eu gravei uma locução com o Gustavo Soares, que está abrindo uma agência agora. Ele foi da Thompson e também passou pela DPZ&T e a gente estava fazendo um filme de Shell para a Thompson. Eu tinha testado Deus e o mundo para gravar a locução. Era um texto do Bukowski e a referência de voz era o Marlon Brando. Gente, como vou fazer um Marlon Brando? Ele é só o melhor ator ever! O Gustavo tem uma voz interessante e resolvi fazer um teste com ele. Mas a voz dele estava muito pura. Aí, uma hora, cheguei e falei para ele: “Agora você vai fazer o texto berrando.” Ele fez o texto todo berrando. Aí, eu falei: “Vai de novo. Vai de novo. Está ficando bom, mas tá meio fraco. Vai de novo!” Quando ele ficou completamente rouco, eu falei: “Agora fala bem baixinho, com a voz podre.” Este é o take que foi para o ar. Eu acabei com a voz dele, mas a locução ficou foda!
Existe um equívoco comum que, para ser locutor, você precisa apenas de uma voz bonita. Mas o locutor profissional, acima de tudo, é um grande comunicador, um grande ator.
Apollo 9 – Sim, com certeza. Nem sempre uma boa direção resolve. Uma vez peguei um taxista que tinha a voz do KK. Eu juro. Moro na Granja, imagine. Fiquei uma hora com o cara e ele tinha aquela puta voz. Pensei, nossa, achei! O poor man’s KK! E ainda é taxista – tipo, ele está sempre indo e vindo de algum lugar. Posso chamar ele sempre que precisar: “Vem para cá. Pago a sua corrida e você grava uma locução.” Ele passou na produtora para fazer um teste, mas ficou horrível. Ele chegou em frente do microfone e a voz dele parecia de um sapo. Não rolou. Ele ficou nervoso. Isso acontece muito.
Você grava com os melhores equipamentos e os melhores talentos do mercado brasileiro. Sendo assim, como você enfrenta um briefing que pede uma locução “estilo YouTuber”?
Apollo 9 – É engraçado, né? Você tem uma agência, que é profissional, imitando um trabalho que não é profissional. Você tem um locutor, que é profissional, imitando um YouTuber que não é profissional. E você grava numa sala, que é profissional, imitando um espaço que não é profissional. Um bom locutor sabe interpretar com naturalidade, mas, às vezes, para deixar a fala ainda mais espontânea, eu gosto de afastar o locutor do texto. Não deixo ele ver o roteiro. Vou falando e ele repete. Assim, o locutor sai um pouco da relação entre a escrita e a fala. Também, costumo pedir para o locutor se distanciar do microfone. Há um palmo de distância do microfone você tem uma captação de grave e do peso da voz que corresponde ao que a gente tem como “o locutor”. Mas quando é para parecer som direto ou essa coisa de YouTube, você grava distante do microfone – distante mesmo, tipo 40 ou 50 centímetros. Em alguns casos quase um metro. Depois a gente trata, equaliza.
Às vezes quando uma locução não alcança o briefing desejado, a agência pede para mudar de locutor. O que fazer nestes casos?
Apollo 9 – Às vezes na reunião e na pressa e na vontade de agradar você acaba sacrificando o locutor. Você acaba cedendo a essa coisa de: “Tudo bem. Esse não é o locutor.” Mas muitas vezes a pessoa encarregada da trilha deve defender esse locutor. Antes de mudar, experimente com uma direção diferente – uma captação de microfone diferente. Grave o cara distante do microfone, entendeu? Alguns anos atrás gravei a assinatura de uma campanha da Mitsubishi para a Africa com a voz do Renato Godá. A agência não aprovou a locução. Mas em vez de mudar de locutor eu acabei alterando a rotação e a locução ficou incrível. Eu baixei um pouco a rotação e a locução se transformou completamente. O Godá virou um locutor com alcance que é diferente do dele. Então, muitas vezes é uma questão do trillheiro vender uma ideia que ele tem na cabeça e firmar o pé nessa ideia. Ele precisa defender o que ele acredita. Mas para ter essa coragem, você realmente tem que saber o que você está fazendo. Porque você também não quer comprometer o resultado final. Mas quando a gente tem esse feeling de “Olha, esse locutor vai ficar perfeito pra isso”, ele tem fundamento. Um locutor pode soar completamente diferente por “n” recursos.
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