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CADE e a fragilidade da indústria de propaganda do Brasil
O recente episódio de interpelação da Globo pelo CADE é emblemático menos pela interpelação em si e mais pela cadeia de elos estruturais políticos e econômicos que contém
CADE e a fragilidade da indústria de propaganda do Brasil
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BuscarO recente episódio de interpelação da Globo pelo CADE é emblemático menos pela interpelação em si e mais pela cadeia de elos estruturais políticos e econômicos que contém
7 de dezembro de 2020 - 16h09
O BV é uma prática incorporada ao cotidiano do negócio da propaganda desde que propaganda é propaganda no Brasil.
Antes, rolava e ninguém falava abertamente sobre. Lembro-me dos primeiros artigos a respeito do tema que escrevi no M&M, que me renderam puxões de orelha e admoestações de lideranças do mercado. Sigo recebendo-as, décadas depois. Sintoma de que o tempo passa, o mercado evolui, pero no mucho.
Minha tese – aliás, minha apenas não, do grupo Meio & Mensagem também, na época – alertava que o BV correria o risco de enviesar recomendações mais estritamente técnicas das agências na distribuição das verbas de mídia. Além disso, poderia criar o risco de alta dependência financeira das agências dessa linha de receita.
Tudo isso inequivocamente aconteceu. Sendo que a questão da dependência financeira tomou tal dimensão a ponto de, no caso de as medidas coibitivas do CADE passarem a valer de forma definitiva a partir de agora, parte delas poder vir a sofrer fortemente o impacto da decisão sobre suas receitas.
Fui dono de agência por 10 anos. Nem de longe é o que desejaria. Estou odiando ter acertado.
O BV passou a ser reconhecido como um procedimento mais abertamente admitido nos anos recentes e os players de mercado passaram a conviver mais francamente com ele como um dado da planilha.
O CADE existe para coibir práticas de dumping e punir a concorrência desleal.
Enquadrar a Globo em qualquer das suas normas é forçar forte a mão, porque a empresa joga com as regras pactuadas institucionalmente pelo mercado e, assim como ela, jogam igualmente todos os demais peões desse xadrez publicitário brasileiro. Incluindo aí demais publishers, agências e anunciantes. Todos, e eu repito, todos, compõem um mosaico interligado. Todos reconhecem a legitimidade do procedimento. E o praticam amplamente. Com amparo nas normas do CENP.
Prova de que somos uma cadeia é o número de empresas citadas no ofício do CADE.
A justificativa do órgão de que o BV da Globo enviesa o mercado porque se trata de empresa líder é de rir, porque toda liderança de mercado resulta em desproporções competitivas evidentemente favoráveis ao líder.
Imaginar uma economia de mercado sem lideranças é imaginar uma economia de forças equânimes. Seria o CADE comunista ? Isso faria de Bolsonaro um bolchevique. Meu Deus!
Naaaaa. Bull shit.
Só que nada disso é o mais importante, porque o enredo é tíbio em sua própria natureza primata. Tosco e bronco por origem, já na concepção.
O mais importante é enxergar a fragilidade institucional desta indústria diante das magnificiências dos altos poderes estabelecidos do Estado. Não deste Governo, atente o leitor, mas do Estado. Não nesta pandemia, mas há décadas.
Um episódio como esse nos coloca, como setor, nús diante de nossa própria ineficiência política como indústria. Nossa inarticulação. Nossa voz muda. Que ninguém nem aí para ouvir.
Tal indústria, frágil de si mesma, amarga sua própria falta de renovação de lideranças politicamente fortes e representativas, e de seu inexistente amadurecimento institucional enquanto corpo.
Louváveis os esforços e o trabalho da ABAP, em nome das agências, com destaque para a mão do Mario D´Andrea, que pegou um abacaxi histórico e vem tentando descascá-lo do jeito que dá. Louváveis ainda as iniciativas de todas as demais associações do setor. São muitas e são igualmente merecedoras de nosso reconhecimento.
