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Andrea Alvares: “As empresas já sabem os efeitos da crise climática nos negócios”

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Andrea Alvares: “As empresas já sabem os efeitos da crise climática nos negócios”

A presidente do conselho do Instituto Ethos avalia o cenário de queimadas no Brasil e o papel das marcas nesse contexto 


13 de setembro de 2024 - 14h26

No Brasil, a área queimada em agosto deste ano cresceu 149% em relação ao mesmo período de 2023. Já a área total afetada pelo fogo no País em 2024 é de 113.960 km², mais do que o dobro registrado nos primeiros oito meses do ano passado. Os dados, divulgados no dia 12 de setembro pelo Monitor do Fogo, levantamento da plataforma MapBiomas, provocaram debates em torno do futuro do País e do mundo diante da emergência climática.  

O cenário, potencializado pelo aquecimento global e pela ação humana deliberada, fez com que cerca de 60% do território brasileiro fosse coberto por fumaça das queimadas, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É a maior seca do Brasil dos últimos 70 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden).  

As consequências deste quadro são muitas, como a piora da qualidade do ar, impactos severos no meio ambiente, na saúde da população e na economia do País. Por isso, o papel de autoridades, governos e empresas diante desse contexto crítico tem sido cada vez mais abordado por especialistas.  

De acordo com Andrea Alvares, presidente do conselho deliberativo do Instituo Ethos e líder do fundo de investimentos FamaGaia Sociobioeconomia, as empresas sérias já abraçaram a agenda ESG, mesmo que não estejam mais falando sobre isso. “Qualquer pessoa ou empresa que tenha uma cadeia de valor hoje em dia sabe que os efeitos das crises climáticas no mundo podem afetar os custos dos seus insumos e do acesso aos seus produtos.” 

Andrea Alvares, presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos e líder do fundo de investimentos FamaGaia Sociobioeconomia (Crédito: Divulgação)

Confira nossa entrevista com Andrea, que tem uma trajetória de 30 anos em empresas de bens de consumo, entre elas a Natura, onde ocupou a cadeira de vice-presidente global de marca, inovação e sustentabilidade. A executiva, que também atua em diferentes conselhos do Brasil e do mundo, analisa o cenário de queimadas, seca e calor no País e o papel das marcas nesse contexto. 

Como você avalia esse cenário de queimadas, calor extremo, fogo, seca e fumaça no Brasil e no mundo? 

Vejo tudo com profunda tristeza. O que antes estava no campo teórico e científico, agora está presente no nosso dia a dia. Não lidamos com isso quando ainda era possível reverter alguns efeitos, e agora estamos numa corrida para ver qual é o cenário menos ruim.  

A projeção mais recente é um aquecimento da temperatura da Terra acima de 3°C. Se a previsão de 1,5°C já era ruim, estamos em apuros. A verdade é que os cientistas não sabem quais serão as consequências acumuladas e potencializadas dos múltiplos pontos de não retorno nos sistemas que equilibram a vida da Terra. Isso envolve a acidificação de oceanos, a emissão de gás carbônico e todos os nove sistemas que mantêm a vida no planeta funcionando. Hoje, nenhum modelo científico existente é capaz de prever para onde vamos.  

No caso específico do que estamos vivendo agora no Brasil, da seca estendida, que têm a ver com mudanças climáticas potencializadas por fenômenos como El Niño e La Niña — ciclos climáticos usuais, mas que estão com efeitos alterados –, além da experiência de queimadas, estamos diante de um dos piores cenários do planeta. Há focos de incêndio no mundo inteiro, mas estamos com 60% do território coberto. 

Há dados concretos de que mais de 90% dos focos de incêndios são provocados por ação humana deliberada. Alguns são criminosos, outros não necessariamente, mas são todos muito arriscados no período de seca estendida, cujo controle é baixo. Há lugares onde esse atear de fogo é criminoso e tem a intenção de destruir florestas, para depois vir alguém com uma motosserra e cortar as árvores, para criar espaço para pastagem de gado ou para monocultura. A sensação que tenho é que estamos com o pé no acelerador em direção a um lugar que não é bom.  

As autoridades não têm falado o suficiente sobre isso, o tema tem sido pouco mencionado nos debates das eleições… por que acha que isso acontece?  

