SXSW: Foi bom pra você?
Como de costume, o SXSW é uma aula de perspectivas
Como de costume, o SXSW é uma aula de perspectivas
21 de março de 2023 - 15h37
O tom do maior festival de inovação do mundo já foi dado na palestra de abertura do SXSW 2023. Simran Jeet Singh, autor do best seller “The light we give”, recebeu a audiência com a provocação de que devemos, intencional e verdadeiramente, ver o lado bom das coisas e que esse exercício vale a pena. Abordando o tema do preconceito, Simran narrou o que sentiu ao reagir com omissão e, depois, com a mais profunda fúria. Decepcionado consigo mesmo em ambos os episódios, resolveu estudar os sentimentos e domar as emoções: “O desafio é encontrar otimismo sem fingir que não existem dificuldades”. Na perspectiva mais positiva possível, foi dada a largada para uma das semanas mais especiais do ano, na minha enviesada perspectiva.
No segundo dia, Amy Webb distribuiu a cada um dos 2.500 presentes uma folha com imagens 2D criando uma ilusão de ótica 3D e desafiou a turma a encostar o desenho no nariz e afastá-lo, até que a logomarca do SXSW aparecesse. No meio da experiência, comentou: “Nem todos conseguem ver, mas basta calibrar o olhar pra enxergar de outra forma”; e continuou: “Tem coisas bem assustadoras (nas 666 tendências que mapeei), mas, no final, fiquei esperançosa”. A aposta da queridinha do SX é de um desfecho 20% otimista, contra 80% de um cenário sombrio. A esperança? Deve ser uma questão de perspectiva em relação às atitudes humanas frente à tecnologia.
Outra palestrante que me fez refletir sobre o tema “perspectiva” foi a psicoterapeuta Esther Perel, especialista em relacionamentos amorosos. Ela já chegou ao palco com a polêmica do programador que criou o “bot-Esther”, uma versão disponível 24 horas por dia, em IA, para ele mesmo perguntar sobre as próprias dúvidas. Rindo sobre a iniciativa, ela levantou outra perspectiva: “Nunca um bot vai fazer as conexões que eu faço ou ler o rosto da pessoa, como eu leio”. – Mas às vezes é melhor o bot do que zero acesso a uma terapia?! – “Fico preocupada com a diminuição da intimidade com humanos, gerada pela intimidade artificial”.
Em seguida, ela me fez a maior provocação do Festival: “Quantas vezes você fala ‘aham’ sem nem prestar atenção ao que estão te contando ou perguntando?”. ‘Meo Deos’, como eu falo esses “ahans”. A perspectiva da presença, aquela de corpo e alma de que tanto falamos… Esther (humana, não a bot-Esther) dá um choque de realidade quando despeja na tela um vídeo de um bebê tentando chamar a atenção da mãe, quando ela só está ali de corpo, e a felicidade dele quando sente a presença por inteiro. Quantas vezes estamos presentes em parte? Quanto estamos perdendo em nossas relações?
“Nossa autoestima fica dependendo da nossa performance digital… Por outro lado, a intimidade real traz emoções contraditórias, como amor e ódio; atração e repulsa; excitação e chateação. Ficar desconfortável nos faz sentir que somos de verdade e descobrir quem somos, de fato”. É! Ela lançou uma perspectiva tão intrigante quanto óbvia sobre os perigos da intimidade artificial. Buguei e não prestei atenção em mais nada nesse dia. Fui aprofundar ouvindo o podcast da musa Esther: “Where should we begin?”.
No dia seguinte, veio o indiano, poeta e guru Depak Chopra e disse: “Não preciso mais usar nenhum psicodélico, porque agora chego aonde eles nos levam utilizando somente a meditação”. “Aonde será que eles nos levam?”, pensei eu… Pelas ruas de Austin, carrinhos vendendo cogumelos e uns potinhos que eu não entendi bem para onde levam a alma. Enfim, voltando ao Chopra, ele guiou uma meditação para uma plateia gigante e deu uma nova perspectiva para os psicodélicos como solução à “epidemia” de depressão que já é realidade para mais de 280 milhões de pessoas no mundo, segundo a OMS. “Todos os nossos problemas têm a ver com o ego; então, toda alternativa para dissolver o ego faz sentido”.
