Mulheres e burnout: esgotamento marca a vida profissional das brasileiras
Assédio, exclusão, acúmulo de tarefas e negligência da vida pessoal são fatores que as levam à síndrome
Mulheres e burnout: esgotamento marca a vida profissional das brasileiras
BuscarAssédio, exclusão, acúmulo de tarefas e negligência da vida pessoal são fatores que as levam à síndrome
Lidia Capitani
23 de setembro de 2022 - 11h18
Esta matéria faz parte do “Especial Burnout”: uma série de três reportagens que traz histórias, contexto e soluções para a crescente onda de esgotamento entre as profissionais mulheres.
De acordo com a pesquisa “Women @ Work 2022”, da Delloite, 44% das mulheres brasileiras se sentem esgotadas. A taxa aumenta para 54% quando se trata de minorias étnicas no nosso país. A pandemia e todas as mudanças no cenário profissional contribuíram consideravelmente para que essa realidade piorasse para as mulheres. No Brasil, 35% das entrevistadas do estudo tiveram que se afastar do trabalho por conta da sua saúde mental, e na mesma linha, o número cresce para 45% entre mulheres de grupos minoritários.
Outro estudo realizado pela McKinsey & Company, “Women In The Workplace 2021”, que analisa o mercado dos Estados Unidos e do Canadá, encontrou alguns fatores que intensificam o estresse entre as mulheres. São condições como posições de liderança, a responsabilidade por crianças pequenas e a maternidade solo.
Izabella Camargo, hoje, é palestrante e consultora de burnout. Antes disso, ela atuava como jornalista na Globo. Após anos acumulando sintomas como dor de cabeça, enjoos e irritabilidade, a profissional sofreu um colapso enquanto apresentava a previsão do tempo ao vivo. Para os telespectadores, ela apenas não conseguia lembrar o nome da capital do Paraná, Curitiba, estado onde nasceu. No entanto, por dentro, ela sentia um turbilhão de sensações: visão turva, coração acelerado, falta de ar, enjoo, sudorese, formigamentos e mãos frias.
Depois do diagnóstico de burnout, ela se afastou do trabalho, mas apenas o tempo de descanso não foi suficiente. A partir de então, ela se dedicou a estudar o assunto e mudou completamente de rumo. Izabella agora trabalha junto de empresas na prevenção, tratamento e reabilitação de pessoas com burnout.
CUIDAR DOS OUTROS E A NEGLIGÊNCIA DE SI
A pesquisa americana também mostra que elas se sentem mais julgadas e vistas como menos competentes, necessitam trabalhar mais para serem notadas e têm mais medo da maternidade atrapalhar sua carreira quando comparadas às percepções masculinas de paternidade.
Os dados são o retrato de uma realidade na qual as mulheres são constantemente colocadas como responsáveis pelos cuidados — o que chamam de “economia do cuidado”, ou seja, todo o trabalho de cuidar de crianças, idosos e familiares que, em sua maioria, não é remunerado e compete com as responsabilidades do trabalho.
Segundo Izabella Camargo, as mulheres acabam sofrendo mais burnout do que os homens porque, após anos de limitações e restrições, elas sentem a necessidade de compensar o tempo perdido e acabam acumulando tarefas. “Foram muitos anos sendo colocadas num lugar na sociedade em que não tínhamos direitos. Agora que podemos trabalhar, votar, dirigir, abrir conta e tudo mais, não aprendemos a delegar e nem a dividir”, reflete. Além disso, elas também tendem a criar uma régua da perfeição maior e sentem receio de perder o controle ao delegar.
A jornalista criou um movimento chamado “Produtividade sustentável”, em que ensina a equilibrar vida profissional e pessoal. No curso, ela costuma perguntar para as suas alunas: “você prefere a louça limpa ou o cabelo limpo?”. Pode parecer uma pergunta simples, mas a palestrante reforça que “não lavar o cabelo é um sinal de bastante negligência, especialmente para as mulheres”.