Concordo que a discussão ambiental ainda é limitada. Segurança pública tende a ser a temática mais discutida. As pessoas tendem a debater coisas consideradas mais do dia a dia de uma cidade, como mobilidade urbana, educação e saúde.  

O ponto é que não conectamos o acesso a esses direitos universais e básicos com a agenda climática. Ainda existe um distanciamento. Com a infeliz situação do Estado de São Paulo, que já chegou na capital, tivemos uma subida de tom essa semana, sobretudo de vereadores. Imagino que isso deva permear o debate público de uma forma um pouco mais contundente. Ainda separamos as coisas e pensamos que alguém vai resolver isso por nós. Esquecemos, no entanto, que 85% da população do Brasil é urbana, e é na cidade que experimentamos diretamente os efeitos dos problemas e das tragédias climáticas.  

Diante desse cenário, como você avalia a relação atual das empresas com a agenda ESG? 

Sinto que essa discussão diminuiu nas companhias. Houve um processo mundial de arrefecimento da agenda climática e identitária. Presenciamos um movimento anti-woke em torno do ESG, que foi contrário ao avanço da pauta. Na verdade, penso que é de se esperar esse movimento contrário, pendular.  

Mesmo assim, pelas minhas observações, independentemente da tônica, muita gente já embarcou nessa. Podem até não estar falando mais tanto disso e sendo menos ambiciosos em suas metas, mas já incorporaram a agenda à sua estratégia de negócios. Até porque sabem que devem fazer algo nesse sentido e foram convencidos da necessidade, inclusive para a resiliência dos seus negócios.  

Qualquer pessoa ou empresa que tenha uma cadeia de valor hoje em dia sabe que os efeitos das crises climáticas no mundo podem afetar os custos dos seus insumos e do acesso aos seus produtos. Seja porque eles estão vindo de lugares distantes ou porque o aumento do frete vai ser outro. E aí há uma miríade de coisas que, se houver uma disrupção na sua cadeia, aumentam custos e tornam seu modelo de negócio menos resiliente. 

Esse é um trem que já saiu da estação, como se diz. Já está indo, talvez diminua um pouquinho o ritmo, mas já foi.   

E qual é o papel das marcas nesse contexto? 

Lá atrás, passamos por um momento das marcas ativistas, em que a discussão de certas “causas” parecia mais importante do que a natureza do que elas faziam efetivamente. Agora, há um equilíbrio, até porque acho que elas já entenderam isso. Hoje, qualquer produto de bens de consumo tem 200 substituições e alternativas, com benefícios funcionais que serão entregues. Então, inclusive como estratégia de diferenciação, é interessante colocar no mundo um produto mais sustentável, com responsabilização pela cadeia de valor, em harmonia com o que o meio ambiente precisa e com o que uma sociedade socialmente responsável busca. A diferença está em como você estrutura esse desenho, tendo lucratividade, margem e eficiência como ambições, mas não como as únicas, e não a despeito de outros impactos socioambientais que você está provocando. 

Hoje, não dá mais para alegar ignorância. Estamos vivendo na sociedade da responsabilização e do conhecimento, então não dá para fingir que não sabia. Talvez, há 20 anos, você poderia dizer isso. Em 2024, não dá. Então, acho que as marcas devem continuar a se responsabilizar e seguir a linha de incorporarem a agenda com mais maturidade e consciência.  

Há muitos outros fatores que influenciam, como o público. A geração nova de consumidores é menos tolerante a falsas promessas. Eles são rápidos, safos e conseguem ler as empresas muito bem. Não são ludibriados, como a minha geração foi. Nós comprávamos promessas. Podem até consumir algum produto que não é sustentável, mas não porque acreditam em algo que a empresa está vendendo e não é verdade. O discurso não orna com a prática.  

Mesmo assim, ainda estamos na era do greenwashing. Quais são os erros que uma marca pode cometer ao levantar uma bandeira como a de dar suporte ao combate das mudanças climáticas? 

O maior erro é você ser pego na mentira, no falso discurso. Hoje, é preferível você falar “não fiz ainda, não sei fazer, estou no caminho, estou aprendendo” do que dizer uma coisa e não entregar.  

