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Realinhando as expectativas

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Opinião

Realinhando as expectativas

A Keio University tem mais de 33 mil alunos em seis campi em Tóquio e é de lá que saíram grandes líderes do país, dentre os quais três primeiros-ministros, e onde até Albert Einstein fez palestra


8 de junho de 2018 - 18h17

Crédito: reprodução/YouTube

Depois de quase uma semana no Japão, muitos colegas já falaram sobre as inúmeras diferenças entre as nossas culturas, comportamentos e jeito de tratar os negócios. Por mais que falemos (ou escrevamos), nunca vai ser o suficiente para retratar esse abismo de diferenças. Porém, além delas, quero falar sobre a nossa visita à mais antiga universidade do Japão.

Bem, quando recebi a agenda, lá estava: visita ao Mediacom — Institute for Journalism, Media & Communication Studies da Keio University. Obviamente, imaginei logo um laboratório high-tech, com supercomputadores, gadgets, big data, super data, inteligência artificial, “cientistas malucos”, roupas extravagantes e tudo o mais.

Só que, no Japão, nada é óbvio. Quando chegamos, não era nada daquilo que eu havia imaginado. Ou melhor, era exatamente o oposto. Um prédio bem antigo, professores de direito e jornalismo, todos com terno e gravata, altamente formais e nenhum equipamento high-tech, a não ser o modesto data-show.

Antes de continuar, preciso contextualizar sobre a Keio, algo que eu deveria ter pesquisado antes de ir, mas, como “bom” brasileiro, não fiz. A Keio University foi fundada em 1856 por Yukichi Fukuzawa, que adotava o Jitsugaku, uma forma de aprender sobre o mundo baseada na aplicação da razão, observação e verificação. Ele falava ainda que estudar sem praticar é o mesmo que ser ignorante. A Keio tem mais de 33 mil alunos espalhados nos seus seis campi em Tóquio. É uma das universidades mais respeitadas do Japão, de onde saíram grandes líderes do país, dentre eles três primeiros-ministros e onde até Albert Einstein fez palestra. Seu fundador, uma das pessoas mais conhecidas por lá: estampa a nota de dez mil yenes.

Voltando às palestras, vem a pergunta: rolou decepção? Não mesmo! Antes que eu pudesse pensar em me sentir desapontado, minhas expectativas foram organicamente (para usar uma palavra da moda) realinhadas. Os professores nos apresentaram o que há de mais moderno no mundo da comunicação: a oratória. Aquele não era um simples prédio antigo, mas um espaço, fundado em 1875, para sediar concursos de oratória, que o fundador da universidade considerava como a forma mais sublime da comunicação. Utilizado apenas em ocasiões muito especiais, tinha carpete, madeira, cheiro e ares de igreja, e com tal reverência era tratado por todos. Além de agradecer de coração nossa presença, o primeiro professor até confessou o seu nervosismo, pois aquela era a primeira vez que ele falava para uma plateia dentro daquele templo.

As palestras seguiram e descobrimos que o Mediacom era mais voltado para o estudo do jornalismo, e com foco especial para o jornal impresso. Aqui vale um parêntese (gigante) sobre o meio jornal no Japão. Embora a circulação também venha diminuindo, ainda são impressos mais de 32 milhões de exemplares por dia, dos quais mais de dez milhões são do primeiro colocado, somando as edições matutina e vespertina, como pudemos constatar na palestra da NSK, associação dos jornais japoneses.

Esse papel tão importante do jornal impresso para o Japão foi reforçado pelo vice-reitor da Keio. Fora defender veementemente a liberdade de expressão, ele acredita que a leitura do jornal impresso é tão importante quanto a própria universidade em si. Inclusive, vários dos líderes e políticos japoneses vieram do jornal impresso, porém, esse espaço está sendo tomado por jornalistas que apresentam telejornais.

Cheguei, então, à conclusão que aprendemos muito mais com aquelas palestras do que qualquer outra sobre big data ou equipamentos high-tech. Afinal, além de respeito, atenção e carinho, os amigos da Keio nos fizeram parar e pensar na essência e importância da comunicação, independentemente do meio. Arigato!

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