Juliana Ferraz era uma dessas mulheres que se negligenciava: “Eu era uma pessoa que olhava 90% pro trabalho e 10% para a minha vida pessoal, porque aprendi que deveria ser assim se quisesse ser uma supermulher e uma super executiva”. Após o segundo burnout, ela entendeu que precisava rever suas prioridades e sua relação com a carreira: “Hoje, eu verbalizo muito o que sinto e respeito meus limites. Entendi que o trabalho é muito importante, mas viver a minha vida também é”. Atualmente, Juliana é sócia e diretora de negócios e relações públicas da Holding Clube.
Como líder, ela não quer que nenhum dos seus colaboradores passem pelo que viveu, por isso, ela prega a busca do equilíbrio, para si e para os outros. “Precisamos buscar isso e entender que você não vai ser melhor ou pior no trabalho porque sai às cinco ou às seis para buscar o seu filho na escola”.
Para as mulheres, conseguir balancear a vida pessoal e a profissional ainda é um grande desafio. O estudo da Deloitte, em nível nacional, revela que 48% das entrevistadas avaliam como ruim ou muito ruim sua capacidade de conciliar trabalho e vida. Isso porque a régua pessoal de desempenho delas é consideravelmente maior, mesmo após as políticas de flexibilização do trabalho. 95% das respondentes acreditam que solicitar ou aproveitar as opções de trabalho flexível pode afetar negativamente uma possível promoção, aponta a pesquisa.
No final, a conta não fecha. Os dados são contundentes ao comprovar que a redução da jornada de trabalho não se traduz em profissionais mais satisfeitos e saudáveis. Um terço das mulheres brasileiras afirmam que suas empresas oferecem políticas de flexibilidade, contudo, quem mudou sua jornada de trabalho relata maior esgotamento, estresse, sentimentos mais pessimistas quanto às suas perspectivas de carreira e maior desconforto ao falar sobre saúde mental no ambiente corporativo.
BURNOUT NÃO É APENAS CANSAÇO
Os sintomas relatados por Izabella Camargo são comumente descritos por quem passou por um burnout. Tatiana Pimenta, CEO e fundadora do Vittude, plataforma virtual que conecta psicólogos a pacientes, relata que outras características do fenômeno são isolamento, exaustão física, mental e emocional, aumento do absenteísmo, maior sensibilidade ao feedback e irritabilidade, além de redução da produtividade. Ela também ressalta que estes sinais podem resultar no surgimento de sintomas físicos como queda da imunidade, tensão muscular, problemas gástricos e falhas de memória.
A CEO descreve a síndrome de burnout como “decorrente de um estado de estresse crônico no trabalho que resulta em exaustão geral, frustração e uma atitude derrotista que afeta negativamente a vida pessoal e profissional de um funcionário”. Ainda segundo Tatiana, ele pode ocorrer por diversos motivos, como o desequilíbrio entre vida profissional e pessoal, expectativas de trabalho irreais, dinâmicas disfuncionais no ambiente corporativo e até mesmo o tipo de profissão que a pessoa exerce, no caso de profissionais da saúde e educadores, ocupações emocionalmente desgastantes.
ESTIGMAS, DEMISSÃO E MICRO AGRESSÕES
Nesses anos em que aprofundou no tema, Izabella entende que grande parte de quem tem burnout gosta do que faz, visto que poucas pessoas com a síndrome não amam sua ocupação. A especialista também percebe que há uma certa banalização do diagnóstico, e receia que essas pessoas sofram de estigmas que o burnout pode trazer. Juliana, por exemplo, passou por esses preconceitos. “Na minha época, não era uma doença falada, eu cheguei a ser chamada de doida. Imagina para mim o que foi ouvir isso”, relata.
O esgotamento é um dos principais motivos que levam as mulheres a pedir o desligamento da empresa, chegando a taxa de 49% das que pedem demissão, de acordo com o estudo brasileiro da Deloitte. Outros motivos são a remuneração inadequada (27%) e a falta de oportunidades de crescimento nas organizações (16%).
Marcela Bazaglia também sofreu um burnout que a levou a pedir demissão da empresa de comércio exterior onde trabalhava. Após o período de recuperação, ela e o marido desenvolveram uma produtora especializada em criar histórias pautadas na humanidade, a Pepita.
