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18 de junho de 2019 - 7h03
Por Antoine Youssef Kamel (*)
Há um princípio na área da segurança militar que diz: o ataque está sempre à frente da defesa. Em termos práticos, o avião de guerra com a melhor blindagem pode resistir à artilharia antiaérea, mas não permanecerá no ar se o inimigo tiver a melhor arma. Em outras palavras, enquanto se prepara uma proteção contra a arma mais poderosa atualmente, o desenvolvimento bélico já terá dado um passo à frente e, contra o mais novo ataque, a defesa estará despreparada. Assim, o ataque será sempre mais forte do que a defesa.
Esse princípio vale também para a segurança digital, a segurança na internet. Na verdade, o princípio da segurança na internet é: ‘se querem uma informação sobre você, e você está conectado à internet, vão conseguir essa informação’.
A questão é: quantas pessoas estão preocupadas em saber alguma coisa sobre você, sobre a sua vida?
Um usuário comum da internet — eu e possivelmente você, por exemplo —, mesmo com cuidados de navegação e precauções básicas esperadas, não está livre de ter invadida aquilo que considera sua privacidade on-line. Um hacker conseguiria burlar a segurança desse usuário e ter acesso a contas de serviços on-line se tivesse interesse. Basta lembrar de autoridades que tiveram contas ou dispositivos invadidos, ou de personalidades cujas fotografias íntimas foram acessadas e publicadas sem autorização.
Não importa o grau de confidencialidade de uma informação, o ataque está sempre um passo — pelo menos um passo — à frente da defesa.
Na divulgação das conversas entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, foi mencionado o aplicativo de mensagens utilizado. Esse aplicativo utiliza comunicação criptografada, o que o torna relativamente seguro. Ainda que não tenha havido nenhuma falha de segurança no aplicativo que permitisse acesso ao conteúdo por terceiros (hackers), as informações podem ter sido divulgadas por algum dos envolvidos nas conversas. Mesmo que mensagens transmitidas on-line fossem literalmente impossíveis de serem interceptadas e decifradas (o que não são), se o inimigo estiver na linha, ele não precisa burlar nenhuma medida de segurança para ter acesso.
Ademais, ainda que os interlocutores sejam confiáveis, de nada adianta ter os melhores recursos tecnológicos de segurança digital de comunicação se os aparelhos que trazem o conteúdo não são também protegidos por senha e criptografia, ou se são emprestados para alguém, furtados ou roubados. Melhor ainda, que as mensagens sejam lidas e apagadas, sem backup nenhum, diminuindo a chance de outras pessoas terem acesso a elas — com o contraponto de o usuário também perder a sua própria mensagem, ficando apenas em sua própria memória.
Pode ser que hoje ninguém queira saber algo sobre nós, e assim nos sentimos seguros. Mas um hacker experiente pode devassar o conteúdo da vida que demonstramos on-line, na internet, mesmo que pensemos que estamos compartilhando apenas com amigos ou que só estejamos guardando para nós mesmos.
Assim, a privacidade na internet não é um mito, mas é praticamente impossível.
O teclado inteligente que temos no celular, que nos corrige e sugere palavras, consegue esse feito porque captura e guarda tudo o que digitamos. O servidor gratuito em que guardamos nossas fotos, vídeos e documentos de toda espécie (Dropbox, Google Drive, OneDrive), tem por trás uma grande empresa, e sabemos o que move as empresas. Se nossos dados estão seguros ali, é porque hoje, para elas, a imagem positiva no mercado e a informação que guardam para si rendem mais dividendos (dão mais lucro) do que vazar na internet o conteúdo de seus usuários.
A atitude correta frente à incerteza da segurança digital é uma só: não tenhamos algo a esconder.
Pois se divulgarem tudo que temos e tudo que fazemos na internet, nossas fotos, nosso histórico de navegação, nossas mensagens familiares, no máximo conheçam os quatro cantos de nossa casa, saibam onde passamos as férias, vejam fotos de nossos filhos brincando, deem risada de nossas discussões em grupos de trabalho e estranhem como nos divertimos com coisas simples. E, no fim, apenas passemos receio e vergonha pela abertura de nossa vida, mas que nada nela e, especialmente, nada do que registramos eletronicamente, possa ser uma arma contra nós.
Mário Quintana já disse: “Sorri com tranquilidade/ Quando alguém te calunia/ Quem sabe o que não seria Se ele dissesse a verdade…” (poema Da Calúnia)
(*) Antoine Youssef Kamel é coordenador adjunto do curso superior tecnológico em Investigação Profissional do Centro Universitário Internacional Uninter.