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5 de novembro de 2018 - 6h32
Por Arnaldo Azevedo (*)
As eleições mais digitais que o Brasil já presenciou acabaram há uma semana. Diante de tudo que se assistiu e tentando abstrair a questão ideológica, é possível concluir que a relação do eleitor com o processo eleitoral definitivamente se transformou e, por consequência, tornou obsoleta a maneira de se pensar e fazer marketing politico digital.
O cidadão está mais próximo, mais participativo da comunicação, a penetração de internet nas camadas mais baixas da sociedade é ampla, o volume de informações (verdadeiras e falsas) gigantesco. As premissas de marketing usadas em outros anos fazem pouco sentido agora.
Esta é a visão de quem fez parte nos últimos 180 dias desta campanha, vendo e vivendo diariamente a frente digital das eleições. Por mais que se tivesse à mão as melhores ferramentas, verba de mídia, softwares de CRM, time competente e militância treinada para agir digitalmente, não foi suficiente para alterar o resultado.
Diante desse contexto, deve-se levar em consideração quatro elementos que funcionam integrados: propósito, tempo, autenticidade e engajamento.
Ficou evidente que o trabalho deve começar bem antes do horário eleitoral e essa mudança de paradigma deve ser entendida por políticos e profissionais. Uma campanha presidencial digital precisa ter 730 dias. Pelo menos.
Outra condição substancial é entender que engajamento não é uma métrica em si. Envolvimento não se compra durante a campanha eleitoral. Custa muito caro e é pouco eficiente. É preciso construir ao redor de um propósito e isso leva tempo.
O conceito VUCA (volatility, uncertainty, complexity, and ambiguity) pode também ser aplicado no contexto do marketing político digital. Obtiveram resultados mais positivos aquelas campanhas que investiram em construir uma audiência ao longo do tempo, com pequenas ações sob uma estratégia muitas vezes não tão detalhada, percebendo que o contexto político a longo prazo também era incerto e que poderia mudar de forma dinâmica, sem muito prévio aviso. Fizeram mais e planejaram menos, isso inclui erros no meio do caminho, que de uma maneira ou de outra serviram para reajustar o norte das iniciativas.
A campanha de Jair Bolsonaro, por exemplo, não fez uso oficial de nenhum desses novos meios permitidos pelo TSE, não fez post patrocinado, tampouco priorizou a mídia tradicional. Preferiu apostar no potencial do suporte que conseguiu construir a partir 2014 nas redes sociais. E isso fez toda a diferença.
É insuficiente atribuir o sucesso de sua comunicação somente à plataforma do WhatsApp.
Mais do que criar grupos de pessoas, o ponto primordial foi lançar e sustentar uma proposta, uma narrativa forte o bastante capaz de ser coerente para a maior parte dos eleitores. No final do dia ele foi “a ideia”, não Lula.
O WhatsApp e seus grupos funcionaram como câmaras de eco e de propagação desse posicionamento.
Os seguidores se identificaram tanto com o candidato que começaram a criar espontaneamente outros grupos, estabelecendo um target network, grupos de pessoas com visões semelhantes. Como diz Peter Hinssen em The Network Always Wins, “Muitos mercados se transformaram em redes de inteligência. Os consumidores tornaram-se ‘network thinkers’ extremamente informados, influenciados pelo que ouvem, veem e leem; e eles confiam um no outro mais do que confiam em mensagens comerciais”.
No caso dessas eleições, os superengajados eleitores de Bolsonaro se tornaram esses network thinkers, criando e disseminando conteúdo em grupos de WhastApp, agregando novas pessoas de crenças e propósitos semelhantes. Aliado a outros fatores contextuais, o movimento ganhou tração e escala, essenciais para uma campanha nacional. As pessoas se sentiram parte do processo.
Foi uma campanha de comunicação exponencial, com envolvimento poderosíssimo, criação de conteúdo descentralizada, compartilhamento e disseminação por milhares de grupos invisíveis para as tradicionais ferramentas de monitoramento, apartado dos olhos dos analistas e jornalistas. O que se viu não foi o processo, mas o resultado.
A prioridade pelo uso das redes sociais também serviu de demonstração para seu posicionamento, uma regra não-escrita do candidato antissistema, que foi parte do seu discurso. Usar o Twitter e o Facebook ao invés dos canais tradicionais de mídia, ajudou a sustentar este discurso, inclusive no discurso da vitória. Deverá ser assim durante o governo.
Em menor escala este movimento foi também emulado por João Amoêdo. Com quase nenhum tempo de TV, sem participação em debates ele e seu partido apresentavam também um produto alinhado ao tempo e contexto que fez sentido para parte considerável do eleitorado, principalmente do sudeste.
Novamente os meios digitais serviram como ponto de contato e propulsor de alcance para que pudesse criar empatia com seus eleitores, gerar engajamento capaz de também gerar certa tração e espontaneidade que o levou a conquistar pouco mais de 2,5% dos votos totais.
As próximas campanhas eleitorais têm de analisar e entender como lidar com essa mudança de paradigma no processo de comunicação não-linear, descentralizada e em rede.
Candidatos precisam levar em consideração o potencial dos meios digitais, compreender que o trabalho deve começar dois anos antes do horário eleitoral na TV, que é necessário enxergar as redes como plataforma de construção de base, como uma ponte de empatia com o eleitor. O custo por voto será consideravelmente menor. Neste novo contexto é fundamental construir relacionamentos de longo prazo, promover a participação da comunidade e ser uma figura autêntica.
Do ponto de vista profissional, é necessário levar em consideração novamente o VUCA. Não há uma única estratégia que é definida e seguida por tanto tempo. As ações devem se moldar à evolução do processo. Fazer mais, planejar menos. Testar, aprender. Estabelecer efetivamente um trabalho em equipe. Big data não é absolutamente nada se não tiver análise. Tornar como item mandatório a coleta e análise de dados, isso poderá ajudar a decodificar parte deste emaranhado de percepções.
A sociedade mudou de um modelo centralizado (e ai inclui-se a mídia e os meios de informação) para um modelo descentralizado e não linear.
Portanto, não se enfrenta e vence uma rede descentralizada com uma estrutura obsoleta, linear e centralizada. É preciso uma rede para enfrentar outra rede.
(*) Arnaldo Azevedo é Head de Digital da Benjamim e foi Diretor de Mídia Online da Campanha Presidencial de Geraldo Alckmin