Hoje, nos treinamentos que fornece aos líderes, Marcela tenta fazer com que as lideranças expressem as suas inseguranças. “Quando os líderes falam das próprias vulnerabilidades, há uma transformação, porque os liderados conseguem se conectar com eles, principalmente se são lideranças de cargos muito altos”, relata.
“Acho que quando um líder coloca as suas vulnerabilidades, as pessoas se sentem mais confortáveis para falar das suas. E isso vemos nos treinamentos”. Ao mesmo tempo, ela entende que este processo pode ser mais desafiador para as mulheres. O caso piora para profissionais femininas de minorias étnicas. Segundo o estudo da Deloitte, enquanto 44% das mulheres de grupos “majoritários” se sentem confortáveis para falar sobre saúde mental no ambiente de trabalho, o número reduz para 34% entre as profissionais de comunidades minoritárias.
“Mulheres têm que dar conta de serem mães e do trabalho, tudo perfeitamente, e expor vulnerabilidade no ambiente profissional sendo uma mulher é um desafio bem grande. Vivemos numa sociedade em que a maioria dos líderes são homens. Será que temos realmente a possibilidade de abrir e expor uma vulnerabilidade com um homem que está numa posição acima da nossa?”, reflete Marcela.
O desconforto das mulheres no ambiente de trabalho perpassa por diferentes razões. Uma delas, apontada no estudo, são as micro agressões. São pequenos incidentes, que para outros podem não ter relevância, mas que criam uma atmosfera de exclusão. As entrevistas relatam que percebem essas violências menores quando são frequentemente excluídas de conversas informais, ao não levarem os créditos pelas suas ideias, quando sentem menos oportunidades para falar em reuniões e quando não são convidadas para atividades tradicionalmente dominadas por homens. Sem contar aquelas que sofrem de situações mais sérias como assédio moral e sexual. No Brasil, o número de mulheres que sofreram assédio e micro agressões no trabalho saltou de 44%, em 2021, para 60% no estudo deste ano.
Estes dados são o reflexo de uma cultura que não pauta como prioridade a saúde mental, a diversidade, equidade e inclusão. São indícios de um ambiente organizacional que preza pela entrega a qualquer custo, que mesmo promovendo flexibilidade de horários e presença, não leva em consideração os fatores daquilo que nos faz humanos: nossas relações sociais.
DIVERSIDADE E INCLUSÃO AUMENTA NÍVEIS DE BEM-ESTAR
A pesquisa da Deloitte revela que 24% das entrevistadas no levantamento global e 20% das entrevistadas no Brasil trabalham em organizações com cultura menos inclusiva e de baixa confiança. Em contrapartida, o levantamento também identificou um grupo de empresas que são reconhecidas por promoverem políticas de equidade entre os gêneros, as chamadas GEL, Gender Equality Leaders (Líderes de Equidade de Gênero, em tradução livre).
Essas organizações líderes em equidade pontuam muito mais alto em indicadores de bem-estar. As profissionais dessas empresas relatam maior produtividade (91%), motivação (90%), satisfação no trabalho (90%), saúde física (88%), bem-estar mental (62%) e equilíbrio entre vida pessoal e profissional (56%). Além desses indicadores gerais, as GEL pontuam alto quanto ao apoio em saúde mental e à promoção de um ambiente confortável para abordar o assunto.
O maior contraste entre essas culturas organizacionais está nos níveis de burnout entre as colaboradoras. Daquelas mulheres que trabalham em empresas menos inclusivas, 81% dizem “sentir-se esgotadas”, em comparação com apenas 3% das profissionais que atuam nas GEL.
Uma coisa é importante ressaltar: o burnout não ocorre da noite para o dia, ele é resultado de um ecossistema no qual as mulheres sofrem micro agressões, assédios, dificuldades na progressão de carreira, incompreensão, entre outros fatores estressantes.
“O burnout se arrasta lentamente, o que dá aos funcionários e empregadores tempo para observar e intervir precocemente diante dos sinais de alerta”, reforça Tatiana Pimenta. “Ao prestar atenção e procurar os indicadores mais comuns, os líderes podem estruturar programas de saúde mental efetivos, de modo a evitar que a condição aumente ou se desenvolva.”
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