Só que, infelizmente, isso é pouco. E não é isso o mais importante. É mais fundo esse poço.
Quem somos? Quem é essa indústria de marketing e comunicação que só consegue, diante de fato como esse do CADE, sair-se apenas toda lamentosa e criticosa, uns achando o máximo, outros revoltados de uma revolta inócua, mas que, em bloco, nada de mais efetivamente concreto consegue fazer para defender os negócios do setor?
Minha pergunta contém sua resposta.
Há quem acredite que a Globo possa até estar achando tudo isso algo benéfico para si mesma, já que desembolsa milhões em BV.
Por mais esquizofrênico que possa parecer, vamos, por hipótese, admitir que seja assim. Admitamos que a teoria da conspiração não seja apenas uma teoria.
Pois sabe o que? Não muda nada. Seguimos, enquanto indústria, reféns de uma insignificância econômico-política de dar dó.
Esta indústria é a indústria de fomento de todas as outras indústrias. Máquina de construção de mercados. Mas e daí?
Onde viemos parar?
CADE? Respeitada aqui sua inequívoca valia no saneamento dos exageros da (muitas vezes) ilógica capitalista, dependendo dos humores de plantão, pode, ele mesmo e ele também, expor publicamente as vísceras de suas próprias incongruências, vindo a ser massa de manobra da majestade temporão por hora no castelo.
A vítima aqui não é a Globo. É toda esta indústria. Aliás, qual indústria mesmo?
Eu explico qual indústria.
Somos uma indústria de geográfica limitação nacional. Um bairro. Mas nos achamos Brasil-il-il!!! (Tá bom, na área de criação somos ponta global, concedo com honra e louvor.)
O mapa desse business é aquele que fica na mesa da professora de geografia da escola primária. Um globo, lembra?
As regras deste negócio são globais. Nosso cafofo de regras nacionais, que tão bem fizeram à prosperidade desta indústria por décadas, está sendo invadido mais e mais por um tisunami internacional de ocupação por gigantes players muitas vezes maiores do que inúmeros países inteiros.
Nossas maiores empresas são micro pecinhas no quebra cabeças dominado, dependendo de quem faça essa conta, por 9 ou 12 gigantes extra nacionais, mega plataformas de negócios que estão e estarão mais presentes em cada cantinho do Planeta. Aqui no bairro também.
O Brasil ainda se pendura mal e mal entre as, sei lá, 10 maiores economias globais, mas sob a ótica da indústria da comunicação internacional, deixou de ser estratégico.
O CADE bate num mercado já combalido. Os players que julgam estar sentados à direita de Deus Pai e que imaginam lucrar de alguma forma com isso olham um canto aprazível de praia. Só que, já disse, trata-se de um tisunami.
O jogo de poder é um jogo de alternância. Hoje é assim, amanhã é assado. Os bobos da corte passarão, assim como toda a corte.
O que vai imutavelmente permanecer é a cena maior de um mundo em que pequenos, que pensam pequeno, serão tragados.
Nossa indústria é brilhante. Talentosa. Transformou e construiu marcas numa contribuição não menos do que bilionária em décadas para toda a economia do País. Vive agora franco e profundo processo de auto reformulação e renovação. Agências, anunciantes e publishers. O maior processo de transformação de todos os tempos. Maior do que a chegada da TV ou da Internet. É esse o quadro em questão.
Sairá, ali do outro lado do tsunami, completamente outra. Em minha pobre e parca opinião, renascida, renovada e mais forte. Além de muuuito mais em linha com as novas realidades de uma sociedade igualmente em profunda evolução sem fim. Sairá adaptada a nova era da transformação recorrente, porque entenderá, finalmente, depois de tantos avisos, que transformação não é um acaso, mas a nova norma.
Mas uma ameaça como essa do CADE expõe, inevitavelmente, nossas entranhas.
E não é tão bom assim o que se nos revela ver.
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