Por exemplo: a discussão racial foi vergonhosa para algumas empresas. Na época de George Floyd, a quantidade de manifestações foi enorme, de companhias e pessoas. CEOs se manifestaram mundialmente sobre o apoio a programas de diversidade e inclusão racial. Dois, três anos depois, houve um abandono da agenda. Agora, não é mais assunto, e em alguns lugares as pessoas estão saindo dos investimentos e dos programas dessa agenda. Isso cria ainda mais cinismo, pouca credibilidade e relações de baixíssima confiança dos consumidores com o ambiente corporativo e as marcas, sobretudo quando olhamos para a nova geração. 

Nos próximos dois anos, o mundo corporativo vai passar por mudança estruturais devido às novas regulações dos EUA e União Europeia sobre relatórios de ESG e impacto climático a que todas as empresas de capital aberto vão ter que se submeter. O que vai mudar na publicidade com essas novas regras? 

Infelizmente, por várias razões, a publicidade perdeu a chance de ocupar um papel mais coerente nessa agenda nos últimos anos. Sei que é difícil para uma agência que atende um cliente sem consciência promover essa consciência dentro da empresa dele. É complexo, confuso e o modelo de negócios das agências torna isso ainda mais difícil. Mas é uma pena que uma indústria com uma capacidade tão grande de influenciar não use esse poder a serviço de uma mudança comportamental mais profunda. 

É claro que não é responsabilidade exclusiva das agências, mas não conseguimos avançar nesse sentido. Até porque não é como se esse mercado não tivesse noção da sua formação e impacto em comportamento e cultura, e do tamanho das verbas. O que acho que vai acontecer é que as empresas serão forçadas a mudar e o mundo publicitário vai ter que se adaptar a essa nova realidade. 

E como conquistar confiança nesse cenário? 

Essa confiança foi, por um tempo, deslocada para o espaço dos influenciadores e das pessoas próximas. Contudo, se institucionalmente as organizações perderam confiança há um tempo, os influenciadores agora estão em xeque. Estamos falando de um modelo em movimento constante, é muito difícil imaginar como será, mas acho que sempre encontramos alguns espaços de depósito de confiança, e eles geralmente estão associados a inovações.  

Aquilo que é novo e que parece ser interessante e ter uma verdade até cair na mesma lógica que todos os outros negócios caem. Porque não é sobre tecnologia, nem ferramenta: é sobre o uso disso e os sistemas de incentivo. Depois de um tempo, tudo entra na mesma lógica da corrida atrás das mesmas coisas, e isso acaba gerando os mesmos efeitos.  

Mas espero a indústria consiga estar em outro lugar. Acho que vai ser por necessidade, e não por consciência, mas será preciso incorporar a responsabilidade de verdade, e isso tornará as empresas forçosamente mais conscientes. E aí, eventualmente, a publicidade pode usar isso como uma inspiração para também influenciar comportamentos de outra forma. 

Como a indústria pode contribuir para a construção de um futuro melhor e possível de se viver? 

Olha, não sei se vejo a vida melhor no futuro próximo. Recentemente falei para um amigo que todos os dias oscilo entre encontrar mais botes para tirar as pessoas do Titanic ou ir para o convés tocar violino. Mas, enquanto estiver aqui, ainda vou atrás dos botes.  

Sei o que não funciona mais e tenho ideia de modelos que parecem funcionar melhor. Não funcionam mais a hierarquia, a estrutura top down, a escala e a concentração, como a gente viu até agora. E não funciona porque essa lógica se tornou frágil e inapta a ter respostas rápidas e eficientes, porque acontece na ponta. A ideia de centralização, exclusão e consolidação de escala, como vivemos até agora, daquela globalização de um formato de sapato para o mundo inteiro, é um modelo que se esgotou. Quer dizer que ele não vai coexistir? Não, ele vai estar aí. Mas o modelo que me parece mais resiliente é aquele que pensa sistemicamente. Ele é descentralizado, diverso, capilarizado e é em rede. É cooperativo, menos competitivo.  

Então acredito que quem vai ter êxito e conseguirá sair rápido de crises e lidar melhor com as necessidades de adaptação que o mundo necessariamente vai colocar diante de todos nós são essas organizações com essas características. E aí, às vezes ser pequeno e local vai ser uma vantagem. Não porque você não está conectado com o mundo, porque pode até estar, mas porque serve uma necessidade local e, por isso, atende melhor, mais rápido e de maneira adaptável. Esses são os modelos de negócios, ideias e marcas que terão mais chance de sucesso no novo mundo.  

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