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O fim das capivaras

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Opinião

O fim das capivaras

A mistura de entretenimento e informação é adequada para as redes sociais de prefeituras e órgãos públicos? O resultado das eleições mostra que likes não se converteram em votos


10 de outubro de 2016 - 16h01

Desde 2008, as campanhas políticas passaram a usar a internet como um canal de comunicação, mas a popularização começou com o uso de redes sociais nas campanhas presidenciais de 2010 e de lá para cá não parou mais. A reforma eleitoral de 2015 reduziu o tempo de televisão, a duração da campanha e limitou os recursos, dando à web um peso ainda maior que antes. Claro que a televisão continua sendo o canal de maior penetração, mas hoje é inviável pensar em uma campanha sem uso de redes sociais.

Nos últimos anos o fenômeno digital foi tão grande e impactante que algumas prefeituras passaram a ter canais sociais. O canal mais conhecido de todos, com direito a prêmios inclusive, é a fanpage da cidade de Curitiba. Ao ver a grande quantidade de likes, comentários e compartilhamentos é possível mesmo crer no sucesso da página feito por meio da publicação de frases motivacionais, fotos bacanas, brincadeiras com outras páginas e, de vez em quando, uma ou outra nota de utilidade pública. Até mascote a página adotou: a capivara.

A maior parte dos especialistas digitais acredita que o modelo de comunicação adotado pela página, misturando entretenimento e informação, é o caminho a ser seguido. Mas será que é mesmo? Ter uma página tão bacana reflete na aceitação e na avaliação de uma gestão?

Sempre fui crítico a essa comunicação por crer que um canal social de uma instituição, pública ou privada, nada mais é do que um braço de atendimento, um aspecto virtual do mundo real. Logo, o conteúdo publicado, o tom, a linguagem e o posicionamento sobre temas devem estar em sinergia com a cultura da instituição. Órgãos públicos têm uma finalidade específica: prestar serviços à comunidade.

Não sei qual a sua experiência em se relacionar com uma prefeitura, mas geralmente eu falo com ela quando há algo errado. Não me aproximo de um funcionário público para ser entretido por ele, mas para ser atendido, enfim, ter o meu problema resolvido. Imagine uma situação, você recebe seu carnê do IPTU errado, com valores a mais do que o devido, e vai no setor responsável para pedir a correção. A pessoa prontamente lhe atende, mas ao invés de resolver o seu problema, lhe pede para doar sangue e achar uma fotografia da cidade bacana. Estranho, não é?

Claro que ao ler isso você pode pensar “mas que cara chato, deixa o povo ser feliz”. Entendo esse pensamento e até concordo com ele, mas te convido a fazer uma reflexão sobre o uso do dinheiro público. Duas verdades precisam ser colocadas: não existe dinheiro público, existe o seu dinheiro aplicado em políticas públicas; a prefeitura paga profissionais para pesquisar, planejar, produzir e publicar conteúdo em seus canais. Sendo muito claro, é você que paga a conta das brincadeiras.

Ao invés de ficarmos colocando opiniões contrárias e favoráveis, prefiro conduzir essa conversa que estamos tendo aos fatos. O fato mais relevante é o desempenho pífio de Gustavo Fruet em sua campanha de reeleição à prefeitura de Curitiba. Com página engraçadinha e tudo, cheia de fãs, likes, prêmios, sequer chegou ao segundo turno, tendo a avaliação de sua gestão como uma das piores dos últimos 20 anos.

Os likes não se converteram em votos e a urna faz aquilo que faz de melhor: a urna julga. Não preciso recorrer a fórmulas complexas para explicar o que aconteceu de errado. Basicamente, fãs não são, necessariamente, eleitores

Em Goiânia há um outro fenômeno de redes sociais, conhecido como delegado Waldir, que se candidatou à prefeitura da cidade. Ele também botava fé na sua presença digital, dizendo-se eleito pela internet. Também não foi ao segundo turno. Por todo Brasil esse fenômeno se repetiu, muitos políticos com grande quantidade de fãs entenderam que o entretenimento não é o melhor caminho quando a métrica é a quantidade de votos.

Observando a fanpage de Curitiba e as demais é possível encontrar um padrão. Os eleitores de hoje se entretêm com o conteúdo leve, mas não encontram razões para fazer juízo de valor positivo. Tivesse Fruet adotado uma linha de comunicação direta, objetiva e transparente, fazendo eventos ao vivo na página, dando explicações sobre seu mandato, falando o que deu certo e o que deu errado, todas as semanas, com certeza teria outra avaliação dos munícipes.