Mais uma que sublinhou meu recorte de perspectivas foi a pesquisadora Amy Galo, com a palestra intitulada “Como trabalhar com pessoas difíceis?”. “Nossa qualidade de vida depende dos nossos relacionamentos, e isso envolve as pessoas do nosso trabalho… Uma pesquisa mostra que 80% das pessoas dizem trabalhar com pelo menos uma ‘pessoa horrível’”. E ela recomendou quatro coisas: 1. Lembre-se que sua perspectiva é apenas sua perspectiva, não necessariamente a realidade; 2. Às vezes é o próprio trabalho que gera o desconforto, e não a pessoa; 3. Evite fofoca; 4. Experimente ações diferentes para apaziguamento, pensando que o momento de vida de cada um influencia muito seu comportamento no trabalho. Mas, para mim, a melhor nova perspectiva que ela trouxe foi: “Às vezes, a pessoa difícil no time é você!”.
No dia seguinte, entrei numa sala pequena, com poltronas ao redor de mesas de discussão, e quase saí de tanto receio desse formato. Paul Stamets, o micologista-mestre dos cogumelos que lotara uma sala gigante dias atrás, estava num painel com uma astronauta e o criador de uma startup, que levava as pessoas para fora da Terra em um processo de Team Building. “Quando pessoas com repertórios, opiniões, origens e estilos diferentes saem da Terra, elas percebem que são mais iguais do que imaginavam e se desprendem de crenças limitantes. Nesse formato, problemas comuns à sociedade podem ser resolvidos com eficácia”, disse o empreendedor. E Stamets contradisse: “Não precisamos de tanto para romper os pré-conceitos. Basta consumir cogumelos”. Enfim, novas perspectivas sobre Turismo, Espaço e Psicodélicos, como dizia o título que me intrigou.
Um intervalo nas palestras e fui à exposição de XR. Com óculos VR, entrei em outro corpo, o de uma pessoa vivendo a guerra na Ucrânia. Perspectivas novas? Nem te conto quantas! Aflição, medo e um olhar provocado pela experiência. Conto aqui somente essa, mas também vivi um menino autista de 6 anos e incorporei animais. Quantos novos olhares, quanta riqueza e excelência criativa.
Sobre o tema do ano no SX, Inteligência Artificial, quem me fez refletir sob uma nova perspectiva foi Whurley, fundador da Strangeworks. Depois de uma apresentação de 40 minutos trazendo cenários positivos e negativos em diversas aplicações de IA, ele revelou que a apresentação foi montada, escrita e layoutada toda por Inteligência Artificial. “Eu espero que estejam assustados com isso, porque eu estou. É tão bom quanto pode ser ruim e, na minha perspectiva, a computação quântica e a IA vão produzir mais transformações nos próximos 7 anos do que vimos em nossa vida toda”. Concordo com sua perspectiva e acho que será ainda em menos tempo, Whurley.
Agora chegamos ao auge das palestras sobre esse tema, na minha perspectiva, claro! A primeira pilota negra da NASA, Sian Proctor, liderava uma sala pequena, mas fez todo mundo ali chorar. Ao som de uma música sensível ao vivo e assistindo aos vídeos dela e de seus companheiros da Missão 4, ela recitou poesias redigidas sobre a experiência. “A NASA percebeu que sempre mandava engenheiros às missões espaciais, e eles tinham dificuldade de contar o que viam. Eu, como poeta, fui incumbida de traduzir meus sentimentos em palavras”. E traduziu! Depois, num tom de vulnerabilidade, ela confessou: “Eu consegui! Fui a primeira negra a pilotar uma nave espacial, mas quando estou numa sala com pessoas incríveis, não me acho suficiente, não me vejo especial como eles”. É! Quantas de nós não conseguimos nos encarar com a perspectiva merecida e uma lupa gentil?
E aí? Foi ao SXSW? Foi bom pra você?
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