Não há gestão perfeita, mas nada mais deixa um eleitor irritado do que a postura de um político em fazer de conta que está tudo bem. É aí que entra o problema em transformar canais sociais de instituições ou figuras públicas em algo engraçadinho, há uma quebra entre a expectativa do munícipe e o que a gestão lhe oferece. O eleitor quer entrar na página e saber porque a rua dele está com buracos no asfalto ou sem iluminação. Quer saber quando é que as obras vão acabar na vizinhança. Quer participar das decisões do zoneamento da cidade. Quer ver como anda as contas da gestão. Se ele quiser rir, há outros caminhos que não o faça se sentir o palhaço da história. É o fim das capivaras.

RESPOSTA
Sobre o artigo acima, Meio & Mensagem recebeu a seguinte mensagem de Álvaro Benvenutti Borba, diretor do departamento de internet e mídias sociais da Prefeitura de Curitiba:

O projeto da Prefeitura de Curitiba para as redes sociais é pauta de análises (e críticas) desde sempre. Se, na condição de diretor do trabalho e criador do mascote que o acompanha, não respondo a todos os artigos escritos sobre o assunto, é porque nem todos são publicados pelo Meio & Mensagem e nem todos carregam a assinatura de Marcelo Vitorino; uma referência profissional e acadêmica para muitos de nós, profissionais da comunicação brasileira.

Dessa vez, percebo que responder é um dever moral porque a análise de Vitorino parte de uma premissa patrimonialista que nosso projeto se esforçou para deixar para trás: ~a Prefs falhou porque não reelegeu o prefeito~. A conclusão implícita aí é a de que a comunicação pública deve servir a propósitos partidários sem restrições. Em Curitiba, não pensamos assim. Separamos a comunicação entre cidade e cidadão da comunicação entre político e eleitor. São atividades diferentes, com propósitos diferentes e, principalmente: devem ser bancadas por recursos diferentes.

A Prefs prima pela impessoalidade. Os profissionais envolvidos no cotidiano do conteúdo e do atendimento quiseram assim. As lideranças administrativas e políticas que validaram o projeto quiseram assim. E, se quiseram assim, é porque era, é e continuará sendo o certo.

Vitorino também questiona nossos parâmetros de conteúdo, que classifica como um mero entretenimento “com uma ou outra mensagem de utilidade pública”. A afirmação é injusta. Desde 2015, todas as postagens estão obrigatoriamente enquadradas em uma de três categorias: cidadania, educação e divulgação de serviços públicos. Aliar entretenimento a essas mensagens permitiu que a Prefeitura de Curitiba conquistasse mídia ao invés de comprá-la com o suado dinheiro do contribuinte. Entre junho de 2013 e julho de 2016, os conteúdos da Prefs no Facebook foram vistos 1,5 bilhão de vezes. Se quiséssemos atingir o mesmo público comprando mídia na TV local, gastaríamos aproximadamente R$ 53 milhões. Os dados estão catalogados em um amplo relatório que já circula nas mãos de pesquisadores de várias universidades brasileiras. Como nosso trabalho é público, o acesso aos dados gerados por ele também é. Queremos que seja. Vitorino pode tê-los, até para aprofundar a crítica que está esboçando.

Por fim, ressalto que qualquer análise que se preze deve estar equipada de dois itens essenciais: metodologia adequada e distanciamento histórico. Ninguém vai ousar dizer que Vitorino não tem capacidade de providenciar o primeiro. Ele tem, mas precisaremos esperar um tempo para entender que impacto Curitiba teve sobre a comunicação pública brasileira. Algumas características do nosso projeto podem sobreviver, influenciando futuras iniciativas, como já vem acontecendo. Outras, que podem se provar errôneas ou inúteis, sumirão do mapa, num processo análogo ao de seleção natural. Não há vergonha nenhuma nisso: quem quiser inovar precisa experimentar e aceitar os riscos.

O tempo vai dizer quais dessas experimentações serão dignas de se desdobrar em processos de inovação. Enquanto não disser, que não nos falte paciência. Quando finalmente tiver dito, que não nos falte capacidade de reflexão e até mesmo de autocrítica.

PS – Ao contrário do que sugere o título do artigo, o projeto não terminou. As redes da Prefs voltam em novembro.

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